1 – Copo de leite pode simular buraco negro
2 – Monitoramento de insetos ajuda na recuperação de áreas degradadas
3 – 65% da biodiversidade dos rios está ameaçada
1 – Copo de leite pode simular buraco negro
Pesquisa brasileira mostra que partículas em suspensão no líquido ajudariam a entender fenômenos cósmicos
Quem quer entender que diabos acontece num buraco negro talvez só precise observar um copo de leite.
Ou, pelo menos, um líquido que funcione mais ou menos como o leite, no qual estejam suspensas partículas de forma aleatória. A ideia acaba de ser proposta por cientistas brasileiros na “Physical Review Letters”, principal revista científica de física do planeta.
“É uma chance de estudar parte de um fenômeno tão exótico quanto um buraco negro com a ajuda de um líquido que você poderia ter na sua sala”, afirma Gastão Krein, do Instituto de Física Teórica da Unesp, que assina o estudo com dois colegas.
Para todos os efeitos, a situação “dentro” de um buraco negro e a que prevalecia quando ocorreu o Big Bang, fenômeno violento que teria dado início a este Universo, são basicamente as mesmas.
Em ambos os casos, o que se vê é, grosso modo, matéria e energia espremidas num espaço minúsculo, menos do que microscópico. Num contexto como esse, coisas estranhas começariam a acontecer, a começar pela violação de uma lei aparentemente fundamental do Cosmos: o limite da velocidade da luz.
“Numa situação como a de um buraco negro, espera-se que a velocidade da luz passe a variar de forma aleatória, mas o complicado é demonstrar isso matematicamente”, diz Krein. E se trata de algo impossível de observar diretamente, já que, conforme o próprio nome diz, buracos negros são objetos da qual nenhuma luz escapa, e o infeliz que tentasse chegar perto deles viraria pasta de partículas elementares, amassado pela imensa gravidade desses corpos celestes.
É aí que entra o copo de leite. “Ou melhor, provavelmente um fluido um pouco mais complexo, com micropartículas metálicas, por exemplo, embora o leite sirva para ilustrar de que tipo de líquido falamos”, conta Krein.
No novo estudo, os físicos brasileiros mostram que ondas de som se propagando por essa forma de líquido -como analogia com as ondas de luz- teriam um comportamento parecido com o que acontece em um ambiente de buraco negro. A velocidade das ondas de som também varia aleatoriamente, tal como se supõe que ocorra perto de buracos negros.
“Manipularíamos as características desse líquido em laboratório e, dessa forma, aprenderíamos algo sobre o que acontece nos buracos negros ou sobre como se deu o Big Bang”, diz Krein. O grupo está em busca de físicos experimentais que topem o desafio de fazer isso. (Reinaldo José Lopes) (Folha de SP, 29/9)
2 – Monitoramento de insetos ajuda na recuperação de áreas degradadas
Estudos sobre comportamento de formigas, gafanhotos e besouros trazem informações valiosas e auxiliam pesquisadores em diagnóstico de áreas impactadas
O que simples formigas, gafanhotos e besouros podem ajudar na recuperação de áreas degradadas? Para aqueles que estão à frente de pesquisas na área de entomofauna os insetos têm muito a contribuir, pois fornecem informações importantes em relação ao ambiente impactado, afirma a pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e integrante da Rede CTPetro Amazônia, Maria de Fátima Vieira.
Juntamente com a também pesquisadora Leonor Cristina Silva Souza, a pesquisa que tem como título “Entomofauna de Jazidas e Viveiros de Urucu (AM)” começou em 2004 e “procura reunir informações sobre a composição da entomofauna em plantios de idades diferentes, determinar a riqueza e abundância dos grupos de insetos selecionados, e verificar o comportamento alimentar mediante a utilização de iscas na recuperação de áreas degradadas da Base Operacional Geólogo Pedro de Moura (BOGPM)”, explica Vieira.
