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Informativo 534 – 25% e investir

1 – 25% de concursos para docentes em federais de SP não têm aprovados

2 – Hora de investir na educação científica

 

1 – 25% de concursos para docentes em federais de SP não têm aprovados

 

A estabilidade do emprego e a remuneração para fazer pesquisa não têm sido suficientes para seduzir professores para as universidades federais em São Paulo.

Levantamento feito pelo jornal Folha de São Paulo, com base nos concursos para docentes em 2011 e neste ano, mostra que 1 em cada 4 processos foram finalizados sem nenhum aprovado. Esses 59 concursos terminaram “vazios” por duas razões: ou não houve inscritos ou os candidatos não atingiram o patamar exigido em quesitos como prova escrita, análise de currículo e simulação de aula.

 

Faltaram aprovados para seleções de diversas áreas, como psicologia, engenharia, saúde, ensino e economia. Como comparação, a reportagem contabilizou na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) 1% de concursos “vazios” no período.

 

Os docentes da rede federal afirmam que a falta de atratividade é reflexo dos baixos salários e de uma carreira ruim. A categoria está em greve nacional há um mês e meio, com adesão de 95% das escolas, segundo a organização. O governo não tem balanço.

 

O salário inicial para um professor com doutorado, em dedicação exclusiva, é de R$ 7.627 na rede federal. Na USP, Unesp e Unicamp (todas estaduais), um docente em posto similar ganha R$ 1.100 a mais, além de ter dispositivos que aceleram os aumentos (como quinquênios).

 

Reitores das federais reconhecem que as condições a seus professores não são as ideais, mas dizem que os cursos ficam “vazios” devido à escassez de doutores no País. O Ministério da Educação faz avaliação semelhante. A rede federal precisa contratar porque está em forte expansão no Estado. As matrículas praticamente dobraram entre 2007 e 2010.

 

Universidades estaduais – O salário inicial de um professor de universidade federal com doutorado é menor que o dos colegas das maiores instituições estaduais do País. A reportagem pesquisou quanto ganha um docente iniciante, com dedicação exclusiva (integral), na maior instituição estadual de cada região do País.

 

Nas federais, o salário é de R$ 7.627 (a carreira é a mesma no País todo). O valor só é maior que os vencimentos dos docentes da Universidade Estadual de Londrina (a maior do Sul), que são de R$ 7.451. Entre essas estaduais analisadas, o maior salário é o da USP (R$ 8.715).

 

Um dirigente que negocia salários por parte dos reitores disse reservadamente que reconhece que os vencimentos e a carreira dos professores devem ser melhorados. Ele afirmou que há perda de professores para instituições estaduais, mas que as saídas são principalmente para empresas privadas e outros postos públicos.

 

Um analista de finanças iniciante na Controladoria Geral da União, por exemplo, pode ganhar R$ 12.960 ao mês. Um docente de universidade federal, em final de carreira, recebe R$ 12.225.

 

Disputa – O secretário de Ensino Superior do Ministério da Educação, Amaro Lins, afirma que, apesar dos valores inferiores aos das escolas estaduais, há migração de docentes destas instituições para os novos campi das federais. “As federais em geral têm condições melhores de pesquisa. A exceção é São Paulo, que possui um sistema universitário consolidado.”

 

Composição salarial – No modelo reivindicado pelo Andes (sindicato docente), os salários praticamente dobram. Além disso, seria alterada a composição salarial. Hoje, metade do valor recebido provém de uma gratificação. O pedido é que seja tudo integrado ao vencimento básico, o que dá mais segurança a futuros reajustes.

 

O governo não divulgou data para negociação. O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, já sinalizou publicamente ser preciso equilibrar a melhoria da rede com as limitações orçamentárias, principalmente num momento de crise na Europa.

 

Falta de doutores – As universidades reconhecem, porém, que salário e carreira dos seus professores prejudicam a contratação. O secretário do Ensino Superior do MEC, Amaro Lins afirma que a demanda de professores por conta da expansão da rede federal está superior à capacidade de formação de doutores.

