1 – Brasileiro e chinês acham répteis alados
2 – Fósseis peruanos motivam contrabando
1 – Brasileiro e chinês acham répteis alados
Grupo binacional descreve 2 novas espécies de pterossauros de cauda longa, descobertas no interior da China. Animais mediam entre 70 cm e 1 m e comiam insetos ou até pequenos peixes; preservação dos fósseis impressiona
A parceria entre paleontólogos brasileiros e chineses trouxe à tona duas novas espécies de pterossauros, répteis voadores da Era dos Dinos. Os bichos têm um estranho mosaico de características, embolando ainda mais as tentativas de entender a evolução de seu grupo.
“Eles abrem uma nova janela para a diversidade de pterossauros e mostram que, de fato, a gente ainda não entende bem as relações entre eles”, disse à Folha Alexander Kellner, especialista do Museu Nacional da UFRJ e coautor da descrição (a “certidão de nascimento” científica) dos répteis alados.
Junto com Xiaolin Wang (membro da Academia Chinesa de Ciências) e outros colegas, Kellner batizou os novos bichos de Darwinopterus linglongtaensis e Kunpengopterus sinensis.
Darwin e mitologia
Além da homenagem óbvia a Charles Darwin, o “pai” da teoria da evolução, há também um tributo a Kun Peng, criatura voadora da mitologia chinesa (e antigo nome de uma empresa aérea da região norte da China).
No estudo, que acaba de sair na revista especializada “Anais da Academia Brasileira de Ciências”, os paleontólogos admitem a dificuldade de classificar os novos bichos, bem como seus parentes mais próximos.
Em tese, por serem pterossauros de cauda longa, eles estariam entre os répteis voadores mais primitivos. Mas a coisa parece ser bem mais complicada, diz Kellner. “Eles têm tanto características primitivas quanto derivadas [ou seja, “avançadas”, diferentes do padrão ancestral de seu grupo]”, explica.
Um exemplo é a chamada fenestra nasoantorbital do Kunpengopterus -nome complicadíssimo para uma grande cavidade craniana, perto do focinho e das órbitas dos olhos, cuja presença ajuda a deixar o crânio mais leve. Esse é um traço derivado, enquanto a fusão dos ossos da mandíbula dos bichos segue o padrão primitivo.
Como ocorre com outros fósseis chineses da província de Liaoning, os bichos tiveram alguns de seus tecidos moles preservados. Há algumas das fibras que davam sustentação às asas das criaturas e, no caso do Kunpengopterus, parte do que parece ter sido uma vistosa crista.
Até pouco tempo atrás, achava-se que apenas os pterossauros de cauda curta, os chamados pterodactiloides, possuíam cristas. “Mas os de cauda longa têm nos surpreendido ultimamente, tanto apresentando cristas ossificadas quanto as de tecido mole”, afirma Kellner.
O paleontólogo defende a tese de que, na maioria das espécies, membros de ambos os sexos tinham os ornamentos, diferentemente do que se vê entre certas aves.
Pesquisador se aventura pelos livros de ficção
Alexander Wilhelm Armin Kellner, 49, resolveu transformar sua garimpagem de fósseis em matéria-prima para a ficção. Ele já lançou dois livros pela editora Rocco, “Na Terra dos Titãs” (2007) e “Mistério sob o Gelo” (2010), voltados para o público infantojuvenil, que exploram o que aconteceria se jovens modernos dessem de cara com dinossauros ainda vivos -no interior do Mato Grosso do Sul e na Antártida, respectivamente. Kellner já escavou nos dois lugares.
Nascido no principado de Liechtenstein em 26 de setembro de 1961, Kellner veio para o Rio de Janeiro ainda criança, cursando geologia na UFRJ e mestrado na mesma instituição. Depois, fez outro mestrado e o doutorado na Universidade Columbia (EUA).
O pesquisador está entre os principais especialistas em pterossauros do mundo, além de estudar também as espécies brasileiras de dinossauros.
Ao todo, junto com seus colegas chineses, ele já descreveu sete espécies de répteis voadores asiáticos, e está em busca de outros bichos do tipo. (Reinaldo José Lopes) (Folha de SP, 18/12)
2 – Fósseis peruanos motivam contrabando
Antes banhado pelo mar, deserto entre os Andes e o Pacífico, no sul do Peru, é rico em restos de animais marinhos pré-históricos
Entre os Andes e o Pacífico, o deserto de Ocucaje, no sul do Peru, parece ser um dos locais mais isolados do mundo. Montanhas nuas se erguem a partir de vales castigados pelo vento.
