1 – Veneno contra a dor
2 – Estudo encontra fóssil mais antigo de animal
3 – No caos climático, evidências do aquecimento global
1 – Veneno contra a dor
Pesquisadores do Grupo Santa Casa, de Belo Horizonte, em parceria com a UFMG e a Funed, avaliam a ação da toxina da aranha-armadeira, que tem potencial analgésico maior que o da morfina
A picada da aranha-armadeira traz transtornos para suas vítimas. Além de dor imediata e severa, que, normalmente, irradia para o membro atingido, é comum ocasionar inchaço e dormência local, aumento dos batimentos cardíacos, elevação da pressão arterial e agitação psicomotora.
Contudo, é a partir de experiências bem-sucedidas com o seu temido veneno que um importante medicamento analgésico poderá entrar no mercado num futuro próximo. Graças ao poder da toxina, será possível tratar diferentes tipos de dores, como aguda, crônica, inflamatória, cirúrgica, neuropática (comum nos diabéticos) e, inclusive, aquela induzida pelo câncer.
“O setor farmacêutico procura um agente terapêutico efetivo para a dor, que não provoque tantos efeitos colaterais quanto produzem as drogas já existentes no mercado”, avalia Marcus Vinícius Gómez, professor da pós-graduação do Instituto de Ensino e Pesquisa (IEP) do Grupo Santa Casa, em Belo Horizonte.
Segundo ele, alguns laboratórios já se mostraram interessados em dar início aos testes clínicos em humanos com a toxina que foi purificada na Fundação Ezequiel Dias (Funed) e cujas ações farmacológicas foram por ele estudadas em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Concluída essa etapa, o caminho é partir para a produção efetiva de um novo medicamento, que terá produção garantida graças à obtenção da toxina recombinante (desenvolvida em laboratório), que repete os efeitos analgésicos do veneno natural da aranha.
A ação terapêutica da substância retirada da armadeira (Phoneutria nigriventer), patenteada com o nome de Ph-alfa-1beta, vem sendo estudada há cerca de 15 anos pelos pesquisadores mineiros. Nas experiências básicas, avaliou-se seu comportamento em diversos modelos de dor.
Os resultados mostraram que ela é mais potente em seu efeito analgésico do que a morfina e, além disso, sua ação dura mais, cerca de 24 horas. Esses resultados possibilitaram que o grupo de pesquisadores publicasse a pesquisa na revista Pain, de grande renome no meio científico, especialmente no que se refere a estudos relativos à dor.
Os cientistas também demonstraram que a toxina atua em dois alvos terapêuticos da dor, tornando-se a única no mercado a atingi-los. Além disso, na comparação com a droga Prialt, recentemente liberada para uso humano nos Estados Unidos, observaram que o veneno da aranha provoca menos reações adversas. Se comparada com a morfina, a toxina da armadeira ainda traz a vantagem de não desenvolver tolerância, ou seja, ela exerce sua ação analgésica independentemente do número de vezes que é aplicada, o que não ocorre com a morfina.
Segundo Gómez, a toxina da aranha age impedindo a entrada de cálcio nos terminais nervosos e, consequentemente, inibindo a liberação do glutamato, um neurotransmissor presente no líquor da medula espinhal. Nesse aspecto, os pesquisadores mediram a concentração de glutamato no processo doloroso e observaram que a toxina da aranha era mais potente em diminuir o glutamato do líquor da medula espinhal do que os analgésicos atualmente em uso.
O professor afirma que, no veneno de aranha, foram isoladas outras duas toxinas. Uma nas arritmias cardíacas e outra nas isquemias cerebral e da retina. No caso da isquemia, a toxina seria responsável por proteger a célula da morte induzida pelo choque isquêmico. No estudo da isquemia da retina, projeto desenvolvido pelo IEP em parceria com a Clínica Oftalmológica da Santa Casa, verificou-se que a toxina atua provocando regeneração das células que foram comprometidas.