 

Em geral, as escolas buscam profissionais com esse título porque eles estão prontos para fazer pesquisa, além de lecionar na graduação. “Teremos uma grande mudança nos próximos cinco anos”, afirma Lins, sobre a dificuldade de contratação. Ele diz que a situação melhorará assim que os novos campi começarem a formar doutores.

 

Sobre a situação mais favorável dos concursos na Unicamp, Lins diz que, como “UFABC e Unifesp estão sendo formadas agora, o doutor vai ter de por a mão na massa”, o que pode afastar interessados. Ele não quis comentar a situação salarial e de carreira dos professores federais.

 

Seleção rígida – Reitor da UFABC, Helio Waldman diz que há concursos vazios na escola porque a seleção é muito rígida e ela tem contratado muitos professores (cerca de 500 desde 2006, quando a universidade começou). “Mas também influencia o mercado aquecido, principalmente na engenharia, onde os salários acadêmicos não são atrativos”, afirma.

 

“Considero a Unifesp atrativa, pois é um centro de excelência”, diz o pró-reitor de graduação da Federal de São Paulo, Miguel Jorge. “Mas, em algumas áreas, o salário e a carreira podem ser impeditivos. Em outras, não há doutores disponíveis.”

 

A UFSCar (Federal de São Carlos) disse que não conseguiria analisar os dados até a conclusão da edição. (Folha de São Paulo)

 

2 – Hora de investir na educação científica

Em entrevista, o acadêmico Alberto Passos Guimarães destaca a importância estratégica de priorizar a educação científica e discute os principais desafios para que os estudantes brasileiros tenham maior interesse pela área.

As perspectivas para o Brasil, no campo da economia, são animadoras. E uma das razões para isto é a série de fatores que pode impulsionar o crescimento do País, entre eles, a realização dos dois maiores eventos esportivos do planeta (a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016, no Rio) e as possibilidades de exploração de petróleo na camada pré-sal. No entanto, segundo especialistas, um dos desafios que precisarão ser enfrentados é o do avanço na área educacional, para oferecer a qualificação necessária à mão de obra para que seja possível impulsionar este desenvolvimento. E, dentro deste objetivo, existe outro ainda mais estratégico: formar profissionais capazes de tornar o Brasil um produtor de novas tecnologias.

 

Nessa linha, é fundamental investir na popularização do acesso à ciência. Países que se destacaram como produtores de inovações tecnológicas, em geral, têm um contingente significativo de seus jovens diretamente interessados em atuar com produção científica, quadro bem diferente do Brasil, nos dias de hoje.

 

Para o diretor-adjunto do Instituto Ciência Hoje, o acadêmico Alberto Passos Guimarães Filho, o ideal é começar este incentivo ainda na infância. Segundo ele, há duas boas estratégias para alcançar este objetivo. Uma delas é por meio das atividades realizadas no ambiente escolar. Outra é aproveitar os vários outros espaços, como institutos que atuam com Ciência, museus, parques, entre outros.

 

Em ambos os casos, ele argumenta que é fundamental usar um trunfo: a curiosidade natural que o público infantil possui. Com os adolescentes e jovens, por sua vez, o trabalho deve ir além de instigar a curiosidade do aluno e mostrar que a Ciência é uma aventura sem fim. “É importante mostrar como os astrônomos, os arqueólogos, os paleontólogos, os antropólogos, os físicos, realizam um trabalho de detetive para buscar as explicações para os fenômenos, para os fatos da natureza e da sociedade”, salientou Alberto Passos Guimarães.

