1 – Ensino superior, mas nem tanto
2 – Biodiversidade e biotecnologia
3 – Estudo questiona lista oficial de peixes em risco no país
1 – Ensino superior, mas nem tanto
Governo amplia rede de universidades, mas UFRJ, a mais antiga, sofre com falta de manutenção, insegurança e expansão desordenada
Prestes a deixar o governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva diz ter criado mais universidades federais que qualquer outro presidente. Mas oito das 13 que afirma ter feito, na verdade, já existiam e foram ampliadas ou federalizadas. Enquanto isso, porém, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a primeira do Brasil, sofre com a falta de estrutura e a expansão desordenada, o que compromete a qualidade dos cursos. Na medicina, turmas com até cem alunos têm aulas de anatomia em só duas peças de cadáver. Na arquitetura, as pranchetas usadas são obsoletas, reclamam os alunos. Na comunicação, das 12 câmeras fotográficas, seis estão quebradas.
Há problemas graves ainda no alojamento e no Hospital Clementino Fraga Filho, usado como hospital escola.
Nos dois últimos anos, 22 novos cursos de graduação foram criados na UFRJ. A meta é que até 2020 o número de alunos mais que duplique e saia dos 41.007 de 2008 para 88.530. Porém, na contramão dessa corrida pelo ensino superior – um dos temas-chave da eleição presidencial deste ano, já que a falta de mão de obra qualificada é um dos gargalos do desenvolvimento do país -, o investimento público direto em educação por estudante na educação superior, segundo o Ministério da Educação (MEC), caiu de R$ 15.341 em 2000 para R$ 14.763 em 2008.
Além disso, apesar de o orçamento do Ministério da Educação ter aumentado em valores absolutos nos últimos anos – de R$ 16,5 bilhões em 2003 para R$ 36 bilhões em 2009 -, o percentual do orçamento do MEC em relação ao PIB (Produto Interno Bruto) teve ligeira queda, segundo estudo da Associação dos Docentes da UFRJ (Adufrj) com dados do Senado e do IBGE: de 1,1% do PIB em 2003 para 1,04% em 2009.
– O orçamento do MEC, em termos absolutos, cresceu porque o PIB cresceu, e não porque tenha havido aumento da parcela do orçamento federal – diz Luis Eduardo Acosta, presidente da Adufrj.
O MEC contesta esses percentuais, sem dizer, porém, quais seriam os corretos: o orçamento informado pelo ministério soma o orçamento da pasta com verba do Financiamento Estudantil (Fies, da Caixa) e do salário-educação.
Ao todo, desde 2003, o país ganhou 117 campus e o número de vagas foi de 109,2 mil para 222,4 mil em 2010.
Porém, a relação da função “educação superior” no orçamento federal em relação ao PIB também não cresceu: de cerca de 0,46% em 2003, foi para 0,4% em 2008, diz o estudo.
“São anos de abandono”
A criação de novas universidades pelo governo faz parte do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), programa de ampliação do ensino superior que inclui também a expansão de universidades já existentes. Para participar, as universidades pactuam metas de aumento de número de vagas, algumas vezes sem condições de cumpri-las.
Da primeira turma de Relações Internacionais, Tomaz Soares fez vestibular achando que teria aulas no campus da Praia Vermelha, Zona Sul do Rio. Dias antes do início do período, descobriu que as aulas seriam numa sala do Centro de Ciências da Saúde, no Fundão. No começo deste ano, começou a ter aulas no Centro.
– Esperava uma faculdade de excelência, mas parece que a UFRJ vive mais de nome – diz Tomaz.
Para Pablo César Benetti, presidente da Comissão do Plano Diretor da UFRJ, que gerencia a execução das metas da universidade no Reuni, não oferecer um curso por gargalos de infraestrutura “é burrice”:
– Os alunos terem aula no Fundão não é problema. Eles podem consultar bibliotecas na Praia Vermelha e no Centro. A universidade não é uma unidade isolada. Querer uma sala mostra mentalidade tacanha.
Segundo Benetti, a UFRJ recebeu, para o biênio 2009-2010, R$ 117 milhões para investir em obras e equipamentos, incluindo laboratórios didáticos de informática, compra de veículos para ronda e mobiliário: – Nunca tivemos tanto dinheiro.
Para Claudio Antonio Tonegutti, do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), as universidades não querem abrir mão do dinheiro e das vagas de concurso do Reuni, e por isso dizem que cumprirão metas não factíveis:
– As metas têm de ser cumpridas de 2008 a 2011, é uma expansão rápida demais para estruturas já tão complicadas.
