1 – A reforma da natureza
2 – A conta da devastação ambiental
3 – Concurso sobre biodiversidade inscreve até 1º de setembro
4 – Fóssil de superpredador encontrado no Brasil
1 – A reforma da natureza
Área da biologia sintética, que prevê alterar radicalmente organismos, começa a trazer dividendos industriais
Quem ainda se arrepia só de pensar em soja transgênica talvez devesse repensar suas preocupações. Em vez de um ou outro gene estranho inserido em vegetais que, de resto, são prosaicos, que tal organismos transformados da cabeça aos pés, otimizados para fazer todo tipo de serviço industrial ou médico? A ideia não tem nada de impossível. Aliás, tais organismos já estão por aí.
Temores um tanto luddistas à parte, é nesse tipo de iniciativa, conhecido pelo nome de biologia sintética, que algumas das grandes esperanças de avanço econômico e melhora das condições ambientais do planeta estão sendo depositadas. E, embora ainda haja muito a ser feito, é indiscutível que a abordagem já esteja dando resultados viáveis economicamente, afirma Gonçalo Amarante Guimarães Pereira, pesquisador da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) que trabalha no ramo.
“Eu estive numa empresa nos Estados Unidos recentemente, e o plástico de que é feita a caneta que eu trouxe de lá foi produzido via biologia sintética”, diz Pereira. “Então, a resposta é sim, já é uma realidade”, enfatiza ele.
Um artigo recente na revista científica “Nature Reviews Genetics” confirma a tendência. Para os autores, Ahmad Khalil e James Collins, da Universidade de Boston (EUA), o campo “chegou à maioridade”. Para a dupla, uma das principais utilidades dos organismos sintéticos -por enquanto, micróbios como bactérias e leveduras- é realizar operações lógicas, como se fossem computadores biológicos. Pereira, no entanto, prefere outra forma de explicar a área: trata-se de fazer com que os organismos de interesse se comportem de maneira que jamais seria “programada” neles pela evolução.
Só para elas
“Um exemplo são as leveduras com que trabalho. Elas produzem etanol, claro, que nós usamos como combustível, mas elas fazem isso para combater bactérias, não pelas razões que nos interessam.”
É nesse ponto que as diferenças entre biologia sintética e simples criação de transgênicos ficam mais claras. “Você usa as mesmas técnicas de biologia molecular, mas o propósito é diferente”, diz o pesquisador da Unicamp.
Em vez de inserir um ou dois genes na espécie que se quer modificar (o DNA que determina a bioluminescência de uma água-viva para fazer um camundongo brilhar no escuro, por exemplo), a ideia é embutir na criatura-alvo os genes de uma ou mais vias metabólicas inteiras. Tais vias correspondem a um conjunto de genes (ou melhor, das proteínas codificadas por eles) atuando em cascata, como um sistema, modificando de forma significativa o metabolismo do organismo.
Glicerol à vontade
Pereira dá outro exemplo de seu próprio trabalho: as mesmas leveduras que produzem etanol também fazem glicerol, mas em quantidades diminutas -apenas 2 gramas por litro. Uma mexida geral nas vias metabólicas do fungo microscópico, “desligando” alguns genes e aumentando a ativação de outros, permite aumentar a produção de glicerol para 46 gramas por litro, algo que provavelmente nem a seleção natural mais feroz seria capaz de produzir em milhões de anos.
Um dos sonhos de quem trabalha com biologia sintética é dar um passo além e permitir que os organismos de escolha produzam substâncias totalmente alheias a seu metabolismo natural -coisa que o plástico da caneta americana já mostrou ser possível, entre outros exemplos. A longo prazo, seria possível criar uma “petroquímica biológica”, na qual derivados de petróleo seriam totalmente substituídas por produtos de leveduras ou bactérias engenheiradas, diz Pereira.
Outro grande objetivo é otimizar a produção de biocombustíveis -em seu artigo, Khalil e Collins apontam, por exemplo, que seria possível buscar uma escala industrial para formas mais energéticas de álcool que o etanol, como o butanol, modificando os organismos fermentadores mais utilizados hoje. E, claro, já há progressos na área médica, como protótipos de vírus modificados para atacar de forma específica células cancerosas ou bactérias no organismo.