Segundo a pesquisadora, o monitoramento requer repetição. “Primeiro fizemos um diagnóstico do que existia e, a partir destas informações nós selecionamos os grupos que nos dariam um melhor caminho para o monitoramento das Jazidas 18, 22, 23 e da LUC 51 e 52” e, ainda completa: “nós escolhemos as jazidas para trabalhar de acordo com a sua idade. Pegamos jazidas de 0 a 5 anos de idade, ou seja, totalmente degradada e com os plantios iniciando; depois de 5 a 10 anos, ainda de 10 a 15 anos e acima de 15 anos, pois o nosso tempo era curto e queríamos saber qual era a resposta dentro de 20 anos. Portanto, nós fizemos este diferencial com relação à idade das jazidas a fim de saber o comportamento, por exemplo, das formigas”.
Os grupos-alvo escolhidos foram gafanhotos, formigas e besouros. Em relação aos gafanhotos, Vieira ressalta que “como eles são identificados como pragas na agricultura, destruidores de plantações, é importante entender o comportamento deste animal dentro de Urucu”.
Estratégias de captura
Sardinha, laranja triturada misturada com melaço de cana, banana amassada e uma papa de aveia, eis o cardápio para atrair os insetos. Conforme Vieira, o método exige rapidez; as iscas são distribuídas ao longo das jazidas e ao terminar de colocá-las (um processo que dura de 10 a 20 minutos) se inicia o recolhimento imediato, porque senão corre-se o risco das formigas as levarem.
Na retirada das iscas que eram colocadas em tiras de sacos plásticos ou copos descartáveis presos aos troncos das árvores, as pesquisadoras – no caso das formigas – as recolhiam, traziam para o laboratório e, a seguir, faziam a triagem e identificação.
“As formigas são numerosas e verificamos tanto a diversidade como a riqueza: a quantidade, quem são elas e depois traçamos seu comportamento ao longo do tempo e em relação às plantas que estavam sendo plantadas para o reflorestamento. Constatamos um saber já confirmado pela ciência que, por exemplo, a leguminosa ingá utilizada nas áreas de reflorestamento vive bem com as formigas e uma colabora com a outra para fazer com que o ambiente possa voltar ao seu estado quase normal”, afirma Vieira.
De acordo com a pesquisadora, as formigas são excelentes indicadores de áreas perturbadas, tendo em vista que determinadas espécies deste animal podem apontar que o ambiente edáfico se encontra em péssimas condições, e outras espécies podem indicar o contrário.
“Importante ressaltar que, as formigas são consideradas ‘engenheiras do solo’, pois enquanto brocas ou maquinários pesados não conseguem perfurar um solo altamente degradado e compactado, as mesmas realizam esta tarefa e formam pequenos canalículos que levam água para dentro do solo removendo a terra e, consequentemente, ajudando na recuperação da área”, disse Vieira.
Descobertas interessantes
Durante o monitoramento, a pesquisadora revela ter encontrado possivelmente uma nova espécie de gafanhoto, o Schistocerca sp., embora ele pertença a um grupo muito vasto. “Eu sou uma especialista e não consegui identificar, então é necessário fazermos um novo registro e uma descrição desse grupo”.
Em relação ao besouro, a equipe de pesquisa observou em Urucu uma espécie denominada Epicauta sp, um meloídeo que produz uma substância química chamada cantaridina, muito procurada pelos pesquisadores da área de biotecnologia, pois segundo informações esta substância pode ser usada no tratamento de células cancerígenas.
Um trabalho em parceria com 10 jovens cientistas – nove rapazes e moças e uma bolsista de apoio técnico – foi desenvolvido durante dois anos (2006 a 2008) e financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), com o objetivo de reproduzir e estudar o ciclo de vida tanto do besouro quanto do gafanhoto.
“Para o gafanhoto nós conseguimos recriar em cativeiro um ambiente favorável e observar todo seu ciclo vital, analisando suas fases evolutivas, o que nos possibilitou fazer previsões sobre seu comportamento, quais plantas podemos oferecer a ele para que tenha uma criação sadia ou não. Lamentavelmente, não fomos até o fim com os besouros, eles sempre morriam antes de desenvolver um ciclo vital completo. E fica a pergunta: o que existe na natureza de especial para que lá ele consiga crescer e se desenvolver? Esta é uma questão para se responder a longo prazo”, conclui a pesquisadora.