Reuni à parte, a UFRJ continua com problemas antigos, como a insegurança no Fundão, que, em 2009, teve 30 casos registrados de furto, 11 de roubo, um estupro e dois seqüestros relâmpago. Com a mesma extensão de Ipanema e Leblon, o campus conta só com quatro carros da PM – Ipanema e Leblon têm cem PMs em seu entorno -, além de seis veículos e de 70 vigilantes da universidade.
Na tarde da última terça-feira, no subsolo do Centro de Ciências da Saúde, não havia vigilantes. Foi no subsolo onde, em 2009, uma professora e alunas de nutrição foram assaltadas por um homem armado.
– Os corredores são isolados. Depois das 17h nem gosto de andar muito por aqui – diz Alessandra Siqueira, do 5operíodo de nutrição.
Outro problema de infraestrutura no Fundão é o alojamento de estudantes, hoje com 500 vagas. Prefeito da UFRJ, Hélio de Mattos reconhece os problemas: – São anos de abandono. O prédio está condenado.
O prédio do Hospital do Fundão também não está muito melhor: no fim de junho, uma ala foi interditada devido a um abalo em dois pilares.
Parte das enfermarias do 8oao 11oandar está sem funcionar até hoje.
– Temos um hospital enorme e leitos vazios. Nas aulas, muitas vezes 30 alunos ficam ao redor de um só paciente – conta Ricardo Rebelo, do 5operíodo de medicina.
– Não espero ver o anexo da Central de Produção Multimídia pronto antes de me formar – diz Kenzo Soares, aluno do 3º período de comunicação. (Alessandra Duarte e Carolina Benevides) (O Globo, 11/7)
2 – Biodiversidade e biotecnologia, artigo de Rodrigo C. A. Lima
“É importante assegurar que o desenvolvimento da biotecnologia não traga danos à biodiversidade”
Rodrigo C. A. Lima é advogado, gerente-geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone) e conselheiro do Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB). Artigo publicado em “O Estado de SP”:
Este é o Ano Internacional da Biodiversidade, e em outubro ocorrerá a 10.ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica, a COP 10, em Nagoya, no Japão. O objetivo da convenção é preservar a biodiversidade, o uso sustentável de seus componentes e fomentar a repartição dos benefícios oriundos da utilização dos recursos genéticos. Em paralelo ocorrerá a MOP5, reunião do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança. A relação entre biodiversidade e biotecnologia é o foco deste protocolo, já que é importante assegurar que o desenvolvimento da biotecnologia não traga danos à biodiversidade.
Na MOP5, as partes deverão adotar um regime de responsabilidade e compensação por danos que organismos geneticamente modificados vivos (OVMs) possam causar à biodiversidade. O escopo do protocolo deve considerar um grão de soja ou de milho, bactérias e qualquer OVM que possa transferir ou replicar material genético. A ideia de um mecanismo de responsabilidade e compensação por danos é, na prática, uma forma de regular exceções e possibilitar que, caso danos concretos aconteçam, a biodiversidade seja restaurada.
Mas, apesar dessa clareza sobre o objetivo da negociação, há propostas descabidas que precisam ser seriamente combatidas. A ideia de criar seguros para poder vender qualquer OVM – seja um grão que será usado para processamento ou uma bactéria de uso industrial – é, no mínimo, desprovida de fundamentos científicos. Fazendo um paralelo com as regras da Organização Mundial do Comércio que regulam medidas destinadas a proteger a vida e a saúde humana, animal e vegetal, a ideia dos seguros só seria justificada se esses produtos efetivamente trouxessem uma ameaça concreta de danos à biodiversidade.
O argumento do princípio da precaução, pelo qual medidas devem ser tomadas quando os riscos são desconhecidos, não cabe como regra geral, pois, além de os OVMs passarem por análise de risco, o comércio desses produtos ocorre quando ambos os países o autorizam. Além disso, a ideia do princípio de precaução já amadureceu o suficiente a ponto de exigir um mínimo de evidências e dados para que seja possível justificar a adoção de medidas preventivas. Da mesma forma que um OVM pode vir a causar dano à biodiversidade, um produto híbrido, orgânico ou convencional também pode fazê-lo, e, curiosamente, esses produtos passam por seus processos de análise de risco e são utilizados sem que haja preocupação exacerbada.
Outro argumento contra a adoção de seguros ou garantias financeiras é o aumento do custo de alimentos, energia e fibras sem que isso seja necessário para preservar a biodiversidade. É muito mais eficaz os países criarem um fundo para reparar danos sérios e mensuráveis, com o apoio de empresas e ONGs, do que aumentar o preço de milhares de alimentos, bebidas e produtos que, na prática, não poderão replicar seu material genético. E aí aparece outro ponto sensível da negociação: a ideia de incluir produtos derivados, o que é flagrantemente contra os objetivos do protocolo, pois apenas produtos que possam transferir material genético devem ser considerados.