Apesar do fascínio desses avanços, não seria exagero falar em “vida sintética”? Afinal, poucos pesquisadores falam em montar criaturas totalmente artificiais, compostas, por exemplo, de aminoácidos que hoje não são encontrados na natureza. “Não acho que isso seja necessário. Ninguém deixa de escrever um livro novo por falta de letras no alfabeto, mas sim por falta de ideias. É a mesma coisa: os elementos básicos que temos na mão são mais do que suficientes para fazermos coisas fantásticas”, diz Pereira. Para ele, a cadeia produtiva do etanol no Brasil deve dar ao país vantagens competitivas para avançar na área. (Reinaldo José Lopes) (Folha de SP, 9/5)
2 – A conta da devastação ambiental
Destruição de florestas já custou até US$ 4,5 trilhões ao planeta
A ONU advertiu na segunda-feira (10/5) que os prejuízos causados pela perda da biodiversidade poderão afetar severamente a economia mundial. O Programa de Meio Ambiente da ONU estima que o desmatamento e a degradação de florestas, por exemplo, já levaram a uma perda global de US$ 2 trilhões a US$ 4,5 trilhões. Para preservar as florestas em todo mundo seriam necessários US$ 45 bilhões.
O cálculo da devastação é um dos destaques do Panorama da Biodiversidade Global (GBO, na sigla em inglês), documento que, ontem, chegou à sua terceira edição sem boas notícias. Das 21 metas de preservação estabelecidas pela ONU em 2002, nenhuma está perto de ser atingida, ao menos em nível global. Entre as medidas negligenciadas estão o controle da expansão de espécies invasoras, o limite à degradação de habitats e a certificação de que o comércio internacional não levará qualquer espécie à extinção.
– Nossa análise mostra que os governos falharam em obedecer aos compromissos estabelecidos seis anos atrás: a biodiversidade está sendo perdida mais depressa do que nunca, e fizemos poucos progressos em reduzir a pressão sobre espécies, habitats e ecossistemas – lamenta Stuart Butchat, líder da equipe responsável pela nova edição do GBO
– Infelizmente este ano não será, como esperávamos, aquele em que freamos as baixas na biodiversidade. Mas precisa ser o ano em que começamos a levar o assunto a sério. Temos de aumentar substancialmente os esforços para cuidar do que sobrou do planeta.
A relação entre perdas ambientais e prejuízos econômicos é clara. A ONU tenta quantificar o valor monetário de vários serviços fornecidos pela natureza – entre eles água pura, o ar, a proteção dada pelas encostas contra tempestades e a manutenção da vida selvagem para o ecoturismo. O raciocínio é que, quando essas benesses desaparecerem ou estiverem seriamente ameaçadas, elas terão de ser substituídas pela sociedade. Aí entra o prejuízo da comunidade global.
– Muitas economias continuam cegas ao grande valor da diversidade de animais, plantas e outras formas de vida e seu papel na saúde e funcionamento dos ecossistemas – alerta Achim Steiner, diretor-executivo do Programa de Meio Ambiente da ONU.
– A Humanidade fabricou a ilusão de que, de alguma forma, podemos continuar sem a biodiversidade, que não passaria de algo periférico em nossas vidas. A verdade é que ela nunca foi tão importante em um planeta com 6 bilhões de habitantes, e que ainda receberá mais 3 bilhões até 2050. Os negócios, como são feitos hoje, não são uma opção se quisermos evitar um dano irreversível aos sistemas que mantêm o nosso planeta. (O Globo, 11/5)
3 – Concurso sobre biodiversidade inscreve até 1º de setembro
Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), Museu da Vida da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e Museu de Ciências e Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) organizam concurso
A iniciativa tem o apoio do jornal “O Globo”. A escolha do tema aproveita que 2010 é o Ano Internacional da Biodiversidade. O Brasil é um dos países com maior diversidade biológica no mundo. Com outras 16 nações, reúne 70% das espécies animais e vegetais do planeta.
Os participantes serão divididos em duas categorias. A primeira, chamada “Animais e plantas na ponta do lápis”, é voltada a artistas de 7 a 12 anos e, nela, cada interessado pode concorrer com um desenho sobre a biodiversidade. Na segunda categoria, “A biodiversidade por trás da câmera”, jovens de 13 a 17 anos podem enviar até três fotografias sobre o tema.
A promoção faz parte das atividades da 7ª Semana Nacional de Ciência e Tecnologia e Inovação (SNCTI), que ocorre de 18 a 24 de outubro em todo o país, e tem como tema central “Ciência para o desenvolvimento sustentável”. Os trabalhos podem ser enviados até 1º de setembro (vale a data de postagem nos correios). Os melhores trabalhos (desenhos e fotos) serão expostos na 7ª SNCTI, no Rio de Janeiro.
O primeiro lugar de cada uma das categorias ganha uma viagem, com direito a um acompanhante adulto, para conhecer espaços de ciência no Brasil. O vencedor pode escolher uma opção entre as alternativas oferecidas: 1) Museu da Vida e Jardim Botânico, no Rio de Janeiro; 2) Museu de Ciências e Tecnologia da PUC-RS e Planetário da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre; 3) Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG), em Belém (PA) e 4) Estação Ciência e Instituto Butantan, em São Paulo.