 

Avançar na educação científica no Brasil depende de resolver outros problemas ainda mais crônicos. Entre estes desafios, está o de melhorar a qualidade do ensino, na educação básica, em disciplinas que servem de base para quem deseja seguir carreira científica, como Química, Física e Matemática. Segundo o diretor-adjunto do Instituto Ciência Hoje, para avançar no trabalho com estas matérias, é essencial, entre outras ações, melhorar a qualificação dos professores e dotar as escolas de infraestrutura mais apropriada, com a criação de laboratórios e instalação de bibliotecas, por exemplo.

 

Nesta entrevista, Alberto Passos Guimarães também destaca o papel que os laboratórios têm para o ensino de Ciências, explica de que forma os professores podem fazer um bom trabalho mesmo sem ter estes espaços, comenta sobre a falta crônica de professores nas disciplinas da mais ligadas ao trabalho com as Ciências e ressalta a contribuição trazida por programas de iniciação científica.

 

Folha dirigida – Que ações poderiam ser colocadas em prática para despertar o gosto pela ciência entre as crianças?

Alberto Passos Guimarães – Podemos considerar dois tipos de ações: aquelas realizadas dentro da escola, isto é, as que fazem parte do ensino formal, e as ações desenvolvidas em outros espaços. Num e noutro caso, para despertar o gosto pela ciência, é necessário fazer uso de um trunfo extraordinário, que é a natural curiosidade das crianças. Essa curiosidade, no entanto, não será aproveitada se as atividades com as quais as crianças tiverem contato forem apresentadas de maneira burocrática e desinteressante.

 

E em relação ao público jovem: como despertar este interesse?

Guimarães – O mesmo se aplica ao público jovem, a forma de apresentar a ciência deve não apenas fazer uso da curiosidade dos estudantes, mas buscar mostrar a ciência como uma aventura instigante e sem fim. Mostrar como os astrônomos, os arqueólogos, os paleontólogos, os antropólogos, os físicos, realizam um trabalho de detetive para buscar as explicações para os fenômenos, para os fatos da natureza e da sociedade. Mostrar que o conhecimento que esses pesquisadores conseguem registrar em seus trabalhos é, apesar de precioso, provisório e sujeito a contínuas revisões e contestações: a ciência é uma construção que nunca é concluída.

 

Por que, em geral, os estudantes têm mais dificuldades com as matérias relacionadas, de alguma forma, à ciência, como as disciplinas de física, química e matemática?

Guimarães – Esta constatação baseia-se na realidade do Brasil. Não é necessariamente uma situação vivida em todos os países. Na minha opinião, as causas não devem ser buscadas nas qualidades intrínsecas destas disciplinas, mas sim na realidade do treinamento dos seus professores, na qualidade (ou na existência) dos laboratórios, das instalações, das bibliotecas, etc.

 

Boa parte das escolas brasileiras não tem laboratórios de ciências. De que forma isto prejudica o trabalho nas instituições de ensino?

Guimarães – É muito difícil fazer os alunos compartilharem os prazeres da observação e da experimentação, momentos fundamentais na atividade da ciência, sem contar com um laboratório no qual possam ver e sentir os fenômenos, sejam eles físicos, químicos ou da esfera da Biologia, por exemplo. O laboratório permite de maneira imediata a percepção do aspecto lúdico da atividade cientifica. Ao observar os fenômenos, ou ao medir propriedades quantitativas, por exemplo, os estudantes passam a compreender que ciência não é apenas aquilo que está nos livros, já pronto, mas sim é uma atividade que se constrói com a observação e a experimentação.

 

O professor pode trabalhar as ciências de forma interessante, mesmo sem laboratórios específicos? Como?

Guimarães – Os professores de ciência devem sempre estimular as crianças a observar o mundo com os olhos da indagação científica. Os professores podem levar as crianças aos museus, fazer passeios em parques nos quais se pode observar a natureza, e finalmente, podem empregar materiais como livros, vídeos e revistas que sejam mais instigantes e estimulantes. Havendo possibilidade de acesso à internet, os estudantes podem ver imagens, vídeos, fazer simulações, etc.

 

Como o senhor avalia a formação dos professores que atuam no ensino de ciências no Brasil?

