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Informativo 365 – Floresta; Macacos e O berço escuro do tempo

1 – Floresta alugada começa a dar madeira

2 – Macacos ameaçados de extinção

3 – O berço escuro do tempo

 

1 – Floresta alugada começa a dar madeira

Quatro anos após aprovação de lei, concessões para o uso sustentável de árvores da Amazônia saem do papel
A principal experiência de desenvolvimento sustentável induzida pelo governo na Amazônia começou há mais de um mês -sem que ninguém tivesse notícia.
Às 11h16 da manhã de 21 de setembro, uma motosserra da madeireira Sakura derrubou uma árvore de roxinho (Peltogyne paniculata) em uma mata na Floresta Nacional do Jamari, em Rondônia.
Foi a primeira árvore abatida de acordo com um modelo pioneiro no Brasil, as concessões florestais.
O regime dá às madeireiras concessionárias o direito de explorar uma floresta pública por 40 anos em manejo de baixo impacto -técnica que extrai um mínimo de árvores de um máximo de espécies e deixa a floresta se regenerar. Em troca, as empresas pagam royalties ao governo.
A notícia do início da exploração no Jamari só chegou a público semanas depois, na forma de um comunicado à imprensa do Serviço Florestal Brasileiro.
Foi solenemente ignorada no discurso ambiental da candidata governista, Dilma Rousseff, ao receber apoio de líderes do Partido Verde na semana passada.
Quando lançada em 2006, porém, a ideia das concessões foi vendida como salvação da economia da floresta.
O governo esperava colocar 10 milhões de hectares de florestas públicas em aluguel no primeiro ano, para competir com a exploração predatória e freá-la, reduzindo o desmate na Amazônia.
Na prática, porém, as concessões decolaram lentamente. Quatro anos depois da aprovação da lei que as regulamenta, só existem duas florestas licitadas, num total de 145 mil hectares -menos de 2% do planejado.
A lentidão no processo tem irritado o setor madeireiro. Vitimados pelas operações de fiscalização e por exigências cada vez mais duras do mercado internacional, os madeireiros exportadores veem as concessões como a única saída para o setor.
“Não temos ainda uma economia florestal”, diz Justiniano Netto, da Aimex, associação das exportadoras de madeira do Pará.
O diretor do Serviço Florestal Brasileiro, Antônio Carlos Hummel, reconhece que houve excesso de otimismo sobre o novo modelo. “Houve um erro nosso de dizer que haveria milhões de hectares sob concessão imediatamente. Geramos expectativa demais”, conta.
O governo descobriu, por exemplo, que não poderia alugar qualquer floresta pública -só as que estavam em florestas nacionais (Flonas).
Falta de infraestrutura e de regularização fundiária também impediram que as concessões começassem onde o Serviço Florestal queria: no distrito florestal da BR-163, num projeto para levar o manejo sustentável à principal “zona quente” de desmatamento na época.
O governo, então, optou por Jamari, mas ações na Justiça fizeram a concessão levar três anos para acontecer.
Além da Sakura, duas outras madeireiras, a Amata e a Madeflona, começaram a explorar a área de 96 mil hectares sob concessão em Jamari.
Os contratos devem render aos cofres públicos R$ 3,3 milhões no primeiro ano.
O gerente da Amata, Roberto Waack, afirma que o atraso no início das concessões é o preço do pioneirismo. A Amata espera obter R$ 8 milhões no primeiro ano de operação em Jamari.
“Estamos vivendo uma mudança de paradigma. A madeira ilegal está sendo sufocada”, diz. Segundo ele, a Copa do Mundo, a Olimpíada e os programas federais de habitação devem gerar uma demanda alta por madeira de origem legal no Brasil.
O Serviço Florestal já pôs mais 275 mil hectares em edital neste ano, e espera chegar no ano que vem a 1 milhão. (Cláudio Ângelo) (Folha de SP, 25/10)

 