O segundo lugar de cada categoria recebe um kit com dois livros, camiseta, três cadernos e “mouse pad”. O terceiro lugar de cada categoria ganha um kit Biodiversidade com livro, camiseta, caderno e “mouse pad”. Mais informações na página www.museudavida.fiocruz.br/concursobiodiversidade
4 – Fóssil de superpredador encontrado no Brasil
Pesquisadores localizam no Rio Grande do Sul o mais completo esqueleto do Prestosuchus chiniquensis já achado no mundo. Com 7m de comprimento, animal viveu há 238 milhões de anos e pertencia à linhagem que originou os dinossauros que voavam
Paleontólogos brasileiros descobriram o fóssil quase completo do maior predador do Período Triássico próximo ao município de Dona Francisca, a 260km de Porto Alegre. O animal da espécie Prestosuchus chiniquensis viveu a aproximadamente 238 milhões de anos e era um arcossauro – linhagem que deu origem aos dinossauros que voavam. Ele fazia parte do grupo dos tecodontes, que mais tarde dariam origem aos dinossauros e aos mamíferos. “Mesmo fazendo parte dos arcossauros, o Prestosuchus está mais próximo da linhagem dos crocodilos. É o maior predador do período Triássico médio no mundo”, esclarece Sérgio Cabreira, paleontólogo que chefia a equipe responsável pelo achado.
A descoberta foi feita por um grupo de pesquisadores da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) que há seis anos estuda uma área rica em fósseis na região central do Rio Grande do Sul. “Essa localidade apresenta uma concentração de rochas datadas do Triássico (época em que surgiram os primeiros ancestrais dos mamíferos e dinossauros) com fósseis de animais da época. O conhecimento dessas formas de vertebrados é extremamente importante para entendermos o processo evolutivo”, afirma Cabreira.
Segundo os cientistas, o fóssil tem entre 50% e 60% de seu esqueleto completo, inclusive com estruturas até então desconhecidas, como o membro posterior. “Esse membro ainda não era conhecido. Havia apenas uma ideia de como seria”, conta Lúcio Roberto da Silva, biólogo e integrante do grupo de pesquisa. O crânio também está completo. Ele mede 84cm e possui dentes que chegam a 10cm de comprimento, o que indica tratar-se de um animal carnívoro.
Com 7m de comprimento e 900kg, o Prestosuchus tem o padrão de um animal que vive no topo da cadeia alimentar. “Seu tamanho demonstra que não teria nenhum outro animal maior que ele nesse período no mundo”, esclarece o biólogo. Sua altura média variava de 60cm a 1m e seu comprimento pode ser comparado a quatro bois, colocados um ao lado do outro. Comparado ao Tiranossauro rex – o maior predador entre os dinossauros, que surgiu 150 milhões de anos depois dos tecodontes -, o Prestosuchus era um excelente caçador, tão ou mais agressivo. “Ele utilizava suas garras para pegar as presas. Era quadrúpede, mas ficava em pé quando atacava”, completa Cabreira.
Bom estado
De acordo com Silva, o fóssil do Prestosuchus foi encontrado em uma rocha que caracteriza um antigo lago, que passava por grandes períodos de seca. O bom estado de conservação chamou a atenção dos pesquisadores. Os ossos estão na mesma posição que estariam no esqueleto do animal em vida, e o crânio ainda contém os dentes praticamente intactos. Segundo os pesquisadores, essa conservação trará uma unidade às informações obtidas até hoje sobre os Prestosuchus. “Existem alguns fósseis do animal na Argentina, nos Estados Unidos e na Europa, mas nenhum tão inteiro. Podemos afirmar que esse é o fóssil mais completo de que temos notícia no mundo”, afirma o biólogo. Cabreira diz que um esqueleto tão completo como o descoberto harmoniza a informação que está dispersa nos fragmentos. “Raramente é encontrado um fóssil que traz um conjunto tão grande de informações de uma vez.”
Os primeiros fósseis de Prestosuchus foram encontrados entre 1920 e 1930 e levados para a Alemanha para serem estudados. Porém os materiais eram muito fragmentados. Em 1976, um crânio foi encontrado bem conservado, mas isolado do esqueleto. Nos últimos anos, os pesquisadores no Rio Grande do Sul têm encontrado novos materiais. “Mas também são materiais isolados que não conseguimos unificar sobre um gênero único”, conta Cabreira.
Agora, com a descoberta do esqueleto fossilizado, os pesquisadores poderão identificar se os fragmentos encontrados em outras escavações são mesmo da espécie e, com isso, melhorar os estudos filogenéticos do grupo. Outro possível efeito do achado é trazer de volta, para o âmbito de discussão do Período Triássico, a existência de um superpredador. “Na cultura geral, muito se fala dos períodos Jurássico e Cretáceo. O Triássico, porém, rende poucos trabalhos e estudos científicos”, conclui Cabreira.
(Silvia Pacheco) (Correio Braziliense, 11/5)