1 – Um dinossauro no Coração de Jesus
2 – Uma viagem pelas estruturas celulares
3 – Mistérios do mar
1 – Um dinossauro no Coração de Jesus
Pesquisadores do Museu de Zoologia da USP descobriram, em 2007, uma nova espécie brasileira de titanossauro, só revelada agora. O trabalho foi acompanhado pela reportagem de “O Estado de SP”
Jefferson Silva observa, curioso, os cientistas do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo arrebentarem uma corcova de terra próxima de sua casa, na região rural de Coração de Jesus, norte de Minas Gerais. O trabalho começa bruto, à base de enxadas e picaretas. Depois vêm os martelinhos, pincéis e outras ferramentas mais delicadas.
Pouco a pouco, em meio à poeira, o que parecia ser só um bloco de pedras soterrado e sem graça começa a tomar o contorno de um osso. Um grande osso.
“Quando a gente era pequeno, brincava que aqui era o campo dos dinossauros”, relembra Silva, de 17 anos, com um sorriso tímido nos lábios e sem parecer se importar com o calor de 40° C que castiga os forasteiros da universidade paulista. “Nunca imaginei que pudesse ser verdade.”
Ele conta que sempre viu pedaços de ossos por ali. Achava que eram de vaca ou de algum outro bicho da roça – nunca de um dinossauro de verdade. Mas eram exatamente isso. Muitos milhões de anos atrás, os ossos que os cientistas parecem esculpir da terra pertenceram a um titanossauro de 13 metros de comprimento e 10 toneladas de carne e osso. Um réptil gigante e pescoçudo que, segundo os pesquisadores, morreu à beira de uma lagoa e teve sua carcaça devorada antes de ser soterrado por um deslizamento de lama, cerca de 120 milhões de anos atrás.
O “campo dos dinossauros” que Silva pensava existir apenas em sua imaginação era a realidade da paisagem naquela época, em meados do período Cretáceo. Dinossauros de todos os tipos, grandes e pequenos, carnívoros e herbívoros, caminhavam por aquelas bandas no interior de Minas. E alguns deles, felizmente, tiveram seus restos preservados para contar a história.
Os primeiros relatos de que havia fósseis na região começaram a ecoar pelo sertão em maio de 2005, quando José Adão Pereira de Souza, um dos moradores mais folclóricos de Coração de Jesus – conhecido como Zezinho -, resolveu prestar atenção em alguns daqueles cacos estranhos de osso que pareciam aflorar de um barranco próximo.
Inicialmente, tal qual o garoto Silva, todos imaginavam ser ossos de vaca. Zezinho, porém, notou que os cacos eram pesados demais. “Pareciam pedra”, relembra ele. “Osso de gado costuma ser mais leve.”
Curioso, levou um fragmento para casa – desencadeando, assim, uma sequência inusitada de eventos e coincidências que levaria, três anos mais tarde, a uma das descobertas mais incríveis da paleontologia brasileira.
Zezinho ficou com o osso em casa por algumas semanas, sem dar muita importância. Até que, um dia, um oficial de Justiça bateu à sua porta para entregar um documento. Ele viu o osso e perguntou do que se tratava. Zezinho não sabia. De volta à cidade, o oficial comentou sobre o caso com outra figura folclórica da região: Ubirajara Alves Macedo, o Bira. Nascido e criado em Coração de Jesus, Bira é a enciclopédia viva da cidade. Se alguém pudesse descobrir de onde vinha aquele osso, esse alguém era ele.
Bira não perdeu tempo. Foi até a casa de Zezinho, pegou o caco emprestado e começou a ligar para todas as universidades mineiras que conhecia, pedindo que algum pesquisador fosse dar uma olhada. Ninguém foi. Só quem se interessou pela história foi uma rede de televisão local, que fez uma reportagem e levou um espeleólogo a tiracolo.
