1 – Rio+20: Ignacy Sachs defende a criação de redes de cooperação pautadas por biomas
2 – Rio+20: Propostas brasileiras ignoram povos indígenas, dizem lideranças
1 – Rio+20: Ignacy Sachs defende a criação de redes de cooperação pautadas por biomas
O autointitulado ecossocioeconomista gostaria que houvesse mais cooperações Sul-Sul.
Um dos criadores do termo ecodesenvolvimento (que originou o conceito de desenvolvimento sustentável), Ignacy Sachs acredita que os países em desenvolvimento deveriam cooperar mais no campo científico. “Vocês [brasileiros] têm cacife político e científico para armar redes pautadas por biomas”, declarou o economista de origem polonesa, que viveu 14 anos no Brasil, e apresentou a conferência ‘O início de uma nova era: o Antropoceno’ nesta segunda-feira (18), no Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia (COPPE), da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A conferência foi parte dos eventos preparatórios para a Rio+20.
Ele sugere que países com experiências semelhantes – como os detentores de florestas tropicais – troquem expertise, incentivando o intercâmbio de pesquisadores. Sachs lembra que, em geral, cientistas dos países em desenvolvimento preferem estudar em países desenvolvidos, que têm mais tradição em pesquisa. “Claro que o peso da C&T americana, europeia e japonesa era quase que total, mas reduziu sua parte relativa. Temos que considerar que o fortalecimento do potencial científico e tecnológico dos países emergentes é uma tarefa importante para o futuro”, opina.
Sachs compara o potencial dos países emergentes com “a imagem de abre-alas do carnaval”. “Acho que Brasil e Índia são os abre-alas do bloco dos emergentes”, avalia. Sachs passou uma parte da vida vivendo na Índia e vê diversas relações entre os dos países. “Ambos têm cacife de mobilizar os outros e ambos têm laços importantes com vários países africanos”, acrescenta.
“Não estou pregando revolta do Sul contra o Norte, nem a exclusão do Norte. Estou tentando convencer [os países em desenvolvimento] de que tenham mais autoconfiança. E estabelecer redes de cooperação científicas e tecnológicas pautadas nas geografias dos biomas e não por meridianos”, sentencia.
Fundo – Durante a palestra, Sachs defendeu a ideia de criar um fundo que destinasse um percentual do PIB dos países ricos com o objetivo de promover o desenvolvimento sustentável. Quando perguntado sobre a retirada da proposta do rascunho do documento da Rio+20 de se criar um fundo similar, Sachs respondeu que “em uma decisão internacional há sempre coisas que devem ser retiradas para manter outras”.
“As Nações Unidas representam, por um lado, um potencial de recursos financeiros e, por outro, uma grande mobilizadora de recursos intelectuais, técnicos e científicos. Uma terceira função seria compatibilizar as aspirações dos diferentes países membros e contribuir para que se organizem com sinergias positivas no lugar de embates”, opina o também professor titular da Escola de Estudos Avançados em Ciências Sociais de Paris.
Sachs diz que, mais que levantar uma “bandeira verde”, ele prefere levantar uma “verde e vermelha”, como “uma bandeira de Portugal”. “O vermelho representa os objetivos sociais”, explica.
“Temos que aprender a caminhar apoiados em três pés: objetivos sociais, condicionalidade ambiental e viabilidade econômica. Enquanto não transformarmos as propostas em economicamente viáveis, fica conversa de boca para fora”, conta, acrescentando que “todo custo ambiental acaba sendo também social”.
Sachs trabalhou na organização da Primeira Conferência de Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU, realizada em Estocolmo, Suécia, em 1972, durante a qual foi criado o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Nessa época, a partir de uma proposta do secretário da Conferência, Maurice Strong, Ignacy Sachs formulou o conceito de ecodesenvolvimento que, anos depois, daria origem à expressão desenvolvimento sustentável. Sachs foi também conselheiro especial da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992.
Energia e crise – O economista também declarou que apesar de a humanidade não estar “condenada às energias fósseis”, seria uma “lástima” o Brasil não aproveitar “a curto prazo” recursos como o petróleo do pré-sal. “Porém, o primeiro indício de progresso é a energia que deixamos de consumir porque aprendemos a usá-la de maneira mais eficiente”, completa.
