1 – O peso da biodiversidade
2 – Geneticistas e biólogos não querem polemizar a respeito do criacionismo
1 – O peso da biodiversidade
Estudo sugere que a redução da variedade de espécies causa impactos tão graves ao meio ambiente quanto a poluição e as mudanças climáticas.
No topo da lista de problemas ambientais mais urgentes, constam questões como as mudanças climáticas, o buraco na camada de ozônio e a poluição ambiental, devido aos efeitos que esses fenômenos podem causar no planeta. A perda da biodiversidade é, em geral, deixada em segundo plano, vista mais como um reflexo das agressões do que como uma causa de mais problemas. Uma pesquisa divulgada na edição de hoje da revista científica Nature, contudo, alerta que, na natureza, diversidade significa quantidade e qualidade. De acordo com o grupo de várias universidades dos Estados Unidos envolvidas na análise, a diminuição da variedade de espécies animais e vegetais é tão nociva à produtividade dos ecossistemas quanto a poluição e as alterações no clima.
Para mensurar os efeitos da redução da biodiversidade no ambiente, os pesquisadores analisaram dados de 192 estudos anteriores sobre todas as regiões do mundo, incluindo oceanos e ecossistemas de água doce. O resultado da análise mostra que, em áreas onde ocorre a perda de 21% a 40% da variedade de espécies – seja por desmatamento, caça ou pesca predatórias, por exemplo – há redução na produtividade semelhante à sentida por causa das mudanças climáticas ou pela poluição ambiental. E diminuições mais altas, entre 41% e 60%, são tão nocivas quanto a acidificação ou a elevação intensa na produção de dióxido de carbono (CO2).
O pesquisador norte-americano Bruce Hungate, da Universidade do Norte do Arizona, explica que, além de um efeito direto, relacionado à perda de espécies, a queda da biodiversidade gera um enfraquecimento de todo o ecossistema. “Extinções definitivas. É triste perder definitivamente a diversidade biológica. Nosso novo trabalho mostra que esses efeitos são tão grandes quanto outras formas de mudança global”, conta o cientista. “Quando o ambiente perde a metade das espécies vegetais em uma área, o crescimento da planta é afetado como se ela tivesse sido banhada em chuva ácida”, alerta.
A gama de dados analisados permitiu aos pesquisadores constatarem que nenhuma região está a salvo. “Pode até haver ecossistemas que são mais ou menos sensíveis, mas em todos onde há dados disponíveis existe um padrão geral de que a perda de espécies tem impactos grandes”, explica Hungate. “Encontramos efeitos bastante consistentes de perda de diversidade em água doce, terrestres e dos ecossistemas marinhos no conjunto de estudos que avaliamos. Em média, há perdas de aproximadamente 13% na produtividade com uma redução de 50% da diversidade. Muitos de nós ficamos surpresos com a força dos efeitos em relação às outras alterações ambientais que avaliamos”, afirma David Hooper, pesquisador da Universidade de Washington Ocidental e líder do estudo divulgado na Nature.
Embora os pesquisadores já soubessem que a perda de diversidade reduz a produtividade dos ecossistemas, esse foi o primeiro grande estudo a mensurar esse prejuízo. “Nós já sabíamos há muito tempo que a biodiversidade afeta a produtividade e a sustentabilidade dos ecossistemas”, explica Bradley Cardinale, especialista da Universidade de Michigan. “Já sabíamos que a perda de diversidade pode comprometer os bens e serviços que os ecossistemas prestam, como alimentos, água potável e um clima estável. Mas não sabíamos como a perda de diversidade é importante comparada aos outros problemas ambientais que enfrentamos. Bem, agora sabemos que está entre os cinco maiores problemas ambientais globais.”