O espeleólogo (um especialista em cavernas) foi até o local onde Zezinho havia coletado o fragmento, cavou um pouco mais e descobriu uma costela encravada na rocha com mais de 1 metro de comprimento. Disse que era um osso de preguiça-gigante.
Bira não se convenceu. “Meu pai sempre dizia que Coração de Jesus era terra de dinossauros, que um dia a gente acharia um bicho desses por aqui.” Determinado a cumprir a profecia, ele continuou a ligar para universidades. De novo, ninguém foi.
O elo perdido
Até que a história foi bater nos ouvidos de Márcio Vieira Nobre, um jovem biólogo local, cujo pai era muito amigo do pai de Bira. No fim de 2005, ele estava de férias da faculdade quando soube, pela namorada, que havia um fóssil misterioso na cidade. Nobre também não perdeu tempo. Foi até a casa de Bira, examinou o osso e começou também a ligar para universidades pedindo ajuda. Ninguém apareceu.
Foi então que Nobre se lembrou de um sujeito no Orkut que dizia trabalhar com escavações – um baixinho troncudo que usava chapéu de Indiana Jones e atendia pelo apelido de Wolverine. Os dois não se conheciam, mas compartilhavam um hobby que acabou se tornando o “elo perdido” entre o dinossauro de Coração de Jesus e os pesquisadores da USP: ambos tinham uma caminhonete Rural, da década de 70, e por isso pertenciam a uma mesma comunidade no Orkut.
“Ele viu uma foto minha no Orkut de chapéu e pensou “Esse cara tem pinta de paleontólogo””, brinca Ricardo Domingues, o Wolverine – que, na verdade, é geólogo, mas trabalha com projetos de paleontologia no Museu de Zoologia da USP. Em setembro de 2005, ele recebeu uma mensagem de Nobre, contando sobre o fóssil de Coração de Jesus. Wolverine, então, contou a história para o professor Hussam Zaher, curador de herpetologia e paleontologia do museu.
Zaher ligou para Nobre. Quando soube que a tal costela tinha mais de 1 metro, colocou a equipe no carro e rumou para Minas. “Só podia ser dinossauro”, apostava Zaher.
No dia 14 de setembro de 2005, Zaher chegou a Coração de Jesus. Encontrou com Nobre, que o apresentou a Bira, que os apresentou a Zezinho, que os levou até o barranco onde estava a costela encravada. Puseram-se a cavar e, não demorou muito, descobriram outros ossos fossilizados. E não era preguiça-gigante, não. Era dinossauro. Dos grandes.
“Foi muito emocionante. Nunca imaginei que teria contato com uma coisa dessas”, relembra Nobre. Entre outubro e dezembro de 2005, os pesquisadores fizeram três expedições ao local, que ficou conhecido como Ponto 1. Desenterraram outras costelas, vértebras e um úmero de mais de 1 metro.
Mas essa não é a descoberta principal. A descoberta mais importante – um crânio completo de titanossauro – foi feita a 2 quilômetros dali, no chamado Ponto 4, onde o garoto Silva costumava brincar de “campo dos dinossauros”, e que os cientistas só começaram a escavar em 2007. “Desde então não conseguimos mais sair daqui”, conta, entre uma enxadada e outra, o paleontólogo Alberto Carvalho, responsável pelos trabalhos de escavação e preparação do fóssil.
A última expedição de coleta foi em março deste ano. Entre os Pontos 1 e 4, os pesquisadores já coletaram uma grande quantidade de fósseis, que podem representar até quatro animais diferentes. E ainda há muito o que explorar na região. “Se continuarem cavando, vão achar mais coisa, com certeza”, profetiza Zezinho, montado em seu cavalo.
Moradores torcem para que descoberta leve turismo e recursos para a região
José Adão Pereira de Souza, o Zezinho, não acreditou quando lhe disseram que o osso que ele havia achado era de um dinossauro. E que esse dinossauro viveu há 120 milhões de anos. “Achava que tinha uns 2 mil anos. Isso é de antes de Jesus; é coisa de outro mundo”, diz ele. “Esse bicho devia ser muito feio e muito teimoso. Não quis nem entrar na Arca.”
