1 – Cientistas criam modelo para estudar a ‘respiração’ da Terra
2 – Evolução emprestada
3 – Chuva destrói meio bilhão de árvores
1 – Cientistas criam modelo para estudar a ‘respiração’ da Terra
Segundo o estudo, as plantas absorvem 122 mil milhões de toneladas de dióxido de carbono por fotossíntese a cada ano
O ciclo de “respiração” da Terra, ou a interação entre a vegetação do planeta e a atmosfera, é peça fundamental no estudo das mudanças climáticas, mas até agora a maneira como se dá essa interação estava envolta em incertezas. A complexidade dos processos envolvidos impedia a elaboração de modelos climáticos precisos para, por exemplo, prever o clima que o mundo terá daqui a algumas décadas. Mas agora duas equipes internacionais de cientistas foram capazes de criar modelos para determinar parâmetros essenciais da respiração do planeta.
Esses modelos foram criados reunindo dados obtidos durante dez anos em 250 estações da rede Fluxnet – um projeto que acompanha o intercâmbio entre os ecossistemas terrestres e a atmosfera. Segundo os modelos, as plantas absorvem 122 mil milhões de toneladas de dióxido de carbono por fotossíntese a cada ano – 34% deste total é absorvido pelas florestas tropicais, 26% pelo cerrado, mesmo que estas últimas ocupem o dobro do território.
Um segundo estudo mostra que a quantidade de CO2 exalado por ecossistemas não só depende de variações de temperatura, mas também da água disponível. Especialistas explicam que estes dois estudos são essenciais para melhorar a compreensão das alterações climáticas, porque, como afirmam os cientistas do Instituto de pesquisas Max Planck, na Alemanha, “o clima é muito temperamental, muitos fatores estão envolvidos e vários mecanismos de interação potencializam processos como o dos gases de efeito estufa provenientes da atividade humana”.
Graças a medidas contínuas que foram tomadas em diferentes partes do mundo pelas estações da Fluxnet, os cientistas conseguiram dados sobre a quantidade de carbono fixado na fotossíntese das plantas e como elas liberam este mesmo carbono na chamada ‘respiração’. Os resultados das investigações das duas equipes, lideradas por cientistas do Max Plank, foram divulgados na revista Science.
O trabalho desses pesquisadores não só permite uma avaliação global do CO2 que é fixado na fotossíntese das plantas (conhecida como a Produção Primária Bruta, ou GPP, na sigla em inglês), mas também detalha a sua distribuição espacial. “O GPP contribui para o bem-estar humano, como base para a produção de alimentos, fibras e produção de madeira. Além disso, juntamente com a respiração das plantas, é um dos principais processos de controle do intercâmbio de CO2 entre o solo e a atmosfera, dando aos ecossistemas terrestres a possibilidade de compensar, em parte, as emissões de origem humana”, disse o cientista Christian Beer em entrevista à Science.
O segundo estudo centra-se diretamente na respiração dos ecossistemas e os fatores que a acentuam. Embora tenha havido especulações sobre a influência marcante das mudanças de temperatura neste processo metabólico pelo qual os organismos devolvem o CO2 para a atmosfera, os resultados apresentados até agora surpreendem até mesmo os autores da pesquisa: a respiração dos ecossistemas é pouco sensível às mudanças na temperatura do ar, mas é muito sensível às precipitações.
A equipe do pesquisador Michael D. Mahecha analisou 60 diferentes ecossistemas e considerou que “a disponibilidade de água desempenha um papel determinante no ciclo de carbono dos ecossistemas.” Eles analisaram savanas, áreas de florestas tropicais, os ecossistemas agrícolas e os bosques da Europa Central e ficaram muito surpresos com o fato de que todos eles reagem de forma muito similar às mudanças de temperatura. (Terra, 11/7)
2 – Evolução emprestada
Em estudo na “Science”, cientistas descrevem mecanismo evolutivo até então desconhecido: moscas usam bactérias para anular ação de vermes invasores que colocavam em risco permanência da espécie
Por que adaptar seus genes se há uma alternativa muito mais rápida: emprestar as adaptações necessárias para sua sobrevivência de outro indivíduo?
