Fechar menu lateral

Informativo 539 – Fóssil de pássaro e Código Penal

1 – Fóssil de pássaro pré-histórico recebe nome em homenagem a Mandela

2 – Pesquisadores se manifestam sobre coleta de invertebrados no Código Penal

 

1 – Fóssil de pássaro pré-histórico recebe nome em homenagem a Mandela

 

Espécie está diretamente vinculada às espécies de pica-paus que vivem na Eurásia e América, mas não com as que se encontram na África.

Nelson Mandela, que completou 94 anos nesta quarta-feira (18), receberá um presente inesperado, após biólogos decidirem batizar de “Australopicus nelsonmandelai’ o fóssil de um pica-pau mais antigo encontrado até aqui no continente africano, pertencente a uma espécie fóssil desconhecida, revelaram cientistas do Instituto Senckenberg de Frankfurt (Alemanha) e do Instituto de Genômica Funcional de Lyon (França).

“Chamamos a nova espécie de ‘Nelson Mandela’, como um presente científico no seu aniversário”, explicou em um comunicado o ornitólogo do Instituto Senckenberg, Albrecht Manegold.

Os restos do “Australopicus nelsonmandelai” foram extraídos da jazida de Langebaanweg, que contém ossadas de mais de cinco milhões de anos de idade, onde já foram encontradas mais de 60 espécies de pássaros.

 

Segundo os pesquisadores que publicaram a descoberta na revista Journal of Vertebrate Paleontology, a nova espécie de pica-pau data do Plioceno (há 5,3 a 2,5 milhões de anos). A espécie está diretamente vinculada às espécies de pica-paus que vivem na Eurásia e América, mas não com as que se encontram na África.

 

“A nova espécie representa uma quarta linhagem, até agora desconhecida, de pica-paus africanos de origem eurasiana que provavelmente esteve isolada no continente africano após mudanças no meio ambiente”, dizem os ornitólogos.

 

Segundo eles, a presença do “Australopicus nelsonmandelai” na jazida de Langebaanweg sugere que no início do Plioceno provavelmente havia bosques na região. (Agência APF).

 

2 – Pesquisadores se manifestam sobre coleta de invertebrados no Código Penal

 

“Exortamos o Congresso Nacional a reconhecer no novo Código Penal como lícita a coleta de invertebrados para fins científicos ou didáticos. É justo, necessário e urgente que a Lei preveja em seu bojo como atividade lícita (isenta de crime), a coleta para fins de estudo e pesquisa científica, em todos os níveis de ensino, tanto por profissionais, como por autônomos, em instituições públicas e privadas”. Confira a íntegra do documento enviado ao JC Email pelos autores.

Proposta para o novo Código Penal: Descriminalização de Coleta de Invertebrados para Fins Científicos e/ou didáticos

 

Considerando a falta de dano ambiental na coleta de invertebrados (p. ex. insetos, vermes, etc.); a necessidade de incremento da pesquisa e ensino da nossa Biodiversidade e o precedente do parágrafo 8 do art. 24 do Decreto 6514/08, propõe-se a inclusão de um parágrafo no Art. 388 (Seção I “Dos Crimes contra a Fauna”), no futuro Código Penal, como segue:

 

“A coleta de invertebrados destinados a fins científicos e/ou didáticos não será considerada crime nos termos deste Artigo [ou desta Lei].”

 

OU:

 

“A coleta de invertebrados destinados a fins científicos e/ou didáticos somente é considerada infração, quando se caracterizar, pelo seu resultado, como danosa ao meio ambiente.”

