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Informativo 319 – Fraude em ciências; Queimadas e “Buraco” na proteção ao clima

1 – Cresce a fraude em ciências – e no BRASIL?

2 – Queimadas cresceram 179% no país

3 – Mundo pode ter “buraco” na proteção ao clima

 

1 – Cresce a fraude em ciências – e no BRASIL?

 

Preste atenção neste assunto: fraudes em pesquisas científicas. Elas estão aumentando e vão continuar assim, dada a competição feroz por reputação e verbas nesse campo da criatividade humana.
Nada menos que 72% dos pesquisadores incluídos numa revisão ampla de 2009 afirmam já ter presenciado algum tipo de má conduta. As falcatruas vão de pecados veniais, como a inclusão honorária de autores que não participaram de um estudo, a pecados capitais, como falsificar ou fabricar dados.
Nas faculdades de medicina brasileiras, por exemplo, é prática comum pôr o nome do chefe da cadeira entre as assinaturas de um artigo científico, mesmo que ele não tenha noção do que vai escrito ali. Há quem defenda a aberração, argumentando que o fulano criou as condições
para que a pesquisa fosse realizada.
Sendo assim, por que não incluir também o nome do reitor em todos os estudos realizados numa universidade? Antes que algum reitor ou bajulador afoito se encante com a idéia, aviso que se trata de um argumento por absurdo.
Reconhecimento honesto da autoria de trabalhos originais é um dos pilares da ciência. Fidelidade na descrição dos métodos e dados é outro, pois é crucial poder reproduzir observações e experimentos. Por toda parte há quem se disponha, no entanto, a marretar os pilares do edifício.
Não deve ser por acaso que se realizou em Cingapura, de 21 a 24 de julho, a Segunda Conferência Mundial sobre Integridade em Pesquisa. O evento lançou para discussão aberta na internet o documento “Singapore Statement” (Manifesto de Cingapura), que lista 13 princípios e dá a seguinte definição de integridade científica:
“Integridade em pesquisa é definida como a confiabilidade da investigação por força da solidez de seus métodos e da honestidade e precisão na sua apresentação. Falta integridade à pesquisa quando seus métodos ou apresentação distorcem ou deturpam a verdade”.
O caso mais rumoroso em andamento é o de Marc Hauser, célebre pesquisador da Universidade Harvard no campo da psicologia evolucionista (novo nome da polêmica área da sociobiologia, surgida nos anos 1970). Hauser é o autor de influentes trabalhos – inclusive experimentos com macacos – sobre a origem de comportamentos morais na evolução darwiniana por seleção natural.
O raciocínio básico da psicologia evolucionista afirma que, se algo existe hoje, é porque foi selecionado no passado por conferir vantagem adaptativa. Coisas como senso de justiça e altruísmo teriam sido úteis para a sobrevivência de indivíduos ou espécies primatas, em priscas eras, e por isso teriam sobrevivido (possivelmente “codificadas” no DNA da espécie). Há quem conclua daí que as pessoas são boas ou más por causa de seus genes, o que ajuda a entender a popularidade desses estudos.
Hauser é um pouco mais sofisticado. Seu livro “Moral Minds”, de 2006, teve boa repercussão. A qualidade de alguns de seus trabalhos científicos, porém, começou a ser investigada há pelo menos um ano por Harvard, noticiaram os jornais “Boston Globe” e “The New York Times”.
A imprensa brasileira aparentemente ignorou a péssima notícia. Se quiser ler algo em português, dirija-se ao diário luso “Expresso”.
Tratei do assunto em comentário no blog Ciência em Dia, quarta-feira passada, no qual concluí, talvez indevidamente, que Harvard o havia afastado. Não está claro ainda, mas parece que Hauser se afastou voluntariamente, a julgar pela resposta automática para mensagens de e-mail em que afirma estar em licença e trabalhando furiosamente na conclusão de um livro, “Evilicious: Why We Evolved a Taste for Being Bad” (Por que Evoluímos para o Gosto de Sermos Maus), segundo se pode ler em reportagem do jornal “Harvard Crimson”, que voltou a tratar do assunto aqui.
Alguns trabalhos do grupo de Hauser em periódicos já estão sendo retirados (cancelados), por desacordo entre dados e conclusões, mas não se conhecem detalhes. Nem Hauser, nem seus alunos, nem a universidade estão dando entrevistas sobre a investigação.
Pode ser uma maneira de preservar a reputação pessoal de Hauser, claro. Se for isso, mesmo, reforçaria a hipótese de que os erros (ou fraudes) sejam menores, ou cometidos sem seu conhecimento por um integrante júnior da equipe.
O galho é que, sem esses esclarecimentos, toda a obra de Hauser e de seus colaboradores fica sob suspeita. Não dá para saber se houve uma falha localizada de supervisão, ou uma prática corrente em seu laboratório. O silêncio de Harvard só contribui para turvar ainda mais as águas.
A Escola Médica de Harvard pelo menos criou um Escritório de Integridade Científica. Agora tente encontrar na página da Faculdade de Medicina da USP, a mais prestigiada do país, algo similar a isso –se existe, não se encontra com muita facilidade.
Alguém duvidaria, em sã consciência, que fraudes científicas vão de vento em popa também no Brasil? (*)MARCELO LEITE é repórter especial da Folha, autor dos livros “Folha Explica Darwin” (Publifolha) e “Ciência – Use com Cuidado” (Unicamp) e responsável pelo blog Ciência em Dia (Ciência em dia). Escreve às quartas-feiras neste espaço.

