1 – Código Florestal como foi aprovado na Câmara poderá agravar mudanças climáticas, alertam cientistas do IPCC
2 – Impasse na floresta
3 – Anistia na Amazônia vai representar mais desmatamento
1 – Código Florestal como foi aprovado na Câmara poderá agravar mudanças climáticas, alertam cientistas do IPCC
De acordo com os pesquisadores, a versão do Código Florestal aprovada pela Câmara compromete as metas internacionais assumidas pelo País para diminuir emissão de gases de efeito estufa.
Quatro dos cientistas brasileiros que fazem parte do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), da Organização das Nações Unidas (ONU), alertaram para o possível agravamento sobre o clima com a entrada em vigência da atual versão do Código Florestal aprovada pela Câmara. Segundo eles, o aumento da pressão sobre as áreas de florestas comprometerá os compromissos internacionais firmados em 2009 pelo Brasil na Conferência de Copenhague, de diminuir em até 38,9% a emissão de gases de efeito estufa (GEE) e reduzir em 80% o desmatamento na Amazônia até 2020.
Os cientistas, que são ligados à Coordenação de Programas de Pós-Gradução de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe-UFRJ), falaram sobre o assunto durante um seminário que abordou as conclusões de um relatório do IPCC sobre energias renováveis, realizado na última quinta-feira (26).
Para a cientista Suzana Kanh, as posições internacionais assumidas pelo País serão prejudicadas, se o Senado não mudar o texto do código aprovado pela Câmara ou se a presidenta da República, Dilma Rousseff, não apresentar vetos. “O impacto do código é muito grande, na medida em que o Brasil tem a maior parte do compromisso de redução de emissão ligada à diminuição do desmatamento. Qualquer ação que fragilize esse combate vai dificultar bastante o cumprimento das metas brasileiras”, afirmou.
A cientista alertou que haverá mudanças climáticas imediatas no Brasil e na América do Sul com o aumento da derrubada de florestas para abrir espaço à agricultura e à pecuária, como vem ocorrendo no Cerrado e na Amazônia. “Com o desmatamento, há o aumento da liberação de carbono para a atmosfera, afetando o microclima, influindo sobre o regime de chuvas e provocando a erosão do solo, prejudicando diretamente a população”.
O cientista Roberto Schaeffer, professor de planejamento energético da Coppe, disse que a entrada em vigor do Código Florestal, como aprovado pelos deputados, poderá prejudicar o investimento que o País faz em torno dos biocombustíveis, principalmente a cana, como fontes de energia limpa. “Hoje os biocombustíveis são entendidos como uma das alternativas para lidar como mudanças climáticas. No momento em que o Brasil flexibiliza as regras e perdoa desmatadores, isso gera desconfiança sobre a maneira como o biocombustível é produzido no País e se ele pode reduzir as emissões [de GEE] como a gente sempre falou”, disse.
O geógrafo Marcos Freitas, que também faz parte do IPCC, considerou que o debate em torno do código deveria ser mais focado no melhor aproveitamento do solo, principalmente na revitalização das áreas degradadas. “O Brasil tem 700 mil quilômetros quadrados de terra que já foi desmatada na Amazônia, e pelo menos dois terços é degradada. Se o código se concentrasse nessa terra já seria um ganho, pois evitaria que se desmatasse o restante. A área de floresta em pé é a que preocupa mais. Pois a tendência, na Amazônia, é a expansão da pecuária com baixa rentabilidade”, afirmou.
Para ele, haverá impactos no clima da região e do País, se houver aumento na devastação da floresta decorrente do novo código. “Isso é preocupante, porque a maior emissão [de GEE] histórica do Brasil, em nível global, tem sido o uso do solo da Amazônia, que responde por cerca de 80% de nossas emissões. Nas últimas conferências [climáticas], nós saímos bem na foto, apresentando cenários favoráveis à redução no desmatamento na região. Agora há uma preocupação de que a gente volte a níveis superiores a 10 mil quilômetros quadrados por ano”.
A possibilidade de um retrocesso ambiental, se mantida a decisão da Câmara sobre o código, também foi apontada pelo engenheiro Segen Estefen, especialista em impactos sobre os oceanos. “Foi decepcionante o comportamento do Congresso, uma anistia para quem desmatou. E isso é impunidade. Uma péssima sinalização dos deputados sobre a seriedade na preservação ambiental. Preponderou a visão daqueles que têm interesse no desmatamento. Isso sempre é muito ruim para a imagem do Brasil”, disse.