 

DOS FATOS E FUNDAMENTOS PARA A PROPOSTA:

 

É de se ver que a coleta de invertebrados para fins didáticos e/ou científicos não causa dano ambiental. Entre os invertebrados incluem-se numerosos agentes vetores de doenças (como os mosquitos), pragas de agricultura e agentes de doença em si (como diversos parasitos). Sendo assim, a sua coleta se faz necessária e útil e muitas vezes é preciso fazê-la de forma eventual e inesperada, o que atualmente foi tornado impossível pela legislação em vigor (que exige licença prévia para a coleta) e no futuro Código Penal, conforme seu anteprojeto. Os invertebrados são de reprodução rápida e profusa tornando a sua coleta para pesquisa e/ou ensino inócua para as espécies envolvidas e a continuidade de suas populações naturais. Veja-se, p. ex., o caso dos insetos e a quantidade de inseticidas gastos anualmente sem que os mesmos sejam inteiramente exterminados. Evidentemente, não é o caso de vertebrados (mamíferos, aves, repteis, p. ex.), cuja coleta/matança para fins científicos/didáticos deve ser tratada de forma diferente, visto a capacidade limitada de recuperação de muitas das espécies envolvidas. Infelizmente, a Lei 9.605/98 deixou de estabelecer tal diferença, o que redundou em numerosos e injustos óbices à pesquisa e ensino da Biologia e em particular de Invertebrados em nosso país, fato que está prestes a se perpetuar com o novo Código Penal proposto.

 

Então, desde a Lei de Crimes Ambientais (9.605/98), já era necessário que a Lei trouxesse em seu bojo essa diferença, o que no futuro Código Penal se torna premente. Tal melhoria no futuro CP tornará factível a coleta de invertebrados para ensino/pesquisa (incluindo numerosas espécies nocivas), evitando dissabores mais graves a pesquisadores e professores, nos moldes do que já tem acontecido desde a edição da Lei 9.605/98.

 

Há, inclusive, um precedente recente que corrobora a pertinência da proposição apresentada:

 

No Decreto 6514/2008, atualmente em vigor, que regulamenta a Lei de Crimes Ambientais (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/decreto/D6514.htm), o § 8º do Art. 24 (que trata das Infrações Contra a Fauna) determina que: “A coleta de material destinado a fins científicos somente é considerada infração, nos termos deste artigo, quando se caracterizar, pelo seu resultado, como danosa ao meio ambiente.”

 

Os invertebrados em geral, como os insetos, possuem uma altíssima capacidade de reprodução, tanto é que quando algumas dessas espécies são prejudiciais ao homem de maneira geral, as mesmas são normalmente objetos de extermínio em massa por numerosos meios de controle (inseticidas, pesticidas, agrotóxicos, venenos, medicamentos, etc.). Mesmo assim, nunca são extintas, retornando em grande número se o combate não se mantiver.

 

Nesse sentido, se somássemos o quantitativo de exemplares capturados por pesquisadores e colecionadores de insetos de uma região por toda uma vida, o mesmo seria muito inferior ao enorme impacto que um único avião agrícola causa num dia borrifando plantações com inseticidas ou um grupo de agricultores aspergindo agrotóxicos em suas plantações e infinitamente menor do que um único episódio de queimadas pelo Brasil afora.

 

Então, como explicar que atividades de combate a pragas e queimadas, que exterminam invertebrados e pequenos vertebrados como aves e roedores às toneladas sejam muito mais facilmente autorizadas e levadas a efeito, ao passo que uma criança interessada em insetos, um professor de qualquer nível de ensino, um pesquisador, um autodidata, um colecionador se veja criminalizado por capturar alguns desses invertebrados ou insetos fadados à morte em massa?! A coleta de invertebrados, como os insetos e aranhas, jamais poderá ser regulada pela mesma regra de quem caça aves e mamíferos, pois o impacto ambiental é notoriamente distinto.

 

“A coleta ou captura, ou o nome que for, de invertebrados não é prejudicial à biota. As eventuais espécies problema estão na lista da fauna ameaçada de extinção. Esta conclusão foi obtida por unanimidade por zoólogos e representantes do IBAMA, em Congresso Brasileiro de Zoologia, realizado em fevereiro de 1990 em Londrina, Paraná. Segundo José Cândido de Melo Carvalho & Olaf H. H. Mielke (1968, Congresso Internacional de Entomologia, Moscou, União Soviética), o que afeta a biota é a destruição do habitat e não as capturas pelo homem de exemplares, afinal invertebrados não estão na ponta da cadeia trófica.” (Seg. Prof. Dr. Olaf H. H. Mielke, Ex-Presidente da Sociedade Brasileira de Zoologia, Professor Titular de Zoologia da UFPR, Texto publicado no Jornal da Ciência, 14 de abril de 2005, itens 4 e 5 – http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=27126).