Mas, para os caçadores de ossos que rumam todos os dias para lá, os terríveis ventos da região expuseram uma amostra da evolução: um cemitério pré-histórico onde monstros marinhos vieram repousar definitivamente há 40 milhões de anos. Essa terra seca, um dia banhada pelo mar, guarda um dos mais cobiçados conjuntos de fósseis marinhos conhecidos pela paleontologia.
Entre as descobertas feitas no local estão os dentes fossilizados de um tubarão de 15 metros chamado megalodonte, os ossos de um gigantesco pinguim de penas coloridas e os fósseis da Livyatan melvillei, uma baleia cujos dentes eram maiores do que os do tiranossauro.
“Esta é provavelmente a melhor região do mundo para a pesquisa de mamíferos marinhos”, disse Christian de Muizon, de 58 anos, paleontólogo do Museu de História Natural de Paris e líder de uma expedição que foi ao local em novembro. Ele compara o Ocucaje a algumas das áreas mais promissoras da exploração paleontológica, como a Província de Liaoning, na China, onde cinzas preservaram fósseis de dinossauros com penas.
Mas as descobertas atraíram a atenção de outra classe de caçadores de fósseis: os contrabandistas. Representantes do governo dizem que os casos de fósseis ilegalmente coletados estão se tornando mais frequentes.
A perda de tesouros nacionais para colecionadores do exterior desperta preocupações quanto à soberania, cujo melhor exemplo talvez seja a disputa entre o governo peruano e a Universidade Yale envolvendo artefatos incas subtraídos por Hiram Bingham, explorador americano comumente associado à revelação da existência da cidade perdida de Machu Picchu para o restante do mundo, há mais de um século.
Por enquanto, o Ocucaje permanece aberto a todos que desejem procurar fósseis. A lei peruana classifica os fósseis como patrimônio nacional e exige que eles sejam mantidos no Peru, exceto em caso de permissão especial. Mas a fiscalização e a preservação no local parecem ser um sonho. O governo controla o deserto, mas licencia sua exploração a mineradoras, o que pode danificar ou destruir fósseis.
Prejuízo. Saqueadores acabaram com sítios arqueológicos na orla. A polícia pouco visita a região. Os únicos veículos de quatro rodas atravessando o deserto são caminhões transportando trabalhadores que passam semanas na costa apanhando algas, que vendem a intermediários que as exportam para a Ásia. “Este deserto é horrível”, diz Yolanda Gutierrez, de 35 anos, coletora de algas. “Por aqui só há poeira, rochas e ossos.”
Caçadores de fósseis têm suas opiniões sobre como o Ocucaje deve ser administrado. Uma delas é de Roberto Cabrera, de 54 anos, oficial reformado da Marinha que atua como guia tanto para mochileiros quanto para paleontólogos.
“Sou um peruano patriota e meus pés estão pisando em patrimônio do país”, disse ele, sugerindo que parte dos fósseis de Ocucaje seja deixada no local. Ele disse que outra opção seria a criação de um museu – não em Lima e muito menos em Berlim ou Paris, mas em Ica, cidade próxima do deserto.
Nas ruas de Ica e das demais cidades da região, os visitantes podem ver e comprar fósseis. Mercadores vendem dentes fossilizados de tubarão, aproximadamente do tamanho da mão de um homem, por US$ 60 a US$ 100 cada peça. Dizem que outros fósseis podem ser comprados por quantias mais expressivas.
Enquanto isso, as apreensões de fósseis obtidos ilegalmente já ultrapassaram os 2,2 mil casos neste ano. Em 2009 foram 800 apreensões, em sua maioria no aeroporto internacional de Lima, disse Jose Apolin, do ministério Cultura. Rodolfo Salas, curador de paleontologia do Museu de História Natural de Lima, diz que esse comércio é apoiado por saqueadores de sítios arqueológicos.
Os paleontólogos que trabalham no local temem que suas descobertas sejam roubadas. Após encontrar um fóssil que pode ser um crânio de baleia de 35 milhões de anos, a equipe de Muizon camuflou o achado. Independentemente do debate envolvendo contrabando, paleontólogos dizem que os fósseis do Ocucaje seguem vulneráveis a outro fator: a erosão. “Se forem deixados no deserto”, disse Muizon, “eles morrerão pela segunda vez”.(The New York Times. Tradução de Augusto Calil) (O Estado de SP, 19/12)