“A maioria do pessoal da cidade não acredita, não. Só de falar que tem gente da USP aqui, todo mundo já leva susto. A USP em Coração de Jesus?”, diz Ubirajara Macedo, o Bira. Ele torce para que a descoberta traga algum turismo e desenvolvimento para a região, extremamente carente de opções econômicas e de lazer. “Acho que o futuro daqui será por esse caminho, pelo dinossauro.”
Crânio é o mais completo de um titanossauro já descoberto no mundo
Cento e vinte milhões de anos após ser soterrado por um deslizamento de lama e transformado em fóssil, o crânio do titanossauro agora repousa sobre um travesseiro de areia, acomodado em uma gaveta de madeira no laboratório de paleontologia do Museu de Zoologia da USP.
Sobre ele, debruça-se o paleontólogo Alberto Carvalho, raspando cuidadosamente as últimas partículas de sedimento que permanecem grudadas ao osso. “Fico imaginando como ele era, como andava, o que ele comia. É tudo muito fascinante”, empolga-se o cientista.
O crânio à sua frente é, de longe, a peça mais importante entre as dezenas de ossos e fragmentos que a equipe do museu desenterrou em Coração de Jesus (MG) nos últimos cinco anos. Um crânio completo, desde o focinho até a nuca, e ainda com a mandíbula e todos os dentes preservados nos seus devidos lugares.
Em resumo: o mais completo crânio de titanossauro já encontrado no mundo, segundo o professor Hussam Zaher, atual diretor e curador das coleções de herpetologia e paleontologia do museu. “É uma descoberta para os livros de paleontologia”, diz ele, principal responsável pela pesquisa. “Todo mundo que estuda dinossauros vai olhar para esse bicho.”
Provisoriamente, o fóssil é chamado de Tapuiassauro, em uma referência a “tapuia”, como eram chamados em tupi os índios que habitavam o interior do Brasil. O nome oficial só será revelado após a publicação do trabalho científico que descreve a espécie, já submetido a uma revista internacional.
Fora este, apenas dois outros titanossauros – um dos grupos de grandes répteis quadrúpedes que viveram no período Cretáceo – têm crânios conhecidos: o Nemegtosaurus, da Mongólia, e o Rapetosaurus, de Madagáscar. Nenhum deles tão completo quanto o do Tapuiassauro e ambos relacionados a espécies bem mais recentes, que só aparecem no registro fóssil 50 milhões de anos mais tarde, já próximo ao fim do período Cretáceo – e dos dinossauros como um todo.
Análises da camada sedimentar em que o fóssil foi encontrado indicam que ele viveu entre 110 milhões e 130 milhões de anos atrás, na primeira metade do Cretáceo. “Sua descoberta preenche uma importante lacuna temporal e fornece novas informações sobre a anatomia cranial de titanossauros avançados nos estágios iniciais de sua história evolutiva”, escrevem os pesquisadores.
O Estado acompanha a pesquisa com exclusividade desde o início de 2009.
Reconstituição
Carvalho foi quem descobriu o crânio, em 14 de agosto de 2008. Uma data que ele não esquece. Era a sexta das nove expedições realizadas pela equipe na região desde setembro de 2005. “Foi difícil conter a euforia”, recorda o pesquisador.
Ao todo, foram resgatados 18 ossos completos ou parcialmente completos do Tapuiassauro, incluindo vértebras, costelas, um pé e uma mão, além de 47 fragmentos associados a outras partes do esqueleto – que terá uma réplica em tamanho real exposta no museu, no mês que vem. Muitas espécies de dinossauro já foram descritas com base em muito menos do que isso: um fêmur, uma vértebra, um pedaço do crânio ou até um único dente ou uma unha.