Já nas pesquisas envolvendo arritmias cardíacas, que estão sendo realizadas em parceria com pesquisadores do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG, os resultados demonstram que a ação da toxina envolve o aumento da liberação da acetilcolina, neurotransmissor que atua no sistema nervoso central. As toxinas envolvidas nos três estudos foram purificadas na Funed e deram origem a duas patentes. Uma terceira está sendo solicitada pelos pesquisadores. (Vanessa Jacinto) (Correio Braziliense, 18/8)
2 – Estudo encontra fóssil mais antigo de animal
Achado de 650 milhões de anos na Austrália é o registro mais antigo de seres complexos; estrutura pertenceu a esponjas marinhas primitivas
Numa descoberta que empurra para trás a data do surgimento dos primeiros animais no planeta Terra, cientistas da Universidade Princeton, nos Estados Unidos, anunciam a descoberta dos mais antigos fósseis de um corpo animal, o que indica que criaturas primitivas semelhantes a esponjas viviam em recifes marinhos há 650 milhões de anos.
Os fósseis, descobertos debaixo de um depósito glacial de 635 milhões de anos no sul da Austrália, representam a mais antiga evidência de corpo animal, superando o recorde anterior em pelo menos 70 milhões de anos.
Na primeira metade da Era Neoproterozoica (de 1 bilhão a 542 milhões de anos atrás), a Terra viveu um período de grande agitação: à fragmentação do macrocontinente conhecido como Rodinia foram somadas mudanças na composição dos oceanos, que passaram de uma composição química rica em sulfatos a uma abundante em ferro, e o incremento notável dos níveis de oxigênio na atmosfera.
Poderia se dizer que esse período constituiu a revolução biológica mais importante que o planeta viveu, já que foi nessa época que os seres unicelulares evoluíram para formas mais complexas e deram lugar aos primeiros organismos pluricelulares, antepassados da fauna atual.
Graças à técnica do relógio molecular – que estima as datas para a evolução com base nos conhecimentos adquiridos sobre os mecanismos bioquímicos que a governam -, já se sabia que as esponjas surgiram de 850 a 635 milhões de anos atrás, mas ainda não havia nenhuma prova fóssil.
Os pesquisadores de Princeton Adam Maloof e Catherine Rose encontraram os novos fósseis enquanto trabalhavam num projeto sobre os vestígios de uma era glacial de 635 milhões de anos atrás.
Suas descobertas, publicadas na edição de terça-feira (17/8) da revista Nature Geoscience, oferecem a primeira evidência direta de que vida animal existiu antes – e provavelmente sobreviveu – ao evento conhecido como “Terra Bola de Neve”, quando a chamada glaciação marinoana deixou boa parte do planeta coberta de gelo. “Estamos acostumados a encontrar lascas de lama no meio da rocha e, à primeira vista, foi o que pensamos que estávamos vendo”, disse, por meio de nota, Maloof.
“Mas então notamos essas formas repetidas aparecendo em toda parte – forquilhas, anéis, placas perfuradas, bigornas. No segundo ano, notamos que tínhamos achado um tipo de organismo e decidimos analisar os fósseis. Ninguém esperava que encontrássemos animais que viveram antes da era glacial. E já que os animais provavelmente não evoluíram duas vezes, fomos, de repente, confrontados com a questão de como algum parente desses animais sobreviveu à Terra Bola de Neve”, pondera. (Alexandre Gonçalves) (O Estado de SP, 18/8)
3 – No caos climático, evidências do aquecimento global
Cientistas americanos começam a abandonar a cautela e a apontar o aumento da temperatura causado pelo homem como origem de desastres
Inundações causaram danos em diferentes regiões dos Estados Unidos, no atual verão no Hemisfério Norte. Um dilúvio no Paquistão atingiu 20 milhões de pessoas. E ondas de calor cozinharam o leste dos EUA, partes da África, da Ásia Oriental e sobretudo a Rússia, onde milhões de hectares de trigo foram perdidos e milhares de pessoas morreram por causa da pior seca da história do país.