Ameaças – Vista normalmente como uma consequência de outros problemas ambientais, a queda da variedade de espécies, segundo os pesquisadores, passa a ter um papel de protagonista do processo. “Onde eu moro, perto do Puget Sound, no estado de Washington [Estados Unidos], temos aproximadamente 25 espécies ameaçadas de extinção, desde flores pequenas ao rei salmão e a baleias orca”, relata David Hooper. “Embora algumas dessas espécies possam desaparecer para sempre com apenas um sussurro, outras são muito importantes, economicamente e culturalmente. Sua extinção representaria uma grande perda de renda para pessoas que dependem, por exemplo, da pesca e do turismo”, completa.
O líder do estudo afirma ainda que os efeitos da redução da diversidade ameaçam direta a humanidade. “Se pensarmos sobre a biodiversidade de forma mais ampla, a perda de componentes da paisagem-chave pode botar em risco as pessoas”, opina. “Por exemplo, perda de matas ciliares pode pôr em perigo vidas humanas, por meio da perda de controle de inundações, e a sustentabilidade social, afetando a proteção de fontes de água fresca”, enumera Hooper.
A visão mais ampla, de que as questões ambientais têm impactos tanto no ambiente quanto diretamente no desenvolvimento social, como descrevem os pesquisadores, será o tema principal da Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, que ocorre entre 13 e 22 de junho no Rio de Janeiro. Apesar de avanços recentes, biodiversidade ainda é um dos temas mais problemáticos, que devem despertar maior debate durante o evento. “Temos que nos dar conta de que estamos observando uma perda da biodiversidade sem precedentes nos últimos 65 milhões de anos. Claramente estamos entrando na sexta extinção em massa [do planeta]”, disse Bob Watson, ex-chefe do painel climático da ONU e principal assessor do ministério britânico de Meio Ambiente.
Serviços ecológicos – Em ecologia, produtividade refere-se à taxa de geração de biomassa em um ecossistema. É geralmente expressa em unidades de massa por unidade de superfície de tempo, por exemplo: gramas por metro quadrado por dia. Quanto mais biomassa, maior a capacidade do bioma em se manter e prover serviços ecológicos, como fornecer água e alimento.
Acordo – Em outubro de 2010, cerca de 200 países assinaram em Nagoia, no Japão, durante a COP-10 da Biodiversidade, um acordo vinculante (com obrigação de cumprimento entre as partes) para frear a perda de biodiversidade e promover sua recuperação. No documento, que tem validade de 10 anos, os países se comprometem a criar áreas de proteção permanente que abriguem pelo menos 17% das florestas do mundo e 10% dos ecossistemas marinhos.
Além disso, os signatários terão que pelo menos à metade o desmatamento – em áreas estratégicas, essa obrigação pula para 100% -, além de combater a pesca e a caça predatórias. O acordo prevê ainda que os países que utilizarem produtos típicos da biodiversidade de outra nação precisarão pagar uma espécie de royalty à nação de origem da espécie. O mecanismo era uma das reivindicações históricas do Brasil. Outro ponto defendido pelo governo brasileiro, a obrigação dos países ricos de ajudarem os mais pobres a protegerem seu patrimônio ambiental não foi contemplada pelo documento. Hoje, os financiamentos são voluntários e não obrigatórios. (Correio Braziliense)
2 – Geneticistas e biólogos não querem polemizar a respeito do criacionismo
Acadêmicos reforçam preocupação com o aumento de informações sobre o criacionismo e o chamado design inteligente.
Primeiramente veio a notícia de que a Academia Brasileira de Ciências (ABC) publicou, em março, uma carta repudiando a divulgação de conceitos criacionistas. Agora, um grupo de cientistas está propondo à Universidade de São Paulo (USP) a criação de um Núcleo de Apoio à Pesquisa (NAP) sobre Educação, Divulgação e Epistemologia da Evolução Biológica, que ajudaria a preservar a biologia de questionamentos que, de acordo com eles, não são feitos com base em argumentos científicos, e sim pressupostos religiosos.
A discussão não é novidade. Em 2005, a Sociedade Brasileira de Genética já havia se manifestado formalmente contra o criacionismo. De lá para cá, o assunto voltou à tona algumas vezes, de modo que há dois meses militantes da genética no Brasil, membros da ABC, decidiram expor oficialmente o sentimento de afronta pela “divulgação de conceitos sem fundamentação científica por pesquisadores de reconhecido saber em outras áreas da Ciência”.