2 – Macacos ameaçados de extinção

Macaco-prego-galego e guigó-da-caatinga, duas das espécies endêmicas do país, entraram na lista de primatas que correm mais risco em todo o mundo
O macaco-prego-galego e o guigó-da-caatinga, duas das espécies endêmicas de primatas do Brasil, foram incluídos na lista dos 25 animais mais ameaçados do mundo. A relação é elaborada a cada dois anos pelo Grupo Especialista em Primatas da União Internacional (IUCN) para a Conservação da Natureza e tem o objetivo de atrair ações de pesquisa e conservação, aumentando os esforços de preservação dessas espécies.
A inclusão é resultado das articulações feitas pela delegação brasileira, liderada pelo Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Primatas Brasileiros (CPB), durante o 23º Congresso Internacional de Primatologia, realizado entre 12 e 18 de setembro passado, na Universidade de Kyoto, no Japão.
O Cebus flavius, o macaco-prego-galego, foi incluído na lista devido à sua recente redescoberta e ao escasso conhecimento disponível sobre suas diminutas populações confirmadas na Mata Atlântica nordestina. Essa espécie foi considerada criticamente em perigo.
Já o guigó-da-caatinga (Callicebus barbarabrownae) é o único primata endêmico desse bioma, que, por sua vez, sofre acelerada degradação, inclusive com áreas em processo de desertificação. Nesse cenário, o guigó sobrevive em raros remanescentes de caatinga arbórea, sendo considerado criticamente em perigo tanto na lista da IUCN quanto na avaliação do Ministério do Meio Ambiente.
No Brasil, há 104 espécies de primatas, o correspondente a um terço da diversidade desse grupo de mamíferos conhecida no mundo.
O CPB desenvolve pesquisas e ações de manejo com foco nessas duas espécies e espera que, incluídas na lista mundial, elas possam servir como espécies-bandeira, alertando para a situação de toda a biodiversidade na Mata Atlântica nordestina e na caatinga.
Durante o congresso, do qual o CPB participou pela primeira vez, o chefe da entidade, Leandro Jerusalinsky, coordenou a sessão sobre conservação de primatas neotropicais, na qual apresentou a análise: Planejamento Estratégico para a Conservação de Primatas Brasileiros: Avanços e Prioridades.
Nela, foram ressaltados os esforços do ICMBio no sentido de ampliar a aplicação de ferramentas para a conservação de espécies, tais como as listas de táxons ameaçados, planos de ação e modelagens espaciais e populacionais.
Leandro também integrou o simpósio sobre primatas em fragmentos, apresentando o trabalho Vivendo no limite: fragmentação de hábitats na interface da zona semi-árida do nordeste brasileiro, com destaque para os resultados dos estudos sobre a distribuição de Callicebus barbarabrownae e Callicebus coimbrai, que fazem parte dos esforços de pesquisa e conservação do Projeto Guigó, desenvolvido em parceira com a Universidade Federal de Sergipe e a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos de Sergipe.
Integraram a delegação brasileira que participou do congresso principalmente professores e estudantes de universidades como Unifesp, UFG, UFRN, USP, UnB, PUCRS e organizações não-governamentais como WCS, Pró-Muriqui, CECO. (Jornal do Commercio, 24/10)

 