O número e a variedade de ossos preservados do Tapuiassauro permitem responder, ao menos parcialmente, a muitas das perguntas científicas que atiçam a imaginação de Carvalho e de outros aficionados por dinossauros. Como era a cara dele? Do que ele se alimentava? Como eram seus hábitos? Até que ângulo ele podia mover o pescoço? As narinas ficavam na ponta do focinho ou no topo da cabeça? E, se ficavam no topo da cabeça, será que ele mantinha o focinho enfiado na água para se alimentar de plantas aquáticas, sem bloquear a respiração?
A reconstrução do esqueleto mostra que o Tapuiassauro vivo tinha o tamanho de um ônibus: 4 metros de altura e 13 de comprimento, da ponta do focinho à ponta da cauda. Só o pescoço tinha uns 4 metros. A cauda era um pouco mais longa, porém mais fina. E não tocava o chão. “Era como uma ponte pênsil, uma coisa equilibrava a outra, o pescoço de um lado e a cauda do outro”, explica o biólogo Paulo Nascimento, doutorando do museu, que participa do projeto.
A cabeça, por outro lado, era pequena – uma característica comum a todos os titanossauros e outros grandes quadrúpedes pescoçudos da época. O crânio não chega a 50 centímetros de comprimento, bem menor do que o de um crocodilo, o que provavelmente facilitava enfiar a cara no meio das árvores para mastigar folhas. “Sem falar que, com um pescoço tão grande, seria preciso muita força muscular para sustentar uma cabeça maior”, aponta Nascimento.
Brasil conhece só 17 espécies
A fauna pré-histórica de dinossauros brasileiros ainda é pouco conhecida. Apenas 17 espécies já foram descritas para o País, em meio às mais de mil conhecidas no mundo. Mas esse número tende a crescer nos próximos anos, com a formação de mais paleontólogos e a intensificação das pesquisas, segundo especialistas do Museu Nacional do Rio de Janeiro, uma das instituições de maior tradição em paleontologia no Brasil.
“Em dez anos vamos passar de 50 espécies”, aposta Alexander Kellner, que já participou da descrição de vários dinossauros e pterossauros brasileiros – e tem pelo menos mais dois ou três na fila para os próximos anos. As estantes da sala de preparação de fósseis do museu estão abarrotadas de blocos de rocha embrulhada em gesso, contendo ossos de dinossauros. Muitos coletados há mais de quatro anos, em Mato Grosso. Porém nunca estudados.
“Tem um dinossauro novo aqui”, afirma Kellner, apontando para a estante, entusiasmado e angustiado ao mesmo tempo por causa da falta de pessoal técnico e de recursos necessários para acelerar o trabalho.
Na mesa de preparação, dentro de um dos blocos já abertos, é possível ver várias vértebras e pedaços de costela de um saurópode (nome geral dado aos dinossauros quadrúpedes e pescoçudos) de Mato Grosso. Muito provavelmente de uma espécie nova, já que não há nenhum dinossauro descrito ainda para aquela região. Ou talvez duas.
“No material já preparado encontramos dois fêmures direitos, então sabemos que temos ossos de dois indivíduos. Mas não sabemos ainda se são indivíduos da mesma espécie ou de espécies diferentes”, explica Kellner.
O que mais freia a pesquisa, segundo ele, é a falta de “preparadores de fósseis” – técnicos especializados no trabalho minucioso (e demorado) de separar os ossos das rochas e sedimentos nos quais eles estão fossilizados há milhões de anos. Não existe cargo para isso nas instituições públicas, e o jeito é contratar alunos temporários para fazer o serviço, usando verba de projetos. “Pesquisador tem, o que falta é equipe técnica, e dinheiro para contratar esse pessoal”, diz Kellner.
Não que esteja sobrando paleontólogos no Brasil. Pelo contrário. O Museu Nacional, ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro, é a instituição que tem o maior número: quatro. Muitas universidades têm apenas um – que precisa dar aulas, organizar cursos, orientar alunos e, quem sabe, fazer um pouco de pesquisa nas horas vagas.
