1 – Melhor saída ao Código Florestal
2 – Monitorar os oceanos é urgente
1 – Melhor saída ao Código Florestal
José Eli da Veiga é professor dos programas de pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI/USP) e do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ). Artigo publicado no Valor Econômico de hoje (20).
Com o imprescindível rearranjo da base parlamentar do governo, não há como prever quando e como será revogado o quase-cinquentão “Novo Código Florestal”. Se dependesse apenas de deputados favoráveis à especulação fundiária travestida de pecuária de corte extensiva, com certeza isso não passaria desta semana. Eles contariam com os votos dos inocentes úteis que sempre são solidários à agricultura, de muitos outros barganhados com mercadores fariseus dos templos evangélicos, além dos rotineiramente fisgáveis no imenso pântano de oportunistas que pouco se lixam para as consequências econômicas, institucionais e ecológicas de tão grave decisão.
Tamanha tragédia certamente seria evitada se, ao contrário, o desfecho dependesse exclusivamente da primeira presidente do Brasil, eleita com 55.752.529 votos (12 milhões a mais que o adversário) e há muito convicta de que “a vida quer é coragem”, como conta o excelente livro do jornalista Ricardo Batista Amaral (Sextante, 2011). Que ninguém se iluda: a presidente fará tudo o que estiver ao seu alcance para impedir ou minimizar retrocessos, como afirma com meridiana clareza sua firme resposta à carta aberta que a ex-senadora Marina Silva submeteu aos candidatos do segundo turno.
A grande ironia, contudo, é que a lei que revogará o Código não escapará de convalidar boa parte dos estragos já perpetrados aos santuários de prudência econômico-ecológica que deveriam ter sido todas as “Áreas de Preservação Permanente” (APPs). Também não poderá deixar de anistiar agricultores que tenham agido de boa fé.
O problema é que tais fatalidades não devem servir de pretexto para que especuladores imobiliários rurais sejam os principais beneficiários da atualização do Código. Então, se a racionalidade econômica tiver alguma chance de ser levada em conta, a melhor saída será uma iniciativa presidencial de garantir (por decretos ou MP) a mais clara, imediata e integral segurança jurídica aos verdadeiros estabelecimentos agrícolas que só tenham desrespeitado o Código antes de 1999, mas sem extensão para imóveis rurais de caráter especulativo. Estes é que querem ver perdoados os desmatamentos sem licença posteriores à Lei de Crimes Ambientais, que efetivou as disposições pertinentes da Constituição de 1988.
Uma vez separado o joio do trigo, certamente ficará bem menos contenciosa a obtenção de razoáveis ajustes sobre ao menos três dos principais retrocessos que foram oportunisticamente inseridos no substitutivo do Senado: 1) capim em APP como simulacro de atividade pecuária, 2) tamanho de imóvel rural no lugar de categoria de estabelecimento agrícola, e 3) inéditos incentivos à destruição de manguezais.
Dos 55 milhões de hectares roubados às APP, nada menos de 44 milhões estão cobertos de imaginárias pastagens. É inaceitável que crime tão hediondo venha a ser “consolidado”. Outros 56 milhões de hectares constituem o hiato entre a área ocupada por imóveis rurais de até quatro módulos fiscais e a área dos estabelecimentos agrícolas familiares. Só minúscula parte desse hiato é de agricultura patronal de médio porte. E dos 1,3 milhão de hectares de manguezais que se estendem por 16 estados, entre Amapá e Santa Catarina, ao menos 200 mil hectares seriam detonados por salinas e criações de camarão.
Em vez de tomar consciência desses três graves atentados ao patrimônio socioambiental do Brasil, muita gente honesta andou sendo persuadida de que o substitutivo do Senado seria o menor dos males. Principalmente por influência da duvidosa aritmética do colega João de Deus Medeiros, professor do departamento de botânica da UFSC, que foi diretor do departamento de florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA) enquanto tramitou a chamada “reforma” do Código Florestal.
Nessa claudicante avaliação, o substitutivo do Senado levaria à recomposição florestal de 33 milhões de hectares: 18 milhões em reservas legais (RL) de imóveis com áreas superiores a quatro módulos fiscais, quase 13 milhões em APP de margens de cursos d”água (ripárias), e quase dois milhões em APP de topos de morros. Assim, em 20 anos seria parcialmente honrado o compromisso da presidente de impedir reduções de APP e RL, mesmo que com amplo indulto aos criminosos desmatamentos dos últimos 15 anos.
Essa conta nem consegue dourar a pílula, pois é de 83 milhões de hectares a área que não está em conformidade com o Código Florestal. É o que demonstram os estudos coordenados pelo colega Gerd Sparovek, da Esalq/USP. Então, mesmo que fosse admitida a saída de Poliana proposta pelo ex-diretor de florestas do MMA, a promulgação do substitutivo do Senado significaria escandalosa entrega de 50 milhões de hectares à devastação. Pior, sem significativa vantagem real a milhões de abnegados produtores agrícolas, pois o grosso dessa área está simplesmente travestido de pastagem para fazer com que tais domínios passem por estabelecimentos de pecuária de corte extensiva.
Em suma: a melhor saída é atender o clamor dos agricultores por segurança jurídica, para depois tratar a pão e água os especuladores.
2 – Monitorar os oceanos é urgente
Especialista brasileiro adverte sobre falta de oxigênio nos oceanos e espera que a Rio+20 apoie implementação de rede global de observação.