 

2 – Queimadas cresceram 179% no país

Inpe registrou 204,8 mil focos este ano até sexta-feira (13/8), contra 73 mil no mesmo período de 2009
O número de focos de queimadas no Brasil aumentou 179% de 1º de janeiro até sexta-feira (13/8), na comparação com o mesmo período do ano passado. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) verificou 204.810 registros de queimadas, ante 73.100 de janeiro a meados de agosto de 2009. Nos dois relatórios, Mato Grosso aparece como o estado com o maior volume de queimadas, com 47.357 focos este ano. No ano passado, foram 16.569 queimadas naquela região.
Rio teve 424 focos de queimada, contra 126 em 2009 O Pará ocupa a segunda colocação. Foram 30.002, contra 4.811 no ano passado, quando o estado aparecia em quarto lugar no ranking.
Já Mato Grosso do Sul, onde foram registrados 8.147 focos de queimadas entre janeiro e agosto do ano passado, agora aparece em 11º lugar, com 6.327. O Rio de Janeiro registrou neste ano 424 focos de queimada, contra 126 no ano passado.
Os dados são baseados nos três satélites de referência utilizados pelo instituto, o NOAA15 (manhã e noite) e NOAA-12 (noite), segundo os dados postos à disposição no site oficial do Inpe.
Num recorte dos dados, o instituto registrou 13.823 focos de queimadas apenas sexta-feira em todo o país, e não só em áreas de floresta. A maioria está concentrada nas regiões Norte e Centro-Oeste. Segundo o Inpe, a estiagem e a baixa umidade relativa do ar aumentam o risco de incêndios.
Em Mato Grosso, havia, até o início da noite de sexta-feira, 4.284 focos de queimadas. No norte do estado, o município de Marcelândia foi atingido por um incêndio que destruiu serrarias e pelo menos 100 casas. No Acre, que está em alerta ambiental desde a última segunda-feira, o número de focos de queimadas caiu de 246 para 14.
No Pará, foram 836 focos de calor em todo o estado. Tocantins teve 1.434 focos, o Maranhão, 609, a Bahia, 598, e Rondônia, 539. Em Goiás e no Distrito Federal, onde a umidade relativa do ar está abaixo dos 25%, o Inpe registrava n sexta-feira 644 e 27 focos de queimadas, respectivamente.
Na comparação com outros países, também utilizando os três equipamentos, o Brasil aparece no topo da lista entre os países com o maior número de queimadas nesse período. O México vem logo atrás, com 55.165 focos, seguido de Zaire (47.564), Bolívia (44.425), Angola (30.834), Venezuela (28.400), Estados Unidos (18.275), Paraguai (18.195) e Argentina (13.002). (Flávio Freire) (O Globo, 14/8)

 