O diretor da Coppe, Luiz Pinguelli, enviou uma carta à presidenta Dilma, sugerindo que ela vete parte do código, se não houver mudanças positivas no Senado. Secretário executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, Pinguelli alertou para a dificuldade do país de cumprir as metas internacionais, se não houver um freio à devastação ambiental.
“O problema é o aumento do desmatamento em alguns estados, isso é um mau sinal. Com a aprovação do código, poderemos estar favorecendo essa situação. Seria possível negociar, beneficiando os pequenos agricultores. Mas o que passou é muito ruim”, afirmou Pinguelli, que mantém a esperança de que o Senado discuta com mais profundidade a matéria, podendo melhorar o que foi aprovado na Câmara.
(Agência Brasil – 28/5)
2 – Impasse na floresta
Editorial da Folha de São Paulo de hoje (30).
O País se encontra diante de um impasse: o que fazer com o novo Código Florestal aprovado na Câmara dos Deputados. Se for mantido como está no Senado Federal, o Planalto promete amplos vetos, o que arrisca devolver a controvérsia à estaca zero.
Seria péssimo. Primeiro, porque frustraria a expectativa de milhares de produtores rurais, que se consideram injustiçados pela legislação atual. Em alguns casos, afinal, ela os obriga a imobilizar mais de 80% da terra. Segundo, seria lamentável porque o Congresso terá desperdiçado oportunidade única de produzir uma lei moderna, amparada no melhor conhecimento objetivo. Não há outro meio de conciliar a pujança agrícola com a florestal, duas vocações brasileiras.
É grave, a respeito, a queixa apresentada ao Congresso pelas duas principais associações nacionais de pesquisa, ABC (Academia Brasileira de Ciências) e SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência). Elas reclamam que nunca houve convite oficial do Parlamento para que os representantes da comunidade científica participassem das discussões sobre o substitutivo do código.
Por seu lado, o deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP), relator do texto aprovado com emenda do PMDB, acusa ABC e SBPC de omissão. Diz que a SBPC se negou a comparecer à comissão especial que debateu o tema. Alega, ainda, que parte dos pesquisadores são financiados por um “lobby ambientalista” internacional.
Na realidade, não existe consenso definitivo sobre a legislação nem mesmo entre cientistas. Mas é digno de nota que as duas sociedades tenham logrado formar um grupo de trabalho para debruçar-se sobre o estado da arte da pesquisa agrícola e ambiental. Dele resultou o livro “O Código Florestal e a Ciência – Contribuições para o Diálogo”, lançado em março.
Parece irracional que tal contribuição não seja levada em conta. Mesmo que tenha um viés conservacionista, como apontam os defensores do novo código, o trabalho merece ser apreciado -e, por que não, escrutinado- com um mínimo de atenção no Senado.
Chegou a hora de pôr um ponto final nesse diálogo de surdos em que se transformou o debate do código. Ou a decisão final se baseia em conhecimento objetivo, ou o País sairá perdendo, em produto agrícola ou biodiversidade. É excessivo, contudo, o adiamento de dois anos proposto pelas sociedades científicas. O Brasil precisa resolver a questão no prazo máximo de um ano, antes que se realize a conferência internacional Rio+20, em junho de 2012.
3 – Anistia na Amazônia vai representar mais desmatamento
Para pesquisador do Inpa, todas as mudanças propostas na nova lei abrem espaço para aumentar o desmatamento na Amazônia, mas de alguma forma impõem limites.
Se a anistia aos desmatadores não for retirada do texto que altera o Código Florestal Brasileiro, a destruição da Amazônia pode perder o controle. A opinião é do ecólogo Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). A Câmara dos Deputados brasileira aprovou na terça, dia 24, um proposta de lei que altera as regras de proteção florestal em todo país, tornando-a mais permissiva e também perdoando crimes de desmatamento realizados até 2008.
Segundo Fernside, todas as mudanças propostas pelo relator da proposta de lei, o deputado do Partido Comunista do Brasil ,Aldo Rebelo, abrem espaço para aumentar o desmatamento na Amazônia, mas de alguma forma impõem limites. “A anistia não, porque abre a porta para o desmatamento até a última árvore”, lamenta. “Vão continuar o corte na esperança de ser anistiado e isto não vai ter fim. Vão esperar outra reforma no Código ou outra anistia”, completa.
