1 – Tráfico leva 50% de tesouro do Araripe
2 – Supertatus tinham toca para escapar de dente-de-sabre
3 – Rato de 6 quilos é descoberto
1 – Tráfico leva 50% de tesouro do Araripe
Comércio ilegal de fósseis em chapada nordestina afeta mais pterossauros; 14 das 24 espécies estão no exterior
Pesquisadores acabam de mapear o tamanho do estrago que o comércio ilegal de fósseis na bacia do Araripe, no Nordeste, já causou à ciência brasileira.
Das 41 espécies de vertebrados terrestres extintos já descobertas no Araripe, 21 têm seus exemplares de referência armazenados em museus do exterior. Ou seja, cientistas do país precisam ir para a Europa, os Estados Unidos e o Japão para poder estudar tais bichos direito.
O caso é ainda mais grave no caso dos pterossauros, répteis voadores que são o símbolo da riqueza fóssil do Araripe. De 24 espécies descobertas, 14 têm seus exemplares de referência (os ditos holótipos) no exterior.
Cada novo trabalho sobre um fóssil, principalmente quando se quer entender as relações de parentesco entre os seres vivos, envolve a comparação com os holótipos. “O custo disso para o cientista brasileiro nesses casos é algo muito sério”, diz um dos autores do estudo, Felipe Augusto Correa Monteiro, mestrando da Universidade Federal do Ceará.
Mais complicado ainda: no caso do tráfico de fósseis do Araripe, o que é vendido ilegalmente para museus e colecionadores estrangeiros “é sempre o material com melhor estado de preservação”, afirma outro membro do grupo, Felipe Lima Pinheiro, mestrando da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
No caso do Araripe, essa preservação pode chegar a níveis espetaculares, revelando tecidos moles (pele e até vasos sanguíneos dos bichos de 100 milhões de anos). “É o material que acaba dando capa da “Nature” e da “Science” para o paleontólogo”, diz Marcos Fontenele Sales, da Universidade Federal do Ceará, referindo-se às duas principais revistas científicas do mundo.
Embora o número de holótipos surrupiados tenha sido mapeado só agora, a situação já é conhecida há anos. Para os pesquisadores, o único jeito de contorná-la é dar alternativas de renda à população pobre da área, que hoje repassa os fósseis a atravessadores por uma ninharia. (Reinaldo José Lopes) (Folha de SP, 25/7)
2 – Supertatus tinham toca para escapar de dente-de-sabre
Pesquisadores já mapearam cerca de 200 dos refúgios no Rio Grande do Sul, em São Paulo e Santa Catarina
Por que diabos um supertatu da Era do Gelo, coberto por uma armadura natural e munido de garras possantes, precisaria se esconder sob a terra, como os tatus atuais?
“Você tem de lembrar que um dos predadores da época era o Smilodon [o célebre dente-de-sabre]”, explica Francisco Sekiguchi Buchmann, da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de São Vicente. “Portanto, provavelmente valia a pena.”
Buchmann e seus colegas estão descobrindo como era extensa a rede de bunkers antidente-de-sabre dos supertatus. Segunda a última contagem, apresentada no 7º Simpósio Brasileiro de Paleontologia de Vertebrados, já são cerca de 200 paleotocas, como os pesquisadores as chamam – algumas ainda intactas, outras (a maioria) já preenchidas por terra.
Com até 45 metros de comprimento, os túneis se espalham por diversas localidades no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e em São Paulo. Os buracos estão vindo à tona aos montes durante, por exemplo, cortes de terra feitos para obras de infraestrutura em vários municípios.
As paleotocas são grandes o suficiente para abrigar humanos – agachados, bem entendido. Isso permitiu que Buchmann e colegas como Renato Pereira Lopes, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), estudassem em detalhe tanto o interior das que se encontram desobstruídas quanto sua disposição no ambiente.
Esse trabalho de detetive revelou, em primeiro lugar, que os escavadores dos túneis eram tão cuidadosos quanto os construtores de um metrô na hora de montar suas supertocas.
“Não adianta simplesmente cavar um buraco no chão, porque a chuva vai encher aquilo de água em dois tempos”, explica Lopes.
Os bichos, portanto, aproveitavam as encostas de grandes barrancos. O mapeamento dos locais com a ajuda do GPS (Sistema de Posicionamento Global) sugere que os cavadores levavam em conta variáveis como posição do Sol, ventilação e presença de água na hora de construir seus ninhos.