3 – O berço escuro do tempo

Novo modelo científico proposto pelo físico Nikodem Poplawski sugere que o Universo está dentro de um enorme buraco negro, que parou de se contrair e se expandiu violentamente
Das inúmeras expressões que a linguagem cotidiana toma emprestadas das ciências naturais, “buraco negro” talvez seja uma das mais felizes, pois reproduz com certa precisão seu significado físico: um objeto astronômico tão maciço e denso que a atração gravitacional por ele exercida engole tudo à sua volta, até mesmo a luz.
Uma teoria recentemente ressuscitada -com aprimoramentos- propõe que esses sorvedouros cósmicos podem parar de se contrair e, então, expandir-se violentamente, dando origem a outros universos -como o nosso. Se os modelos e equações do físico teórico polonês Nikodem Poplawski estiverem certos, a explicação poderia contribuir para desvendar um dos maiores mistérios da física: por que o tempo só corre numa direção linear, ou seja, para a frente?
Não é de hoje que buracos negros suscitam polêmica. A ideia de uma imensa mancha negra no Universo começou a ser discutida ainda no século 18, mas o termo foi aplicado pela primeira vez dois séculos depois. O criador da expressão é o astrofísico John Wheeler, que, no entanto, não assume sua autoria completamente. Wheeler dizia que o termo “buraco negro” teria surgido durante uma aula no final da década de 60 -algum estudante soltou essa expressão quando ele falava sobre estrelas em colapso.
O conceito tem sido debatido intensamente por teóricos célebres como Stephen Hawking, que descobriu, pouco depois de o termo ter sido criado, que os buracos negros podem emitir radiação (ou seja, não são totalmente negros). A relação entre buracos negros e a origem da vida (e do Universo) também começou a ser especulada pela ciência há algumas décadas.
O físico Raj Pathria, por exemplo, criou um modelo que tratava o Universo como um buraco negro. O conceito foi aprimorado por cientistas que vieram depois, como John Richard Gott, que, em 1998, publicou uma teoria que relacionava a origem dos buracos negros e dos Universos.
Recentemente, um novo cientista (“novo” também porque ele tem apenas 35 anos) sacudiu a comunidade internacional de cosmólogos. Em dois estudos publicados neste ano, o polonês Nikodem Poplawski afirma que um enorme buraco negro que parou de se contrair e começou a se expandir violentamente teria dado origem a este Universo -que, por sua vez, está dentro dele. E essa nova concepção de formação do espaço explicaria por que o tempo corre em apenas uma direção.
Filho de artistas, nascido em Torun -mesma cidade natal do astrofísico e matemático do século 15 Nicolau Copérnico (o autor da teoria heliocentrista, ou seja, a que afirmou pela primeira vez que a Terra girava em volta do Sol e não o contrário)- Nikodem Poplawski começou a se interessar pelas “ciências duras”, como a química e a física, quando ainda era criança. Hoje faz pós-doutorado na Universidade de Indiana, nos Estados Unidos. “Quero entender a origem do Universo, a origem das partículas, a seta do tempo”, explica.
Os trabalhos de Poplawski foram publicados na “Physics Letters B”, uma das mais importantes revistas internacionais sobre física nuclear e de partículas, e no Arxiv da biblioteca eletrônica da Universidade Cornell (EUA). Arxiv é uma espécie de espaço virtual de debates científicos, que podem acontecer entre estudantes de graduação até os mais altos escalões do meio acadêmico.
Especialmente em áreas experimentais, como a física, a publicação no Arxiv funciona bem e é mais ágil do que as publicações em revistas científicas convencionais, cujo processo de aprovação de um artigo pode levar de um a dois anos, desde o seu recebimento.
No Arxiv, por exemplo, o artigo do polonês já rendia cerca de 200 extensos comentários, textos e indicações de leitura de cientistas que interagiam entre si e criavam novas perguntas -todas com cunho científico (quando um debate vira uma conversa “informal” e pouco científica, a repressão dos usuários do Arxiv é grande).
A ideia proposta por Poplawski nessas duas publicações confronta, de certa maneira, a teoria do Big Bang, que define que o Universo teria surgido a partir da expansão de uma grande concentração de massa e energia há 13,7 bilhões de anos. É a teoria que tenta explicar a origem do Universo mais aceita na atualidade.
Para os críticos da ideia do Big Bang como origem de tudo, a simples identificação de um momento como o “começo” do Universo é uma proposta irracional. No Brasil, um desses críticos é o físico Mário Novello, pesquisador e professor titular no Instituto Brasileiro de Cosmologia, Relatividade e Astrofísica, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), do Rio de Janeiro, e autor de “Do Big Bang ao Universo Eterno” (Zahar).
