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Informativo 378 – Biomimética e doenças genéticas

1 – Natureza aplicada à vida cotidiana

2 – Sertão tem surto de doenças genéticas

 

1 – Natureza aplicada à vida cotidiana

Campo novo da ciência, a biomimética imita formas e processos do ambiente e tem servido de inspiração para produtos e tecnologias
Olhar a natureza e nela buscar inspiração para a ciência, a tecnologia, o design, a arquitetura, a medicina. Área nova da ciência, a biomimética – que literalmente significa imitação da vida – estuda as estruturas biológicas e suas funções, procurando aprender com a natureza soluções que podem ser aplicadas no cotidiano. É também uma ferramenta para impulsionar a inovação em sintonia com o meio ambiente e vem sendo chamada de “a nova revolução industrial”.
É o que aponta a americana Janine Benyus, uma das estudiosas da matéria. Autora de Biomimética – Inovação Inspirada pela Natureza – ela preside, em Boston (EUA), um centro de estudos sobre o tema, o Biomimicry Institute. De lá saem muitos dos estudos sobre novas aplicações da biomimética.
Alguns exemplos podem ser vistos nesta página e vão desde turbinas eólicas inspiradas nas nadadeiras das baleias até o prosaico velcro – criado em 1941 pelo engenheiro suíço George de Mestral a partir da observação dos espinhos e ganchos das sementes de grama que se prendiam nos pêlos de seu cachorro.
Aplicações
No Brasil, um dos estudiosos do assunto é o designer Fred Gelli, da agência Tátil Design, do Rio de Janeiro. Há 20 anos ele estuda o conceito e tenta aplicá-lo a embalagens, objetos e espaços físicos, que já lhe renderam vários prêmios de design. Agora, junto com a Fundação Getúlio Vargas de Curitiba, tem se dedicado a aplicar a biomimética ao mundo empresarial, em um núcleo batizado de Bionegócios.
“De modo geral, a biomimética tem sido muito utilizada em razão de seus aspectos funcionais, como o prédio na África inspirado em um cupinzeiro”, diz Gelli (veja exemplo nesta página). Segundo ele, o projeto permitiu uma redução de 65% no consumo de energia do edifício. “A biomimética pode ser uma grande aliada na busca pela sustentabilidade, pois se inspira na natureza e não tenta subjugá-la”, diz.
Outro exemplo de aplicação prática da biomimética na indústria é a borboleta do gênero Morpho. Sua estrutura de cristais que refletem a luz já foi utilizada pela indústria têxtil e serviu de inspiração para uma linha de maquiagem que será lançada pela multinacional de cosméticos L’Oreal.
A fabricante americana de carpetes Interface, companhia que tem um plano abrangente para reduzir ao máximo seu impacto ambiental, também bebeu na fonte da biomimética. A empresa se inspirou na composição do solo da floresta para lançar carpetes em módulos, que podem ser repostos à medida que se desgastam, sem ser necessária a troca completa.
Um dos vários projetos em que Gelli trabalhou no Brasil foi em embalagens para cosméticos, que ainda não chegaram ao mercado, inspiradas no formato de folhas, com nervuras que permitiriam o aproveitamento total do produto.
Outra empresa que tem buscado inspiração na natureza é a Bausch & Lomb, que fabrica produtos oftalmológicos. Entre os produtos biomimetizados estão uma lente para correção de catarata inspirada no desenho do cristalino, que imita as características da superfície ocular.
Em 2011, a empresa lança no Brasil uma solução de limpeza para lentes de contato com o pH da lágrima humana, o que deve reduzir a reação alérgica a esse tipo de produto. “Isso é bastante novo em oftalmologia. Mas num futuro próximo veremos inúmeras soluções da biomimética aplicadas à medicina”, aposta Gary Orsborn, diretor de cuidados médicos da Busch & Lomb nos EUA e responsável pelo desenvolvimento dos produtos. (Andrea Vialli e Alexandre Gonçalves) (O Estado de SP, 21/11)

 