 

A conclusão do Congresso Brasileiro de Zoologia de 1990 referido acima, inspirou a lógica da Portaria 332/90 do Ibama que até início de 2007 encontrava-se em vigor. Pela mesma, a coleta de invertebrados para fins didático-científicos, fora de unidades de conservação e que não constassem de lista Oficial de espécies ameaçadas de extinção era dispensada de licença para tanto (cf. Art. 15° da Portaria 332 de 13/03/1990, publicada no DOU n° 54 de 20/03/1990).

 

Essa regulamentação vinha ao encontro não só das opiniões das autoridades do estudo da Zoologia, como apresentado acima, mas principalmente à própria lógica da forma de reprodução maciça dos invertebrados e a sua altíssima capacidade de recuperação das populações em apenas uma geração, mesmo quando utilizados meios de extermínio massivo (com inseticidas, p. ex.), o que nunca acontece com a captura de exemplares isolados nas atividades didática, científica ou de colecionadores de insetos.

 

Por outro lado, imaginemos uma professora de escola secundária que vai ao mercado pesqueiro de sua cidade e compra dez caranguejos. Se utilizar nove deles para compor uma refeição para os alunos, será agraciada com homenagens e agradecimentos, sem precisar de autorização de qualquer órgão ambiental. Porém, se utilizar tão-somente um deles para uma aula prática sobre crustáceos, espécie de invertebrado, pela legislação ambiental atual e proposta ou necessitará percorrer uma “via-crúcis” a fim de obter licenciamento para tanto ou não poderá realizar tal aula, sob pena de incorrer em crime e ser presa! Vê-se que são dois pesos e duas medidas que beiram ao absurdo – matar, comer, exterminar, pode ou é bem fácil de obter a autorização, enquanto estudar e conservar torna-se tão difícil ou improvável que na prática tornou-se impossível.

 

Da mesma forma, se o combate a muitas pragas de insetos ou invertebrados, com extermínio anual de bilhões de indivíduos a cada ano, nunca conseguiu fazê-las desaparecer da face da Terra, a coleta de alguns exemplares por algumas pessoas interessadas, inclusive na condição de vítimas, não fará qualquer diferença em sua população, o que sobreleva a desnecessidade de controle do Poder Público em tal sentido.

 

A penalização genérica dos crimes contra a fauna, que se iniciou com a Lei de Crimes Ambientais (9.605/98), precisa ser corrigida agora sob pena de perpetuar o absurdo da criminalização da coleta de invertebrados nocivos como: ectoparasitos (p. ex. pulgas, piolhos, carrapatos, chatos, bicho do pé), invertebrados parasitos (p. ex. vermes, berne, parasitoses, amebas, giárdias, etc.), transmissores de doenças (mosquitos, barbeiros, caramujos da esquistossomose, etc.) nocivos a humanos (p. ex.: lagartas urticantes, abelhas com ferrão, maribondos, baratas etc.), às construções (ex.: cupins), às espécies de importância agropecuária (p. ex.: pragas agrícolas, insetos, vermes, parasitas que atacam animais de criação) domésticas ou domesticadas (insetos, vermes, parasitos que atacam animais domésticos ou domesticados) para estudo ou pesquisa.

 

Torna-se patente que um parágrafo afastando o crime nesses casos, como proposto, se justifica por vários motivos. O primeiro pelo simples fato de que todas essas espécies são normalmente objetos de extermínio em massa por numerosos meios de controle (inseticidas, pesticidas, agrotóxicos, venenos, medicamentos, etc.). Então, no caso de captura desses espécimes para estudo/ensino, não há lógica de tal fato constituir crime ou, na melhor das hipóteses, carecer de autorização dependente de burocracia exaustiva, demorada e excludente.