3 – Mundo pode ter “buraco” na proteção ao clima

Cancún não deve gerar desenho de novo tratado contra o aquecimento
É cada vez maior entre negociadores internacionais o sentimento de que o mundo ficará sem um acordo de proteção ao clima por algum tempo após 2012, quando expira a primeira fase do Protocolo de Kyoto. 
Brasileiros ligados à discussão ouvidos pela “Folha de SP” afirmam que seria ambicioso demais até mesmo ter o desenho do novo acordo pronto na conferência de Cancún, em novembro.
No máximo, alguns pontos pendentes desde a malfadada conferência do clima de Copenhague seriam resolvidos neste ano.
O debate mais importante -quanto os países se dispõem a cortar em suas emissões de gases de efeito estufa- só começaria no ano que vem, na reunião da África do Sul. E nada garante que ele seja resolvido lá.
Como leva um tempo entre a adoção de um acordo internacional e sua ratificação pelos parlamentos dos países (Kyoto, por exemplo, levou oito anos para ser ratificado), dificilmente um tratado entraria em vigor em 2013. É o que os especialistas chamam de “buraco de implementação”.
“Isso teria impactos na luta contra o aquecimento global, sobre o mercado de carbono e sobre o próprio mercado”, diz Luiz Alberto Figueiredo Machado, negociador-chefe do Brasil.
Segundo ele, o buraco de implementação poderia sinalizar para a economia que tecnologias limpas não são uma prioridade de investimento, retardando sua entrada no mercado.
Foi o que aconteceu com o setor de energia limpa nos EUA em 2001, depois que o presidente George W. Bush rejeitou Kyoto.
“Quero que em Cancún sejam dados passos na direção certa, independentemente de chegarmos ao resultado ou não”, afirma Figueiredo.
O problema é que “ninguém consegue entrar em acordo sobre qual é o caminho”, diz o cientista político David Victor, da Universidade da Califórnia em San Diego, nos EUA.
“O buraco é muito mais do que de implementação. Há um vácuo internacional de governança”, afirma Victor. Nesse vácuo, diz, será difícil levantar dinheiro para projetos como para redução de emissões por desmatamento.
Cancún pode ter avanços: é possível que seja anunciada a criação de centros regionais de tecnologias limpas, que usariam a verba de US$ 30 bilhões até 2012 combinada em Copenhague.
Mas o principal avanço, paradoxalmente, deve ser a morte oficial do Acordo de Copenhague.
Brasil teme “FMI ambiental” nas metas de redução
Apesar de ser um documento fraco e de ter sido rejeitado por vários países, o Acordo de Copenhague contém entendimentos políticos considerados importantes.
Essas assimilações devem ser incorporadas ao texto do chamado LCA, que debate o futuro regime de proteção ao clima em todo o mundo.
A esperança é que a meta de limitar o aquecimento a 2ºC e o fundo verde para o combate à mudança climática nos países em desenvolvimento – pontos do acordo- virem itens “oficiais”.
Mas Copenhague deixou também uma espécie de “ativo tóxico” que está causando celeuma entre os países ricos e aqueles que estão em desenvolvimento.
É a chamada ICA, sigla em inglês para Análise e Consultoria Internacional.
O termo foi criado pelo Acordo de Copenhague para designar a verificação das metas voluntárias de redução de emissões de poluentes adotadas pelos países em desenvolvimento e sem financiamento externo.
EUA, o Japão e outros países que estão no grupo dos desenvolvidos acham que a ICA deve ter cunho de debate político, no qual as ações verificadas seriam passíveis de cobrança -da mesma forma como o FMI (Fundo Monetário Internacional) prescreve políticas para vários países.
Já alguns países emergentes, como o Brasil, veem isso como uma ingerência externa e defendem que a ICA seja apenas um órgão técnico e não de regulação das políticas ambientais.
Como a ICA só vale para países em desenvolvimento, teme-se também que os EUA fiquem, mais uma vez, livres para adotarem suas ações de redução de CO2 como, quando e se quiserem.
“O Brasil não tem problemas com transparência, mas tem problemas com análise do tipo que o FMI faz”, disse à Folha o embaixador extraordinário para a Mudança do Clima, Sérgio Serra. (Cláudio Ângelo) (Folha de SP, 16/8)