Aparentemente sem relação, esses desastres indicam, segundo os cientistas, que o aquecimento global provoca essas mudanças extremas do clima. “Eventos extremos vêm ocorrendo com maior frequência e em muitos casos com maior intensidade”, diz Jay Lawrimore, chefe do departamento de análise climática do Centro Nacional de Dados Climáticos em Asheville, na Carolina do Norte.
Em teoria, o mundo aquece por causa dos gases-estufa, o que provoca temporais no verão, nevascas no inverno, seca mais intensa em alguns lugares e ondas de calor em outros. Evidências estatísticas mostram que isso começou a ocorrer.
Mas não ficou mais fácil ligar ocorrências climáticas específicas às mudanças climáticas. Muitos climatólogos relutam em ir tão longe, observando que o clima já se caracterizava por uma notável variabilidade muito antes de o homem começar a queimar combustíveis fósseis.
“Se alguém me perguntar se, pessoalmente, acho que a intensa onda de calor na Rússia tem a ver com as mudanças climáticas, a resposta é sim”, diz Gavin Schmidt, pesquisador da Nasa. “Mas ao me perguntar se, como cientista, tenho provas disso, a resposta é não – pelo menos até agora”, completa.
Na Rússia, essa cautela vem sendo adotada pelos estudiosos. O país sempre assume um papel relutante nas negociações globais para lidar com essas mudanças – talvez em parte porque espera tirar proveito econômico com o aquecimento do seu vasto território siberiano. Mas as ondas de calor, seguidas de seca e incêndios, numa região normalmente fria, parecem estar fazendo os russos mudarem de ideia.
Se a Terra não estivesse aquecendo, as variações aleatórias do clima deveriam causar o mesmo número recorde de altas e baixas de temperatura durante um dado período. Mas os climatólogos há muito entendem que, teoricamente, num mundo que vem esquentando, o calor adicional causaria mais recordes de altas de temperatura e menos quedas. As estatísticas sugerem que está acontecendo exatamente isso.
Hoje, nos EUA, temos uma queda recorde de temperatura em relação a dois recordes de alta, uma evidência reveladora de que, em meio a todas as variações aleatórias do clima, a tendência é no sentido de um clima mais quente.
Tempo inusitado. De acordo com um estudo do governo americano publicado em 2008, “nas últimas décadas, excepcionalmente, grande parte da América do Norte observou mais dias e noites quentes, menos dias e noites frios e menos dias gelados”, o que também é inusitado. Mas as chuvas se tornaram mais frequentes e mais intensas.
Pesquisas mostram que o aquecimento global vai agravar essas mudanças extremas em grande parte do planeta. Áreas úmidas ficarão ainda mais úmidas, dizem os cientistas, enquanto que as regiões secas se tornarão mais secas.
Mas não são padrões uniformes: as mudanças na circulação dos ventos e dos oceanos podem ter efeitos inesperados, como algumas áreas ficando mais frias num mundo mais aquecido. E padrões climáticos estabelecidos há muito tempo, como as variações periódicas no Oceano Pacífico conhecidas como El Niño, devem contribuir para tais ocorrências excepcionais, como as fortes chuvas e temperaturas frias em partes normalmente áridas da Califórnia.
Para os cientistas, vamos observar tempestades mais violentas no inverno e no verão, em grande parte por causa do princípio físico de que o ar mais quente contém mais vapor de água.
Vamos esperar de um a dois anos até os climatólogos publicarem suas análises definitivas sobre as ondas de calor na Rússia e as inundações no Paquistão, que poderão esclarecer o papel da mudança climática nesses casos. Alguns estudiosos suspeitam de que esse calor e essa chuva foram causados ou agravados por uma mudança em uma corrente de ar que circula em altas altitudes.
Alguns casos recentes foram tão severos que alguns cientistas estão abandonando sua tradicional posição de cautela e atribuindo ao clima a ocorrência de certos desastres. Kevin Trenberth, chefe do departamento de análises climáticas do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica em Boulder, Colorado, sugeriu em um estudo que o furacão Katrina trouxe mais chuvas para a Costa do Golfo porque a tempestade foi intensificada pelo aquecimento global. (Justin Gillis, do New York Times) (O Estado de SP, 18/8)