Há mais de um século entende-se que um princípio básico da evolução é que animais e plantas podem se adaptar geneticamente de modo que tais mudanças ajudem em sua sobrevivência e reprodução. Agora, uma pesquisa destaca um mecanismo evolucionário até então desconhecido.
Estudos anteriores sempre indicaram que características que aumentam a capacidade de um animal de sobreviver e reproduzir eram conferidas por genes favoráveis, passados de uma geração a outra.
Em artigo publicado na edição desta sexta-feira (9/7) da revista Science, John Jaenike, da Universidade de Rochester, e colegas descrevem um exemplo surpreendente de bactéria que infecta um animal, dando a esse último uma vantagem reprodutiva. E o invasor é passado para as crias, espalhando o benefício e garantindo a permanência da espécie.
A relação simbiótica entre hospedeiro e bactéria dá ao primeiro uma defesa especial contra algum risco em seu ambiente, que é transmitida pela população por meio de seleção natural, de forma similar à que ocorre com um gene favorável.
Segundo os autores do trabalho, o fenômeno foi identificado agora, mas não deve ser exclusivo aos organismos em questão e pode estar ocorrendo há muito tempo.
Os pesquisadores também apontam que, além de colocar em cena um importante mecanismo evolucionário, a descoberta poderá ajudar no desenvolvimento de métodos que usem bactérias como defesa contra doenças em humanos.
A descoberta foi feita em uma espécie de mosca, a Drosophila neotestacea, que é tornada estéril por nematelmintos, vermes parasíticos abundantes que atingem animais e plantas. Os nematelmintos invadem fêmeas jovens dessas moscas, evitando que elas possam reproduzir.
Mas quando uma fêmea de Drosophila neotestacea é infectada também por um gênero de bactéria conhecido como Spiroplasma, o crescimento dos vermes é afetado, impedindo-os de esterilizar a mosca.
Os pesquisadores também descobriram que, como resultado do impacto benéfico da ação da bactéria, essa está se espalhando pela América do Norte, aumentando rapidamente de frequência nas moscas à medida que passa de uma geração a outra.
Por meio da análise de exemplares da Drosophila neotestacea preservados na década de 1980, Jaenike e colegas calcularam que a bactéria estaria então presente em cerca de 10% das moscas. Em 2008, a frequência havia aumentado para 80%.
“Essas moscas estavam realmente sendo esmagadas pelos nematelmintos na década de 1980 e é impressionante ver como elas estão se dando bem melhor atualmente. A proliferação da Spiroplasma nos faz pensar na rapidez das ações evolucionárias que estão ocorrendo abaixo da superfície de tudo o que enxergamos lá fora”, disse Jaenike.
“Esses simbiontes transmissíveis são uma forma de um hospedeiro adquirir uma nova defesa muito rapidamente. Em vez de modificar seus próprios genes – que não são muito diversos, para começo de conversa -, o melhor pode ser simplesmente incorporar um novo organismo”, disse Nancy Moran, da Universidade Yale, em comentário sobre o estudo.
A descoberta pode ter consequências importantes para o controle de doenças em humanos. Nematelmintos transmitem diversas doenças graves, como elefantíase, e podem causar problemas como cegueira. Agora que se conhece uma evidência de defesa natural contra esses vermes, abre-se um caminho para usar esse fenômeno como estratégia contra tais invasores.
O artigo Adaptation via symbiosis: recent spread of a drosophila defensive symbiont (doi: 10.1126/science.1188235), de John Jaenike e outros, pode ser lido por assinantes da Science em www.sciencemag.org. (Agência Fapesp, 12/7)
3 – Chuva destrói meio bilhão de árvores
Amazônia sofrerá ainda mais com aquecimento
Em dois dias de tempestades, a Amazônia pode ter perdido até 663 milhões de árvores.