O futuro da ciência
Vieira acredita que, além das informações valiosas levantadas pela pesquisa, a possibilidade de trabalhar com jovens e trazê-los para dentro de laboratórios científicos é um dos grandes benefícios que sua profissão proporciona.
“O melhor caminho pra fazer com que a ciência chegue às pessoas comuns ou não cientistas é através da escola, dos alunos e professores do ensino fundamental, médio e superior. Eu gosto de trabalhar com adolescentes e sempre que possível os incluo em meus projetos”.
Na primeira etapa da pesquisa, em que participaram nove estudantes da rede pública de ensino do bairro Coroado, custeados pela Fapeam, foram realizadas duas exposições dentro de suas escolas sobre o trabalho, veiculando informação científica dentro do meio escolar, desmistificando a ciência. E, na segunda etapa, iniciada em 2009, quatro estudantes ingressaram na pesquisa. “Não entendo fazer ciência sem a ajuda do povo”, finaliza Vieira. (Sara Waughan, Assessoria de Comunicação da Rede CTPetro Amazônia)
3 – 65% da biodiversidade dos rios está ameaçada
Uso predatório de recursos naturais faz com que populações de países pobres e em desenvolvimento sejam as mais vulneráveis à falta de água
Os recursos hídricos e sua biodiversidade em todo o mundo estão em crise, ameaçados pela ação humana. Cerca de 80% da população mundial está exposta a um grau elevado de escassez hídrica e 65% das espécies que vivem nos rios estão ameaçadas. Os maus-tratos aos rios – que historicamente ordenaram a ocupação humana – custam aos países US$ 500 bilhões por ano em ações para remediar o problema.
Essas são as conclusões do mais amplo estudo realizado sobre o estado dos rios e bacias hidrográficas no mundo, publicado na edição da revista científica Nature que circula hoje. O trabalho foi conduzido por especialistas da Universidade da Cidade de Nova York e da Universidade de Wisconsin, além de sete outras instituições, e pode ser consultado no site riverthreat.net.
“Os rios de todo o mundo estão realmente em crise, tanto nos países ricos e industrializados quanto nos países em desenvolvimento”, afirmou ao Estado Peter McIntyre, professor de zoologia da Universidade de Wisconsin e um dos autores da pesquisa.
Segundo ele, os países ricos sofrem tanto quanto os pobres com os efeitos da degradação dos rios, mas estão mais protegidos da escassez por causa dos investimentos pesados que fazem em tecnologias de tratamento. Mas as nações pobres e em desenvolvimento devem ser as mais afetadas, se continuarem gerenciando seus recursos hídricos de forma predatória, com a construção de barragens, poluição, falta de saneamento e pesca predatória.
“No Brasil, os rios mais ameaçados são justamente os que estão mais próximos dos grandes centros urbanos, nas Regiões Sudeste e Nordeste.”
O estudo aponta que a porção brasileira do Rio Amazonas ainda está bem preservada, em comparação à nascente do rio, no Peru. “A maior parte do Amazonas está sob risco moderado, porque há baixa ocupação humana na sua extensão e há grandes porções de florestas no entorno.”
O estudo alerta ainda para a necessidade de uma gestão dos recursos hídricos que leve em consideração a proteção dos ecossistemas, em vez de apenas investir em despoluição, que é o modelo adotado pelos países ricos.
Na avaliação de Roland Widmer, coordenador do programa Eco-Finanças da ONG Amigos da Terra, o estudo traz uma nova abordagem. “Está na hora de sair da visão reducionista que reduz um sistema vivo como um rio a uma simples acumulação de água”, analisa.
Segundo ele, a visão de que os rios devem ser gerenciados tanto do ponto de vista da segurança hídrica quanto da biodiversidade deveria pautar o governo e também os bancos, que financiam grandes obras. (Andrea Vialli) (O Estado de SP, 30/9)