 

O segundo motivo, de ordem prática, é que em todos esses casos a coleta de alguns exemplares para melhor identificação, estudo, ou ensino em todos os níveis, poderá ser de grande auxílio no combate mais eficiente e rápido às espécies nocivas. Tanto no âmbito urbano quanto rural, freqüentemente a pessoa que terá contato com tais espécimes não será pesquisador ou professor previamente registrado, será sim desde um médico, veterinário, até uma pessoa simples do povo que poderá precisar coletar alguns exemplares para estudo ou identificação por um especialista. A redação atual e futura da lei de proteção à fauna, aliada à regulamentação pertinente, criará o paradoxo de que essa pessoa poderá matar um número ilimitado de espécimes por serem nocivos, mas coletar somente um deles para estudo ou identificação, não.

 

Uma terceira razão é que a descriminalização nesses casos facilitará a atividade das instituições ligadas à pesquisa e ensino relacionadas às espécies de invertebrados prejudiciais à humanidade, inclusive pela maior facilidade em que coletores ocasionais na comunidade possam guardar e/ou enviar espécimes para um especialista. Imagine-se, por exemplo, um agente de saúde de um município do interior da região amazônica, que necessita saber se os mosquitos que estão ocorrendo em elevado número em seu município são da espécie Aedes aegypti (transmissor da Dengue) ou não. Se tal alteração não existir no novo Código Penal, esse agente não poderá coletar um único mosquito sequer para estudo por um especialista, mesmo considerando que milhares estejam invadindo residências e picando os moradores! Precisará esperar para se e quando um pesquisador que eventualmente tenha uma autorização específica possa comparecer ao local e fazer a referida coleta – se os mosquitos ainda estiverem por lá. Isso poderá nunca acontecer ou demorar muito. Ou seja: na falta desse novo parágrafo poderemos assistir graves prejuízos para a saúde pública, agropecuária e bem-estar de muitas comunidades pobres e distantes, não se olvidando dos prejuízos para a pesquisa e educação em todos os níveis de ensino.

 

Quando o Artigo 225 da Constituição da República prevê que o meio ambiente é “bem de uso comum do povo”, fica implícita a lógica de que o mesmo possa ser alterado para plantações e áreas urbanas, com destruição de florestas e habitats naturais. Se as florestas podem ser derrubadas e queimadas, os pântanos drenados, os rios desviados e represados, tudo para servir a uma população humana crescente, o direito de alguns indivíduos que queiram coletar e conservar alguns espécimes naturais, sem qualquer dano ao meio, deve ser reconhecido como lícito pela Lei. Há de se ver que tal atividade vem sobretudo ao encontro do conhecimento e conservação da biodiversidade.

 

“Tanto o cientista institucional como os órgãos reguladores do governo trabalham sobre um patrimônio natural que pertence à nação, que é público, e que deveria ter seus esforços voltados ao bem estar deste mesmo povo. Como é possível imaginar a pesquisa sobre biodiversidade dissociada de seu público alvo, do seu principal cliente, do seu consumidor, bem como da sua principal ferramenta, que são a população leiga e dos autônomos?” (Seg. Carlos G. C. Mielke & Hélcio R. Gil-Santana, Boletim Informativo 80 da Sociedade Brasileira de Zoologia, junho de 2005, página 10).

 

Assinam o texto:

Hélcio Reinaldo Gil Santana

Médico, Especialista em Entomologia e Doutorando em Biodiversidade e Saúde pelo Instituto Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro (helciogil@uol.com.br).

 

Ruy José Valka Alves

Biólogo, Doutor e Pós-Doutor em Botânica, Professor Associado, ex-Vice-Diretor ex-Curador do Herbário do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ruyvalka@mn.ufrj.br).

 

Olaf Hermann Hendrik Mielke

Biólogo, Doutor em Entomologia, Professor Titular na Universidade Federal do Paraná, Ex-Presidente da Sociedade Brasileira de Zoologia (omhesp@ufpr.br).

 

Soraya Orichio Zreaik

Bióloga, Doutoranda em Educação, Professora de Biologia do Ensino Médio do Instituto Federal Fluminense, Macaé, RJ (sorayazeraik@hotmail.com).