O pesquisador de saber reconhecido em questão é Marcos Eberlin, bioquímico da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e membro da ABC. Com um currículo respeitável em sua área, a espectometria da massa, Eberlin é notório defensor da Teoria do Design Inteligente (TDI). “Quando venho para a Unicamp deixo minha filosofia em casa. Não somos o bispo Macedo nem o [ex-presidente dos EUA, George W.] Bush”, afirma Eberliner. Ele dissocia o chamado DI do criacionismo, afirmando que o primeiro não parte de nenhum pressuposto ideológico ou filosófico, enquanto o segundo parte da ideia de que existe um deus e que a ciência deve buscar evidências dele.
“Acharam esse nome bonito de design inteligente, mas no fundo é o criacionismo e são pessoas com criticas que procuram fazer contraposição a Darwin. Se apresentam como ciência para tenta discutir”, opina o biólogo e biologista molecular Samuel Goldenberg, um dos articuladores da carta da ABC.
Discussão “estéril” – De acordo com Goldenberg, a possibilidade de debate científico nem é considerada. “Não estamos nem contrapondo nenhuma ideia contra criacionismo, não vamos entrar nesse tipo de discussão, porque é estéril. Nossa preocupação foi o envolvimento da ABC, porque ela tem um peso muito grande. São acadêmicos de outra área, é como se eu dissesse agora que a Teoria da Relatividade está errada, sem entender nada de física”, argumenta.
“Ele fala da Academia no site dele e parece indicar, embora não fique explícito, que a ABC estaria apoiando o criacionismo”, reforça o geneticista Francisco Salzano, pesquisador e professor da UFRGS e também acadêmico. “Não há intenção de entrar em polêmica com ele porque isso poderia até ser contraproducente, mas achamos que não se poderia deixar em branco. Essa foi a razão de fazer uma manifestação bem geral sobre o assunto”, esclarece.
“Quando defendo a TDI meus argumentos são científicos, acadêmicos e racionais, não misturam teologia nem filosofia. O grande problema é que a questão tem implicações teológicas e filosóficas fortíssimas”, pondera Eberlin, acrescentando que os cientistas têm “uma obrigação, que não é nem opção, de questionar e debater teorias. E o evolucionismo é uma delas”. Em suas palestras (uma delas já teve mais de 100 mil downloads na internet), o químico, que é evangélico e afirma conhecer “um pouco” das ciências biológicas, assegura que, do ponto de vista molecular, seria impossível evoluir como no darwinismo.
Preocupação – Para o design inteligente, a vida não se desenvolveu no planeta de forma natural, mas teria sido projetada por uma “mente” criadora, que poderia ou não ser o deus criacionista. A grande maioria dos cientistas acha que o nome design inteligente foi apenas uma manobra conceitual para continuar pregando o mesmo. A ideia do DI abarca diversos pensamentos (inclusive com defensores do darwinismo) e participantes de diferentes religiões (“e até ateus”, assegura Eberlin). “Minha única regra é seguir o que os dados me dizem”, pontua.
Goldenberg conta que a preocupação também gira em torno do fato de que um país como o Brasil, “que deveria ser laico, onde existe uma profusão de religiões e seitas e onde existe uma massa importante com pouca cultura”, seria propício para que acontecesse algo parecido ao que se propôs nos Estados Unidos, “onde a cada aula de genética dada seria necessário dar uma de criacionismo também”. “Não adianta, não são coisas que se podem contrapor, um é seita, religião, e o outro é ciência”, sentencia.
O químico reclama do “rótulo” de religião e de ser chamado de “obscurantista e medieval” e acusa os cientistas de usarem “a força de um paradigma e o establishment acadêmico”. “Darwin hoje jamais defenderia sua teoria, tenho certeza absoluta disso”, assegura Eberlin, em uma declaração que arrepiaria geneticistas. (Clarissa Vasconcellos – Jornal da Ciência)