O Brasil não defende a adoção de seguros ou garantias financeiras. É essencial que o setor privado de sementes, grãos, enzimas, bactérias, árvores e micro-organismos derivados da biotecnologia acompanhe essa discussão e forneça suporte para os negociadores brasileiros, que enfrentarão uma dura negociação em outubro. O que está em jogo não é o interesse maior em proteger a biodiversidade, mas os obstáculos para o desenvolvimento e a adoção de tecnologias que podem trazer inúmeros benefícios econômicos, ambientais e sociais.
O foco do Brasil nessas negociações é proteger sua biodiversidade, mas sem deixar que propostas como a ideia de seguros e de produtos derivados criem obstáculos desnecessários ao País. Biodiversidade e biotecnologia não são universos que se chocam, mas que podem ser mutuamente benéficos. (O Estado de SP, 10/7)
3 – Estudo questiona lista oficial de peixes em risco no país
Número de espécies ameaçadas pode ser até seis vezes maior do que o imaginado, diz um novo levantamento
A lista oficial de espécies ameaçadas no Brasil elenca 133 peixes sob risco de sumir no país, mas o número verdadeiro pode ser entre quatro e seis vezes maior, revela um novo levantamento.
O estudo, publicado recentemente na revista científica de acesso livre “PLoS One”, mostra como a biodiversidade dos rios do país anda mal das pernas. Embora o Brasil abrigue a maior variedade de peixes de água doce do planeta, com quase 2.600 espécies registradas em 2007, 819 delas são classificadas, na pesquisa, como potencialmente ameaçadas.
A lista de espécies levantada pela pesquisa abrange, em geral, bichos de pequeno porte, não muito conhecidos do público, mas nem por isso menos importantes.
Segundo Buckup, no ecossistema dos rios, essas espécies ocupam uma posição intermediária entre os insetos e as grandes espécies de peixes migratórios.
São animais como piabas, cascudos e coridoras, esses últimos importantes economicamente por serem apreciados pelos aquaristas.
“É importante lembrar que esse número se refere apenas às espécies com distribuição geográfica restrita”, disse à Folha o ictiólogo (especialista em peixes) Paulo Buckup, do Museu Nacional da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
“Há também as espécies migratórias, de grande porte, as quais, em muitos casos, também sofrem ameaças sérias.”
Buckup e seus colegas da ONG Conservação Internacional, do Museu de Zoologia da USP e de outras instituições tomaram como base, na análise feita, 540 microbacias hidrográficas, pertencentes às grandes redes de rios do país.
Nessas pequenas bacias, eles mapearam as espécies que só ocorrem em tais regiões delimitadas, cujos registros feitos por cientistas são relativamente escassos.
Segundo critérios internacionais, esse fato já é suficiente para considerá-las vulneráveis ao sumiço permanente. Com esse método, os cientistas chegaram ao número de 819 espécies.
Bacia do Paraná tem estado mais crítico
O grupo de pesquisadores fez também um mapeamento das microbacias afetadas pela destruição do ambiente original no seu entorno.
Entram nessa categoria bacias com 70% ou mais da área desmatada e com menos de 30% de sua extensão correspondente a áreas protegidas por lei.
A partir desse critério, ou avaliando o impacto direto de hidrelétricas sobre as bacias, os pesquisadores puderam classificar as áreas estão em estado crítico.
Resultado: 40% das microbacias brasileiras, nas quais vivem 344 espécies de peixes que só existem nelas, estão nessa situação.
O quadro é especialmente feio nas bacias do Paraná (78% em estado crítico), Uruguai (67%) e nas várias pequenas bacias do Atlântico (mais de 40%).
Nas microbacias perto da costa, a pequena dimensão das redes de rios ajuda a explicar as ameaças aos peixes, já que eles naturalmente têm distribuição mais restrita, conta Buckup. Essas áreas têm densa ocupação humana e o muitas hidrelétricas.
“No rio Grande [fronteira de São Paulo com Minas Gerais] havia cânions, com espécies adaptadas a corredeiras. Esses bichos desapareceram dali. Agora há é um lago com até espécies amazônicas e africanas”, afirma.
De fato, essas espécies invasoras são outra grande ameaça nas regiões mais ocupadas. Em todos os rios do planalto de São Paulo, como o Tietê, embora a diversidade de espécies exclusivas hoje seja relativamente baixa, é bem provável que muitas tenham desaparecido no começo do século 20 sem nem terem sido registradas pela ciência.
Aliás, entre as oito espécies que o estudo aponta como ameaçadas na região em que será construída a usina de Belo Monte, no Xingu, está uma vedete dos aquários, o cascudo-zebra (Hypancistrus zebra).
Segundo o ictiólogo, é preciso planejar com cuidado áreas protegidas que englobem as microbacias críticas para evitar extinções. (Reinaldo José Lopes) (Folha de SP, 10/7)