“Talvez tenhamos uns 40 paleontólogos no Brasil. É muito pouco para um país deste tamanho”, diz o paleontólogo Sergio Alex de Azevedo, do Museu Nacional. “Só o Museo de La Plata, na Argentina, tem 20”, compara.
Saudades do campo
Com poucos profissionais, e todos eles sobrecarregados, sobra pouco tempo para o trabalho mais básico da paleontologia, que é coletar. “Uma coisa que nos preocupa é que os alunos mais novos vão muito pouco para o campo”, diz Azevedo. “O mais importante é cavar, é coletar. Sem isso não existe paleontologia”, reforça Kellner. O problema é que o trabalho de campo costuma ser demorado, logisticamente complexo e relativamente caro. Uma expedição básica de 30 dias custa pelo menos R$ 30 mil, segundo Azevedo.
O resultado é que a maior parte do conhecimento sobre a biodiversidade pré-histórica do Brasil continua enterrada, esperando para ser descoberta. “Ainda temos muitas áreas para serem exploradas”, diz o paleontólogo Max Langer, da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto. “Certamente há muitos tesouros ainda escondidos por aí.”
Quando os dinossauros surgiram, 230 milhões de anos atrás, no início do período Triássico, a maioria das massas terrestres ainda estava conectada em um supercontinente chamado Pangea. Segundo os pesquisadores, portanto, não há razão biológica ou geológica para que o Brasil tenha tido menos espécies de dinossauros do que qualquer outro lugar da Terra. Só falta descobri-los.
“Se fosse para fazer uma última expedição de campo, iria para a Chapada dos Guimarães, em Mato Grosso”, sonha Diógenes Campos, 67 anos, do Museu de Ciências da Terra do Departamento Nacional de Produção Mineral, um dos paleontólogos mais experientes, e ainda ativo, do País.
Kellner aposta suas fichas na Bahia. “Assim como a gente olha para a China hoje, vamos olhar para a Bahia, como um grande depósito de fósseis”, diz. “Tem muita coisa lá. Só não tem pesquisador.” (Herton Escobar) (O Estado de SP, 14/9)
2 – Uma viagem pelas estruturas celulares
Lançado em uma parceria entre Instituto Oswaldo Cruz e Universidade Federal Fluminense, o jogo Célula Adentro desafia estudantes dos ensinos médio e superior a decifrar questões científicas relacionadas à célula
Um jogo de tabuleiro, quatro duplas e um desafio: solucionar casos sobre biologia celular, molecular e fisiologia, “viajando” em organelas e estruturas celulares. É assim que estudantes dos ensinos médio e superior poderão aprender mais sobre o tema com o jogo Célula Adentro, desenvolvido pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), em parceria com o Instituto de Biologia da Universidade Federal Fluminense (UFF) e com apoio financeiro da Faperj e do CNPq.
Formulado a partir da abordagem do aprendizado pela solução de problemas (em inglês, Problem Based Learning), o jogo permite que os estudantes entendam, de forma lúdica, como os cientistas construíram alguns conceitos fundamentais relacionados às células, fazendo com que eles ajam como investigadores, simulando o método científico ao formular perguntas e buscar chegar a respostas.
“O objetivo é desafiar os alunos para que eles coletem, discutam e interpretem pistas para decifrar questões científicas. Para isso, são propostos diversos casos abordando aspectos relacionados ao estudo da célula: O Hóspede do Barulho (sobre a origem da mitocôndria), O Caso da Membrana Plasmática, Surfando na Célula (que tem como tema a infecção viral), Um por Todos (que aborda a morte celular) e A Pérola do Nilo (sobre biologia forense)”, explica Carolina Spiegel, professora da UFF e pesquisadora do Laboratório de Avaliação em Ensino e Filosofia das Biociências do IOC, idealizadora e coordenadora do projeto, juntamente com o professor da UFF Gutemberg Alves.