Para Novello, caso existisse um “começo singular”, o Universo não admitiria uma explicação racional para toda a sua história. Afinal, trata-se de um contexto em que, por exemplo, há uma temperatura infinita e uma densidade infinita. Se não é possível quantificar o infinito, a teoria não daria conta da explicação do fenômeno.
“Consequentemente, a ciência moderna, que teve início lá atrás, com Tycho Brahe, Galileu Galilei e outros astrônomos, teria chegado ao seu limite”, diz Novello.
A cosmologia está longe de chegar ao seu limite e, aliás, é uma ciência recentemente institucionalizada. No Brasil, o Instituto Brasileiro de Cosmologia foi criado em 2003, sob o nariz torto da Sociedade Brasileira de Física. Vários países que ainda não tinham seus institutos seguiram a trajetória tupiniquim, como Índia, Canadá, França e Rússia. E, com laboratórios próprios, cosmólogos do mundo inteiro tentam projetar modelos matemáticos para explicar, por exemplo, de onde veio este Universo.
Se o polonês estiver certo e se este Universo tiver surgido de um buraco negro, como teria se originado o buraco negro primordial? A física diz que um buraco negro é gerado por uma estrela que se contraiu. Todas as estrelas (astros que emitem luz própria) precisam de combustível para “se manter” -no caso do Sol, hidrogênio, que se transforma em hélio por fusão nuclear. Quando o combustível de uma estrela acaba, ela começa a se contrair pela ação da própria gravidade.
Se a massa da estrela for muito grande (com campo gravitacional muito intenso), não há nenhum mecanismo conhecido que possa deter sua contração. Nesse caso, o colapso culmina num buraco negro.
A partir daqui, desenrola-se a teoria de Poplawski. Segundo ele, o buraco negro, no seu limite de contração (o que é chamado de “horizonte de eventos”), teria uma expansão rápida e daria origem a um Universo. Assim, esse Universo estaria dentro de um imenso buraco negro que se expandiu violentamente depois de sua contração parar.
“Antes disso, nosso Universo era uma estrela que vivia no interior de outro grande Universo”, explica o físico. Em outras palavras, cada Universo viveria dentro de buracos negros que, por sua vez, poderiam possuir estrelas que, se altamente contraídas, dariam origem a novos buracos negros, com novos Universos dentro.
As explicações físicas para os buracos negros -que têm campos gravitacionais muito intensos- são complexas. A lei da gravitação de Isaac Newton, do século 17, por exemplo, não é suficiente para esclarecer esses corpos. Entram, então, em cena as famosas equações de Albert Einstein, propostas em 1915, sem as quais não é possível descrever o que acontece com um buraco negro. Poplawski apropriou-se amplamente dessas equações nos seus estudos.
Mas há uma limitação da teoria de Einstein, que pressupõe um campo gravitacional infinito. “Afinal, não pode haver quantidades infinitas na natureza”, explica o físico e divulgador científico Roberto Belisário, doutor pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Como a descrição de Einstein, portanto, não é completa, é preciso também levar em conta a mecânica quântica, que desde o início do século 20 fornece descrições mais precisas sobre sistemas microscópicos na tentativa de explicar fenômenos macroscópicos.
A teoria de Poplawski de que o Universo estaria dentro de um buraco negro vai além de uma inspiração sobre a origem do Universo. Ela quer também explicar uma das maiores inquietações da humanidade que serve, incansavelmente, de pano de fundo para a ficção científica: por que o tempo só anda para a frente?
A ideia da seta temporal em apenas uma direção, de maneira que não podemos voltar no tempo, mas apenas viajar pelo espaço, tem a ver, de acordo com o polonês, com uma espécie de herança que o Universo “filho” herdaria do buraco negro “mãe”. Universos filhos receberiam as propriedades, como o sentido do tempo, de suas mães, e se manteriam em assimetria com elas, assim como pedacinhos de papel jogados por uma janela seguem a direção do vento. E como o buraco negro se expande sempre numa única direção (por bilhões de anos), no Universo filho também só será possível viajar rumo a um único lugar: o futuro.
Se fosse possível detectar essas propriedades transmitidas de “mãe para filho”, haveria uma prova experimental da ideia do cientista polonês. Mas, ao que parece, a proposta do autor não foi construir uma teoria “testável”, mas mostrar que é possível dar conta da assimetria do tempo e da expansão do Universo com uma teoria. Para testá-la, os trabalhos de Poplawski precisariam ser aperfeiçoados de modo a incluir fenômenos novos e observáveis. 
Mas essa tarefa fica para a frente -para o futuro. (Sabine Righetti) (Folha de SP, 24/10)