Guimarães – Não saberia fazer um juízo abrangente da formação de professores no Brasil, mas sei que essa formação tem muitos problemas. Existe consenso de que a profissão de professor não tem o prestígio que deveria ter, o que se mede, entre outras coisas, pelos salários recebidos por este profissional. Um dos elementos do problema é que os melhores estudantes no Brasil não desejam ser professores, o que é o oposto do que acontece nos países nos quais o desempenho dos estudantes em ciência é o mais elevado.

 

Disciplinas como física, matemática e química, ou seja, as que estão relacionadas à área de ciências, são justamente aquelas em que há maior falta de profissionais no mercado. De que forma isso prejudica o ensino de ciências nas escolas?

Guimarães – O personagem central no ensino é o professor: se ele não tem motivação, instrumentos e qualificação permanente, o ensino não poderá atingir um patamar de qualidade com o qual todos anseiam. As deficiências aqui atingem principalmente os professores de Ciências.

 

Programas de iniciação científica, com concessão de bolsas de estudo ou outros incentivos para os estudantes, ajudariam a incentivar mais o envolvimento de alunos com a ciência?

Guimarães – Os programas de iniciação científica são muito importantes para estimular os estudantes de nível superior a se interessar pelas ciências, mas não resolvem o problema que aflige os níveis anteriores da escola.

 

E no ensino superior: a iniciação científica já está consolidada ou seu alcance ainda é muito restrito?

Guimarães – A iniciação científica já desempenha um papel muito importante no sistema universitário brasileiro e é um grande êxito, pois estimula os estudantes a se dedicar às disciplinas cientificas, e principalmente permite a eles participar e contribuir nos projetos de pesquisa, portanto conhecendo a ciência em construção nos grupos de pesquisa do País. O CNPq atualmente tem cerca de trinta mil estudantes de iniciação científica.

 

O Instituto Ciência Hoje comemora 30 anos. Pode nos falar um pouco sobre os trabalhos desenvolvidos por ele?

Guimarães – O Instituto Ciência Hoje é o órgão da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) dedicado à divulgação científica e à educação científica. As principais publicações do Instituto Ciência Hoje são duas revistas de divulgação científica – a revista Ciência Hoje, revista pioneira no Brasil, criada há trinta anos, e a revista Ciência Hoje das Crianças.

 

Quais os objetivos destas publicações? Há outras formas de divulgação colocadas em prática pelo Instituto?

Guimarães – Em ambas as publicações busca-se fazer com que o cientista, o pesquisador brasileiro, dirija-se diretamente ao seu leitor, adulto ou criança. Outra marca dessas duas publicações é que elas retratam as atividades científicas tanto nas Ciências ditas Exatas, como nas Ciências Humanas e Sociais. O Instituto Ciência Hoje atua também na internet, com um portal específico, que divulga noticiário cientifico atualizado diariamente, e através do qual podem ser consultadas as suas publicações.

 

O Instituto Ciência Hoje tem alguma ação voltada para o fomento à educação científica?

Guimarães – O Instituto está envolvido ainda com a atividade de educação científica, através do Programa Ciência Hoje de Educação Científica (PCHAE). O Programa atua em vários municípios brasileiros, treinando e motivando professores de Ciências para o emprego de métodos mais atraentes de ensino, baseados no uso da publicação Ciência Hoje das Crianças.

 

Pode nos dar algumas informações sobre o alcance deste programa? Quantos estudantes já foram atendidos pelo projeto, por exemplo?

Guimarães – Já passaram por esse programa mais de 400 mil estudantes. O Programa Ciência Hoje de Educação Científica recebeu, em 2012, das mãos da presidente Dilma Rousseff, o prêmio dos Objetivos do Milênio, concedido a 20 iniciativas – de um total de mais de 1.600 candidaturas apresentadas – pela sua relevante contribuição para a educação científica no Brasil. (Folha Dirigida – Caderno de Educação – 28/6)