O jogo é cooperativo: as equipes jogam juntas para resolver o caso, colaborando entre si e correndo contra o tempo. Deste modo, todos vencem ou perdem juntos. As equipes têm 30 minutos para coletar, de forma independente, as dez pistas disponíveis. Ao fim do tempo de coleta, o participante coordenador recolhe e guarda as Cartas de Pista, e cada dupla apresenta as suas pistas.
Em seguida, as equipes se juntam, formando um único grupo, que tem 20 minutos para discutir e propor uma solução única do caso, que deve ser lida em voz alta para todos. Se a resposta do grupo estiver correta, todos ganham. O jogo tem ainda minidicionário com termos relacionados ao tema presentes nas pistas.
Em Célula Adentro, o professor também é parte integrante do jogo e desempenha um papel fundamental. “Ele deve estimular a discussão e fazer com que os alunos debatam sobre o assunto. Do ponto de vista pedagógico, a discussão é parte do jogo e, nesse sentido, o professor não deve dar as respostas aos alunos, mas mediar o debate. Ao final do jogo, o papel do professor torna-se mais evidente, pois ele deve coordenar a discussão, apresentando pista por pista para garantir que as dúvidas, curiosidades e questionamentos em relação ao vocabulário, aos gráficos e aos experimentos fiquem claros para os alunos”, avalia Carolina.
A formulação pedagógica de Célula Adentro está de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, que destaca a importância de levar ao aluno à prática de investigação cientifica e tecnológica. “O projeto poderia ter sido desenvolvido em forma de estudo dirigido, mas optamos pelo jogo pela possibilidade de transformar o processo de aquisição de conhecimento em uma atividade atrativa, interativa e agradável para os estudantes”, enfatiza a pesquisadora.
O jogo está disponível para download gratuito e impressão no site www.ioc.fiocruz.br/celulaadentro (Informações do Núcleo de Comunicação Social da UFF)
3 – Mistérios do mar
Novos métodos podem preencher lacunas científicas da genética de populações marinhas, diz especialista
O conhecimento atual sobre a genética das populações marinhas ainda é repleto de lacunas e, nos últimos 20 anos, muitos estudos sobre a dispersão desses organismos no tempo e no espaço levaram a resultados cientificamente inexplicáveis. Mas esses mistérios podem estar com os dias contados, de acordo com Joseph Neigel, do Departamento de Biologia da Universidade da Louisiana em Lafayette, nos Estados Unidos.
Segundo o cientista, pesquisas que tiveram resultados intrigantes no passado poderão ter seus dados reinterpretados, graças ao desenvolvimento de novos métodos e tecnologias que permitam identificar geneticamente as larvas e investigar sua distribuição temporal e espacial em comunidades planctônicas.
Neigel participou, na sexta-feira (10/9), do Workshop sobre biodiversidade marinha: avanços recentes em bioprospecção, biogeografia e filogeografia, realizado pelo programa Biota-Fapesp.
Seu grupo de pesquisa desenvolveu métodos inicialmente usados para identificar larvas de espécies invasivas, mas a utilização dessas técnicas foi reorientada de acordo com as lacunas científicas existentes.
“Logo percebemos que esse método de identificação das larvas poderia ser utilizado para determinar seu genótipo. Mais tarde, essas técnicas foram associadas a métodos estatísticos capazes de estimar o fluxo genético das espécies a partir do uso de sequências de DNA como marcadores moleculares. Com isso, podemos detectar a presença de um único organismo em uma grande amostra de plâncton”, disse Neigel à Agência Fapesp.
A combinação desses novos métodos com outras ferramentas – incluindo tecnologias desenvolvidas para campos como a pesquisa em biomedicina -, estão propiciando, segundo ele, uma rápida transformação no conhecimento sobre genética de populações marinhas.
“Houve avanços tecnológicos muito rápidos. Atualmente, por exemplo, usamos robôs para fazer boa parte do nosso trabalho de extração do DNA dos organismos. Isso tudo permite ter dados muito mais amplos e reinterpretar resultados de pesquisas antigas”, afirmou.