Fearnside faz estudos sobre impactos de grandes projetos na Amazônia desde a década de 70 e já foi apontado como o segundo cientista mais citado no mundo quando o assunto é a região. Para ele, as mudanças afetam a imagem do Brasil no Exterior porque compromete metas voluntárias assumidas pelo país durante negociações internacionais. O Brasil pretende reduzir as emissões de carbono em até 38,9% até 2020. Mas o compromisso está seriamente ameaçado: o avanço do desmatamento em 27% na Amazônia este ano é apontado como decorrência da expectativa de que aprovação do Código Florestal vá perdoar os infratores.
O cientista lembra que além da anistia, a proposta aprovada no Congresso altera a forma como são medidas as matas que protegem os rios da Amazônia. Ele cita o estudo da Academia Brasileira de Ciências que aponta que em função da simples mudança na base de medição, a proteção das bordas de rios na Amazônia pode ser reduzida em 60%. Fearnside destaca a importância da mata ciliar, importantes corredores de migração de animais e plantas e que viabilizam a biodiversidade em mosaicos fragmentados. E claro servem para evitar inundações.
O Código aprovado isenta proprietários de até 4 módulos rurais (uma medida que varia muito no país) de manter a Reserva Legal. A Reserva Legal é um dispositivo no Código Florestal Brasileiro que obriga aos proprietários a manter uma parcela de sua propriedade com cobertura vegetal nativa. Na Amazônia, essa reserva deve ser de 80% da propriedade. O argumento do deputado Aldo Rebelo é que tal dispositivo da lei impede o sucesso de pequenos produtores na Amazônia
A Academia Brasileira de Ciências defende uma legislação diferenciada para a agricultura familiar, mas utilizar o módulo rural como forma de distinção é arriscado. Em alguns lugares da Amazônia o módulo rural equivale a 100 hectares. Além disso, há o temor de que grandes propriedades sejam fracionadas para se encaixarem nesta brecha. O que não é difícil. Em Apui, sul do Amazonas, por exemplo, um estudo do Inpa apontou que uma mesma família é dona de 38 lotes, cada um com 100 hectares.
A bióloga Rita Mesquita, também do Inpa, lamenta que os deputados federais não tenham se baseado em argumentos técnicos e científicos durante as discussões do Código. “Você sabe que 61 milhões de hectares desmatados e degradados no país podem se tornar produtivas, inclusive para o agronegócio”, pergunta a pesquisadora. “Agora nós vamos ceder nossa biodiversidade, nossos recursos naturais, para multinacionais se implantarem em nosso país em troca de terra barata e trabalho escravo.”
Ela considera que houve uma inversão nas discussões, sobre o que seria realmente positivo para o Brasil e o que atenderia interesses estrangeiros. “A sociedade brasileira está sendo enganada quando dizem que a preservação é internacional, como se o agronegócio não estivesse nas mãos de empresas internacionais. Eu diria que o agronegócio é internacional e a conservação do Brasil”, completa.
Em nota divulgada nesta quinta-feira, 26 de maio, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) propõem ao governo federal um prazo de dois anos para construção de um novo Código Florestal. As duas instituições classificam de precipitada a decisão tomada pelos deputados federais, por não terem levado em conta aspectos científicos e tecnológicos na aprovação da proposta de lei.
O comunicado, que considera a necessidade de uma revisão da lei de 1965, afirma que o Parlamento nunca convidou formalmente a ABC ou a SBPC para as discussões sobre o substitutivo aprovado. Afirma também que duas cartas haviam sido enviadas a congressistas e presidenciável alertando sobre a a necessidade de um prazo maior para discussões aprofundadas sobre o Código Florestal.
As duas instituições ressaltam ainda estarem à disposição do Senado para a discussão do novo código. A nota deixa claro também que às críticas ao Código não tem vinculação com movimentos ambientalistas ou ruralistas, mas são feitas em nome da sustentabilidade do país. ABC e SBPC criaram em julho do ano passado um Grupo de Trabalho para discutir mudanças na lei ambiental. As propostas foram transformadas em um livro, lançado em marco deste ano.
A carta reconhece a contribuição do agronegócio para a produção de alimentos e na balança comercial brasileira, mas ressalta que a ampliação do agronegócio deve ocorrer sem prejuízos a preservação e conservação dos recursos ambientais do País.
(Revista O Eco Amazônia – 29/5)