Um estudo inédito sobre o impacto das chuvas na floresta reacende o debate sobre o futuro da região, que, com as mudanças climáticas, pode receber precipitações ainda mais frequentes e severas nas próximas décadas.
Financiado pela Nasa e pela Universidade de Tulane, nos EUA, o estudo será publicado na próxima edição da revista “Geophysical University Letters”.
Pesquisadores americanos e brasileiros analisaram o estrago deixado, em janeiro de 2005, por uma linha de instabilidade tropical, como é chamado um aglomerado de tempestades em uma área que chega a mil quilômetros de extensão. As mortes de árvores, também atribuídas a ventos de até 140 km/h, fizeram a floresta deixar de capturar 23% do carbono mantido na região anualmente.
A área vitimada pelas precipitações foi mapeada por satélite e estudos de campo. Os pesquisadores estimam que as clareiras deixadas pelas tempestades são cobertas pelo crescimento da vegetação em até um ano.
– Este foi o primeiro projeto a mensurar a perda de árvores na Amazônia causada por uma série de tempestades – ressalta Carlos Raupp, um dos coautores do estudo e professor do Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista. – A recuperação da floresta costuma ser rápida, mas sua velocidade varia de acordo com o regime de chuvas.
O mapeamento concluiu que entre 441 milhões e 663 milhões de árvores foram derrubadas em apenas dois dias de tempestades. É o equivalente a 30% da devastação anual da região de Manaus – cuja taxa de destruição da cobertura vegetal é uma das mais baixas de toda a floresta.
A pesquisa sobre a megatempestade nasceu no ano passado, quando outro levantamento, publicado pela revista “Science”, calculou a perda de vegetação causada pela seca. De acordo com a publicação, a mortalidade da flora amazônica atingiu o pico em 2005, ano em que a floresta enfrentou uma das mais graves estiagens das últimas décadas.
Tempestade e seca no mesmo ano
Os pesquisadores, no entanto, não quiseram atribuir o pico de mortes apenas à seca – afinal, o fenômeno não atingira a Amazônia Central, área circundada por Manaus.
– Não queríamos culpar apenas a estiagem pela mortalidade crescente que chegou a certas partes da Bacia Amazônia – pondera Jeff Chambers, autor do levantamento sobre as tempestades e pesquisador da Universidade de Tulane. – Havia fortes evidências de que uma tempestade havia acabado com uma grande quantidade de árvores em uma área significativa da floresta.
Chambers e sua equipe, então, debruçaram-se sobre o impacto da linha de instabilidade que varreu a cobertura vegetal no início de 2005, o mesmo ano da seca recorde.
– É um fenômeno que ocorre com uma frequência considerável, principalmente entre dezembro e abril e do litoral norte para o sudoeste – explica Raupp. – As linhas chegam debilitadas a outras regiões do país, já que a duração dessas tempestades é de, no máximo, dois dias. É possível verificar a causa mortis de cada árvore. Aquelas acometidas pela seca costumam definhar em pé e sem folhas; as vítimas da chuva normalmente estão caídas pelo solo.
Em regiões próximas a Manaus, até 80% das plantas devem sua morte aos temporais. Ainda assim, a Amazônia não conta com levantamentos indicando qual fator natural provocou mais devastação na floresta.
– Além das fraturas abordadas por estes estudos, não podemos ignorar o desmatamento provocado pelo homem, cujas baixas podem chegar a dimensões ainda maiores com as mudanças climáticas – lembra Raupp.
A derrubada de árvores, independentemente da causa, faz com que a floresta capte menos carbono para fotossíntese. Uma quantidade maior de gases-estufa, portanto, é liberada para a atmosfera, contribuindo com o aquecimento global.
O aumento das temperaturas provoca maior vaporização. A formação de chuvas ganha frequência e severidade.
E as linhas de instabilidade tendem a provocar impacto ainda mais significativo na Amazônia. (Renato Grandelle) (O Globo, 13/7)