Neigel apresentou exemplos de mistérios científicos que poderão ser resolvidos com as novas ferramentas. Um deles se refere a um estudo realizado por seu grupo, no Golfo do México, com duas espécies de caranguejo – a Menippe andina e a Menippe mercenaria, ambas comuns em costões da região.
“Os estudos sobre essas espécies, que apresentam pequenas diferenças morfológicas, começaram em 1986. Os dois caranguejos foram analisados a partir de alozimas – formas alternativas de enzimas, codificadas por diferentes alelos de um mesmo lócus genético”, explicou.
As análises mostraram que as espécies eram muito diferentes geneticamente. Quanto à distribuição na costa norte-americana, a M. andina predomina no litoral do Texas e a M. mercenaria se espalha por toda a costa Atlântica da Flórida. Enquanto isso, no litoral da Flórida voltado para o Golfo do México, há uma faixa de transição com as duas espécies.
“Era difícil explicar essa mistura das duas espécies. Analisando a história geológica do continente, chegou-se a uma explicação provisória: entre os períodos Plioceno e Mioceno, quando os níveis dos mares eram mais altos, a península da Flórida estava submersa e havia uma corrente que ia do golfo para o oceano. A espécie M. andina invadia então a região da M. mercenaria. Quando o nível das águas baixou, esses ‘invasores’ ficaram isolados e, milhões de anos depois, havia uma região de espécie híbrida”, disse Neigel.
De acordo com essa explicação, as diferenças genéticas mais marcantes entre as espécies deviam remontar ao período anterior à alta da maré. Com a submersão da Flórida, houve uma mistura, que explicaria as sequências genéticas mais semelhantes.
Depois do recuo da maré, o fluxo gênico entre as duas espécies deveria ter cessado. Mas, segundo Neigel, essa explicação não se sustentou quando confrontada a dados mais recentes.
“Em 1998, uma pesquisadora do nosso grupo participou de estudo que testou essas previsões com um relógio molecular. Essa técnica é usada para relacionar o tempo de divergência entre duas espécies com o número de diferenças moleculares medidas entre as sequências de DNA ou proteínas: quanto maior a proximidade genética, menor o tempo de separação entre duas espécies. Os dados conseguidos nesses testes eram bem diferentes dos previstos caso a hipótese da barreira geográfica estivesse correta”, disse.
Novas perspectivas
Nas previsões, a sequência genética mais distinta deveria refletir 6 milhões de anos de evolução. O estudo com o relógio molecular mostrou uma divergência menor que a esperada, refletindo um período de 1,5 milhões a 2,7 milhões de anos. A sequência com maior similaridade deveria refletir 2,6 milhões de anos de evolução, segundo a previsão. Mas o estudo de 1998 mostrou que as espécies compartilhavam sequências idênticas há menos de 900 mil anos.
“O mistério permanece. Há milhares de estudos na área de genética de populações marinhas com esse tipo de lacuna científica. Mas, a partir de agora, as novas metodologias e tecnologias poderão levar a novos avanços, permitindo que olhemos esses dados sob novas perspectivas”, apontou.
Ao superar certas limitações tecnológicas, os cientistas começam também a mudar interpretações e tendências teóricas. Segundo Neigel, os pressupostos relacionados à seleção natural eram em boa parte responsáveis pelos dilemas científicos apresentados por certos estudos. Às novas metodologias, será importante associar novas interpretações.
“Percebemos que havia padrões de dispersão e distribuição das espécies demasiadamente complexos para serem explicados apenas por um mecanismo. Há algumas décadas, tudo era atribuído a mecanismos de seleção. Mais tarde, passou-se a acreditar que esse era o mecanismo menos importante. Estamos chegando à conclusão de que há um equilíbrio entre seleção natural, a deriva genética e os fluxos genéticos”, destacou. (Fábio de Castro) (Agência Fapesp, 13/9)