Sobre a crise europeia, Sachs acredita que “é mais uma razão para que os países emergentes pensem em estreitar suas relações mútuas, passando a depender menos da passagem de tecnologia de países desenvolvidos” e alertou que o mercado “tem vista curta e pele grossa” por não se preocupar com os elementos sociais.
“Se formos mais ou menos razoáveis e eficientes, o problema financeiro não será o gargalo de estrangulamento. O gargalo será na falta de propostas claras para a cooperação científica e técnica e projetos comuns que se pautem e sejam capazes de propor um uso sustentável dos recursos renováveis dos diferentes biomas do planeta. Temos um enorme trabalho pela frente porque temos que reorganizar a geografia das cooperações”, conclui. (Clarissa Vasconcellos – Jornal da Ciência)
2 – Rio+20: Propostas brasileiras ignoram povos indígenas, dizem lideranças
Indígenas apontam falhas nas propostas finais do Brasil apresentadas hoje (20) às delegações da Rio+20, no Riocentro, por não incluírem a visão dos povos indígenas, protagonistas na preservação e conservação da biodiversidade.
Reunidas na Cúpula dos Povos, as lideranças indígenas defendem uma governança ambiental que assegure, entre outros, o direito de incluir a demarcação de terras indígenas como uma política pública de conservação dos ambientes naturais e o financiamento para o desenvolvimento sustentável, segundo Fernanda Kaingang, dirigente do Instituto Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual (Inbrapi).
“Não aceitamos que o documento final de negociação da Rio+20 não contemple a participação plena e efetiva dos povos indígenas na governança, na gestão de biodiversidade e no desenvolvimento de mecanismos financeiros para implementar medidas concretas. Isso pode comprometer seriamente os resultados da Conferência e a herança que a Rio+20 deixará para o mundo e para os povos indígenas”, declarou ela, ao Jornal da Ciência.
Da forma como se apresentam as negociações do Brasil sobre a proteção e uso sustentável da biodiversidade, Fernanda teme que os resultados da Rio+20 não sejam satisfatórios como foram na Eco-92.
Preocupações – Ex-coordenador regional da Fundação Nacional do Índio (Funai) no município de Colíder, no norte do Mato Grosso, o indígena Megaron Txucarramãe, 67 anos, disse que nas propostas dos povos indígenas foram incluídas também as preocupações com o desmatamento próximo aos rios da Amazônia, que segundo ele, está acabando com as florestas; a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte e o fortalecimento da Funai.
Líder de Caipós, nome dado a uma série de tribos que vivem na bacia do Xingu, Txucarramãe lamenta o fato de o governo federal não ter convidado os indígenas para participarem das negociações para o texto final da Rio+20. “O governo faz a parte dele, mas ele não convidou, até agora, as lideranças indígenas para participarem das discussões sobre o meio ambiente e sobre ‘esse progresso que ele chama de progresso’. O que está ocorrendo com as florestas é impressionante. Antes era tudo verde e agora é tudo capim”.
Segundo a diretora do Inbrapi, as terras dos indígenas, que representam hoje 15% do território nacional, são as mais conservadas do País. “É possível falar, por mapas de satélites, que se alguém pode falar de desenvolvimento sustentável e de conservação de florestas em pé esse alguém somos nós”, complementou.
Em uma tentativa de reverter a situação, ela disse que os indígenas vão tentar aproveitar a visibilidade que a Rio+20 propicia, tanto na Cúpula dos Povos quanto no Riocentro, para viabilizar as demandas do povo indígena. “Estamos preocupados com a falta de financiamentos para políticas e medidas concretas para gestão, governanças, apoio e fomento à cultura e estilos devidamente relevantes; e para alternativas de produção de energia limpa que não afoguem as nossas culturas e que não condenem as nossas terras”, declarou.
PEC 215 – Fernanda cita também a preocupação com a Proposta de Emenda Constitucional nº 215 (PEC 215) que transfere do Governo Federal a responsabilidade para o Congresso Nacional de demarcar as terras indígenas. “A PEC 215 é um retrocesso. Nos últimos anos notamos a legislação ambiental regredir e os direitos territoriais serem revogados. Além disso, observamos que as nossas terras podem ser revisadas para servirem a agroindústria, que não vai produzir comida. Ao contrário, vai produzir insumos para alimentar um desenvolvimento que não se preocupa com a sustentabilidade, visa apenas o lucro”, disse. (Viviane Monteiro – Jornal da Ciência)