José Henrique Muelbert é coordenador do painel para a implementação do Sistema Global de Observação dos Oceanos (Goos, na sigla em inglês), uma rede mundial de monitoramento de oceanos apoiada por vários organismos internacionais. Ele afirma que o mundo precisa urgentemente monitorar parâmetros como a temperatura e a quantidade de nutrientes e oxigênio dos mares, para dar respostas e prestar serviços à sociedade. “Monitorar a temperatura dos oceanos, por exemplo, ajuda na previsão de ciclones e eventos extremos. Não é diletantismo científico”, brinca.
Na entrevista abaixo, Muelbert fala sobre acidificação, pesca predatória e monitoramento dos oceanos.
A acidificação parece ser a bola da vez na discussão sobre oceanos. Por quê?
A acidificação está ocorrendo em resposta ao aumento da pressão de gás carbônico na atmosfera. Ele acaba sendo incorporado aos oceanos e vai alterar o balanço dos carbonatos dentro do sistema aquático. Isso deixa o pH mais ácido e atua diretamente sobre os organismos que têm carbonato de cálcio em sua formação.
Temos estudos em série sobre isso? Temos ideia do tempo que esse fenômeno vai demorar para fazer efeito sobre estes organismos?
Existem estudos de laboratório mostrando o efeito da descalcificação nos organismos. Agora, projetar esses estudos para o ambiente é complicado, porque estudamos um organismo que já cresceu, que já viveu. Seria preciso acompanhar esse organismo no ciclo de vida dele. Isso significa observar uma ostra, por exemplo, por cinco, seis anos…. Então, fazer esse tipo de projeção é muito complicado. Temos de conhecer bem os limites de tolerância das espécies. Há algumas que toleram maior amplitude de variação de pH, enquanto outras são mais sensíveis e afetados por pequenas modificações. Outra coisa que não conhecemos bem é a taxa com que essa modificação está ocorrendo. Há uma série medida no Havaí, por dez anos, que uma ideia, mas não sabemos se isso acontece em todos os oceanos, ou se é relativo apenas àquele ecossistema. Por isso, na Rio+20, uma das coisas que está sendo articulada é um sistema global de observação dos oceanos.
Esse sistema teria de ser do mesmo naipe do monitoramento atmosférico?
Precisamos urgentemente observar vários parâmetros. Saber, por exemplo, como os nutrientes estão mudando ao longo dos oceanos. Existe maior produção e transporte de nitrogenados, de fosfatados nas zonas costeiras, que estão afetando as águas, criando mais zonas mortas; precisamos monitorar o oxigênio relacionado com essas zonas mortas e a transmissão da luz dentro da colônia trófica, pois a luz é fundamental para o desenvolvimento do fitoplâncton – a pastagem dos oceanos. São variáveis simples que precisam ser monitoradas a longo prazo para começarmos a dar algumas respostas para a sociedade.
O que são as zonas mortas? Elas vêm aumentando?
Quando se constrói uma cidade na beira da praia, onde não havia população, você começa a produzir dejetos, muitas vezes jogados diretamente nas águas, in natura, sem tratamento. Eles vão acabar consumindo o oxigênio que está na água para decomposição da matéria orgânica. Isso cria áreas com pouco oxigênio, que chamamos de zonas mortas. Um estudo publicado há cerca de dois anos mostra que elas vêm aumentando porque os oceanos, principalmente as regiões costeiras, estão cada vez mais sujeitas às ações do homem. Um outro aspecto é que há um aumento cada vez maior de áreas de agricultura que utilizam fertilizantes inorgânicos. Eles são levados para os rios quando chove, e daí para os oceanos, onde há plantinhas que, ao crescer, vão consumir oxigênio, e ao morrer vão acumular matéria orgânica no fundo do mar. Essa matéria orgânica também vai utilizar oxigênio para ser degradada. Vai haver um aumento dessas zonas mortas, de condições de baixo oxigênio.
Nos últimos anos, houve evolução no monitoramento de alguns dos parâmetros oceânicos citados por você?
Sim, em regiões oceânicas abertas que se pode cobrir com satélite. Hoje em dia, a gente consegue monitorar por satélite a temperatura, a cor dos oceanos, e com isso ter uma ideia da produção biológica primária de plantas. A gente consegue monitorar a altura, a elevação da água, e com isso estimar correntes. E, ano passado, foi lançado um satélite que consegue indicar a salinidade, outro aspecto importante do sistema. Isso foi possível com o advento do sensoriamento remoto. Mas medições no local, de regiões costeiras, não temos. Não temos também uma cobertura muito grande para validar alguns desses dados de satélite e poder utilizar melhor essa informação.
Os pontos de monitoramento existentes (aqui e no Japão, por exemplo) usam a mesma linguagem e metodologia?
A ideia por trás do GOOS é justamente essa: que sejam medidas as mesmas variáveis, da mesma maneira, com a mesma técnica e a mesma precisão, para que se possa comparar.
Existe um mapeamento dos pontos de monitoramento ideais ao redor do mundo?
Isso vem sendo discutido. No Brasil, ano passado, o governo federal financiou Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia no mar. Foram formados quatro desses. Apesar de eles terem a proposição de fazer pesquisa científica, um dos grandes avanços que acho que vão trazer é essa preocupação de instalar sistemas de monitoramento. Estamos agora no momento de chegar a um acordo sobre os locais mais importantes para monitoramento a curto prazo, as regiões costeiras mais suscetíveis.
Quais são as variáveis levadas em conta para instalar um ponto de monitoramento?
Estive envolvido no documento final do GOOS. Temos a nítida preocupação com variáveis que causam impacto no ambiente e também em monitorar variáveis que tenham benefício final para a sociedade. Por exemplo: algas nocivas. Existe um grupo de algas que sob determinadas condições florescem rapidamente e liberam toxinas nas águas. Elas vão entrar no peixe que a gente consome, em áreas de maricultura. (O Estado de São Paulo – Caderno Planeta)