Na Era do Gelo, a partir de 400 mil anos atrás (idade estimada para as paleotocas), não faltavam criaturas avantajadas que pudessem ter criado a rede de túneis. As pistas, porém, apontam para os supertatus – mais especificamente bichos do gênero extinto Propraopus, por exemplo, significativamente maiores que os tatus-canastras do Brasil moderno.
São pistas indiretas: marcas de garras, de pelos e de osteodermas (como são conhecidas as unidades que formam a carapaça dos tatus) que batem com o que se conhece dos Propraopus. Ao se arrastar pelas galerias, explicam os pesquisadores, os bichos deixaram tais marcas.
Uma característica paradoxal das paleotocas é o fato de elas apareceram aos montes no mesmo lugar. “Eles formavam condomínios”, diz Buchmann. Paradoxal porque tatus são bichos solitários, e não sociais. O ajuntamento dos bunkers provavelmente tem a ver com o terreno favorável, e não com algum interesse dos supertatus em vizinhança animada.
Falta ainda a prova definitiva: achar o fóssil de algum dos bichos “em casa”. “Nas tocas ainda abertas, o contato com o ar deve ter decomposto os ossos”, afirma ele.
(Reinaldo José Lopes) (Folha de SP, 25/7)
3 – Rato de 6 quilos é descoberto
Ossos de roedor encontrados no Timor-Leste pertenceram ao maior rato de que se tem notícia, que viveu há menos de 2 mil anos
O peso está mais para o de um cão pequeno ou de um gato com sobrepeso. Seis quilos é realmente inusitado para um rato. Segundo os pesquisadores responsáveis pela descoberta, trata-se do maior rato de que se tem notícia.
Ken Aplin, do Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation, na Austrália, e Kris Helgen, do Smithsonian Institution, nos Estados Unidos, escavaram ossos de 13 roedores, 11 dos quais até então desconhecidos para a ciência, em um sítio arqueológico no Timor-Leste.
“O leste da Indonésia é um hot spot da evolução de roedores e exige maior atenção de esforços de conservação. Roedores respondem por cerca de 40% da diversidade de mamíferos no mundo e são elementos-chave dos ecossistemas, importantes para processos como manutenção dos solos e dispersão de sementes. Manter a biodiversidade entre ratos é tão importante como proteger aves ou baleias”, disse Aplin.
Análises feitas pelos pesquisadores indicaram que o rato de 6 quilos – do gênero Coryphomys – viveu até cerca de 1,5 mil anos atrás, no mesmo período que a maioria dos outros roedores descobertos.
Apenas uma das espécies dos ossos encontrados na escavação sobrevive até os dias de hoje. Os maiores ratos vivos na atualidade chegam a 2 quilos e vivem em florestas nas Filipinas e na Nova Guiné.
“A ilha do Timor é habitada há mais de 40 mil anos e as pessoas caçaram e se alimentaram de roedores durante esse período, mas as extinções não ocorreram até recentemente”, disse Aplin. O estudo foi publicado na edição de julho do Bulletin of the American Museum of Natural History.
“Achamos que as pessoas viveram sustentavelmente no Timor até cerca de 1 mil a 2 mil anos atrás. Isso indica que extinções não são inevitáveis quando pessoas chegam a uma ilha qualquer. A abertura de grandes áreas de floresta para a agricultura provavelmente causou as extinções e isso apenas foi possível após a invenção de ferramentas de metal”, disse.
Em cada uma das ilhas do leste da Indonésia, segundo o estudo, evoluiu um conjunto único de ratos. Aplin também encontrou seis novas espécies de ratos em uma caverna na ilha de Flores.
A ilha do Timor (que reúne Timor-Leste e Timor-Oeste) tem poucos mamíferos nativos, com morcegos e roedores fazendo a maioria das espécies. Boa parte do país atualmente é árida, em contraste com as florestas tropicais do passado.
Mas os cientistas acham que, ainda assim, há espaço para novas descobertas. “Embora menos de 15% da cobertura de floresta original do Timor permaneça, partes da ilha ainda contam com florestas densas. Quem sabe o que pode haver ali?”, disse Aplin.
(Agência Fapesp, 27/7)