2 – Sertão tem surto de doenças genéticas

Pesquisadores estão achando moléstias desconhecidas no interior da Paraíba; casamento consanguíneo é a causa. União entre primos em alguns municípios pode corresponder a 40%; ainda há resistência a abandonar a prática
A bióloga paulistana Silvana Santos foi para o Nordeste há cerca de uma década por causa da sua vizinha. Ela quis entender a origem da misteriosa doença da moradora da casa ao lado.
Como relatava a própria mulher, a moléstia era comum na sua cidade natal, Serrinha dos Pintos, no sertão do Rio Grande do Norte. Santos descobriu no Nordeste mais 70 casos de uma doença até então desconhecida, a síndrome Spoan, que paralisa os membros inferiores e afeta a visão. Era o mesmo mal de sua vizinha.
Depois de descrever a Spoan pela primeira vez em artigo científico de 2005, a bióloga encontrou outros problemas genéticos no sertão, causados por um mesmo motivo: o casamento consanguíneo entre primos.
Em Serrinha dos Pintos, 32% dos casamentos envolvem primos de primeiro e segundo grau. Todos os afetados pela síndrome são descendentes de um ancestral comum, que chegou à região há mais de século.
“As famílias conhecem a sua árvore genealógica, mas a maioria não aceita que as doenças genéticas são causadas pelos casamentos com pessoas do mesmo sangue”, afirma a pesquisadora.
Hoje, Santos é professora da UEPB (Universidade Estadual da Paraíba), instituição à qual se vinculou de tanto estudar a região.
Em família
Os casamentos consanguíneos passam dos 40% em algumas cidades paraibanas. A situação é mais grave no sertão, onde muitas doenças ainda não são reconhecidas como de origem genética.
São os agentes de saúde da região (cada um cuida de cerca de 500 pessoas) que registram, numa base de dados, a incidência de deficiências. “Mas ninguém analisa os dados para investigar causas das doenças”, diz Santos.
Diagnóstico
De acordo com a médica Paula Medeiros, da UFPB (Universidade Federal da Paraíba), muitos pacientes recebem diagnóstico errado. “Há médicos que relatam retardo mental em casos de mucopolissacaridose [doença metabólica causada por deficiência de enzimas], sem avaliar se há mais casos na família e qual é a origem do problema”, diz ela.
Por isso, o trabalho dos pesquisadores está sendo comemorado por funcionários de alguns municípios da região. É o caso de Maria do Socorro Lucena, secretária municipal de Saúde de Queimadas, uma das cidades estudadas, onde uma nova doença genética foi identificada.
De acordo com Lucena, os recursos públicos para a saúde da sua cidade, que tem 40 mil habitantes, são suficientes apenas para o atendimento “básico”. E só. “Consigo atender partos, casos de tiro, tratamento de hemodiálise, esse tipo de coisa”, diz.
Além de evitar que mais pessoas padeçam de doenças evitáveis causadas por consanguinidade, o aconselhamento genético sai mais barato aos cofres públicos.
No caso dos pacientes de mucopolissacaridose, que traz problemas motores, de crescimento e até mentais, o tratamento de um tipo da doença pode chegar a R$ 100 mil por mês, por paciente.
Hoje, seis portadores que vivem no sertão da Paraíba estão em tratamento no hospital da UFPB, aos cuidados da médica Paula Medeiros.
Faz-tudo
O trabalho deles começa já na prospecção de casos, em parceria com os agentes de saúde. São também os cientistas que realizam o mapeamento genético e identificam as possíveis doenças hereditárias, posteriormente divulgadas à comunidade acadêmica em congressos e em artigos científicos.
O processo todo leva, em média, três anos, também por causa das dificuldades estruturais. Hoje, um mapeamento genético no Brasil só pode ser feito nas regiões Sul e Sudeste, que contam com laboratórios para isso.
“Eu oriento as pessoas sobre os riscos de nascimento de deficientes quando os pais são um casal de primos”, diz Santos. A ideia, de acordo com ela, é informar os jovens em idade reprodutiva.
Mas essa não é uma aproximação simples. A descrença nos cientistas, e um certo fatalismo, ainda são comuns. “Não acredito nessa coisa de doença causada por casamento entre primos”, diz uma moradora do município Olho d’Água, próximo de Queimadas. Filha de primos e casada com um primo, ela tem três dos seus cinco filhos surdos. “Tive filhos surdos porque Deus quis.”
Grupo propõe elo entre tradição e judaísmo
O casamento entre primos na região Nordeste pode ter origem no judaísmo. A hipótese é de alguns dos pesquisadores da UEPB, que veem semelhanças entre costumes da área e a tradição judaica.
A influência pode ter tido origem nos séculos 16 e 17, quando os marranos ou cristãos-novos, conversos de origem judaica, vieram para o Brasil na esteira da colonização portuguesa.
Apesar de terem sido forçadamente convertidos ao cristianismo, alguns costumes do judaísmo teriam se mantido na região até hoje. O mais óbvio deles é a endogamia, ou seja, o hábito de só se casar com membros da própria comunidade. No judaísmo mais tradicional, isso acontece para evitar a mistura étnica com indivíduos não judeus, como forma de preservar o grupo.
Usos menos óbvios do cotidiano, no entanto, talvez remetam também ao judaísmo. Por exemplo, o hábito de comer “jabá” (carne seca com pouco sangue) aos sábados. Isso lembraria a proibição, presente no Antigo Testamento, do consumo de carne com o sangue do animal, bem como o dia sagrado do judaísmo, que é o sábado.
Menos não é mais
Controvérsias étnicas à parte, outro dado preocupante levantado pelos pesquisadores é que a quantidade de pessoas com deficiência parece aumentar na medida em que o tamanho do município diminuiu.
A conclusão é de um estudo coordenado pelo geneticista Mathias Weller, da UEPB. Ele fez uma análise dos dados do Datasus (Sistema de Informação da Atenção Básica do SUS) sobre a distribuição de indivíduos com deficiência em 223 municípios da Paraíba.
Weller notou que as cidades mais interioranas do Estado – que também são as menos populosas – têm em média 1/6 mais deficientes em comparação com a área litorânea. (Sabine Righetti) (Folha de SP, 21/11)