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Informativo 577 – Algas e Ártico

1 – Crescimento de algas alimenta edifício

2 – Expedição pioneira no Ártico vai atravessar passagem aberta por mudanças climáticas

 

1 – Crescimento de algas alimenta edifício

Fazenda de algas vertical é tema de reportagem na Folha, no caderno The New York Times
 
Um novo prédio em Hamburgo, na Alemanha, parece com uma estrutura moderna e tem uma das mais recentes tecnologias de construção sustentável -uma fazenda de algas vertical.
 
Os criadores do edifício BioIntelligentQuotient (BIQ), que custou US$ 6,58 milhões e usa exclusivamente energias renováveis, prometem que esse pioneiro sistema energético irá colher algas de rápido crescimento para gerar biocombustíveis, produzir calefação, fazer sombra no prédio, atenuar o ruído da rua e entrar para a história.
 
Sobre as laterais do edifício, estão montados 129 biorreatores, painéis de vidro plano sobre persianas externas que servem como ambiente para o crescimento das algas. O sistema foi construído por um consórcio que incluiu a empresa de arquitetura ColtGroup.
 
Em 2009, o consórcio venceu uma competição que pedia aos participantes para usar materiais inteligentes, definidos como “sistemas e produtos que se comportam dinamicamente, ao contrário dos materiais convencionais de construção, que são estáticos”.
 
As algas são alimentadas com nutrientes líquidos e com dióxido de carbono para estimular o crescimento no sistema, que se tornou operacional em abril. Ar pressurizado é injetado nos painéis para estimular ainda mais o crescimento e impedir que micro-organismos se instalem e provoquem apodrecimento, disse Jan Wurm, um dos projetistas.
 
Ele observa que escovas nos painéis mantêm os vidros limpos automaticamente. Os painéis funcionam também como coletores térmicos solares, transformando a luz do sol em energia utilizável.
 
Segundo Wurm, “a parte da luz que não é absorvida pelas algas para a fotossíntese é convertida em calor”, o qual pode ser usado imediatamente para aquecer a água ou armazenado no subsolo.
 
Periodicamente, as algas serão colhidas e armazenadas em tanques no edifício. Uma empresa local de energia irá então comprar a colheita e transportar a biomassa até uma usina de calefação e energia nos arredores, onde ela passará por uma fermentação. O processo produz gás metano para a geração de eletricidade.
 
“A energia gerada seria neutra de carbono”, disse Wurm.
 
Os projetistas da casa BIQ não sacrificaram a forma por causa da função. A cor das algas, combinada com o balé de bolhas da ascensão do ar pressurizado, lembra uma lâmpada de lava, segundo Wurm.
 
Ainda está sendo debatido se o prédio com biorreatores de algas é o começo de algo grande ou apenas uma experiência isolada.
 
Wurm admite que a nascente tecnologia custa mais do que os sistemas solares ou combustíveis convencionais. “Em termos de custos de investimentos, não se pode compará-lo a sistemas estabelecidos e produzidos em massa que estão no mercado”, afirmou.
 
Jonathan Wimpenny, do Real Instituto de Arquitetos Britânicos nos EUA, questiona se muitos bancos e incorporadores imobiliários irão investir em biorreatores de algas. “Dificilmente poderei considerar isso como um divisor de águas na prática construtiva cotidiana”, disse Wimpenny.
 
Mas para David Bayless, da Universidade de Ohio, o prédio de Hamburgo é importante. “As pessoas ficam cautelosas com as algas porque é uma tecnologia relativamente desconhecida.”
 
O preço é um obstáculo em potencial. Scott Walzak, projetista do escritório global de arquitetura HOK, estima que o custo do quilowatt-hora produzido por biorreatores de algas seria equivalente a sete vezes o preço da energia solar e 14 vezes o do petróleo bruto.
 
Anica Landreneau, líder de consultoria na HOK, concebeu um sistema para aproveitar os gases de escapamento dos carros na autoestrada Santa Ana, na Califórnia, como fonte de carbono para alimentar as algas. “Elas prosperam com uma dieta de porcarias”, disse Landreneau.
 
A Grow Energy, start-up de San Diego, na Califórnia, está apostando exatamente nisso para produtos que trilham caminhos diferentes a fim de gerar energia a partir de algas. A empresa, criada há um ano, planeja produzir dois diferentes biorreatores de algas.
 
No ano que vem, a Grow Energy pretende aceitar pré-encomendas do seu sistema Verde, que cultiva as algas, as seca automaticamente e as queima num gerador de combustão no próprio telhado para produzir eletricidade. O sistema Verde custará cerca de US$ 12 mil e produzirá em torno de 35% da eletricidade usada por um lar americano médio.
 
O arquiteto Tom Wiscombe está animado com o prédio de Hamburgo. “Na história da arquitetura, tentar manter organismos, fungos e bolor constantemente fora de um prédio sempre foi crucial”, disse ele. “Agora, estamos tentando trazer tudo isso de volta.” (David Wallis/Folha de S.Paulo)

 

2 – Expedição pioneira no Ártico vai atravessar passagem aberta por mudanças climáticas

De acordo com reportagem de O Globo, especialistas vão investigar impacto humano num dos extremos do planeta
 
Almejada há quase cinco séculos por exploradores ávidos por riqueza e reconhecimento, a Passagem Noroeste, lendária ligação entre a Eurásia e as Américas, em pleno Oceano Ártico, será atravessada pela primeira vez por um veleiro científico. Os pesquisadores do Tara Oceans, uma expedição que conta com colaboradores de 17 países, querem descobrir os segredos escondidos nas banquisas árticas, atingidas de forma dramática pelo aquecimento global. A aventura não seria possível há alguns anos. O degelo do Ártico no ano passado quebrou recordes, mas deve ser novamente superado no próximo verão do Hemisfério Norte, em setembro, segundo preveem os cientistas desta expedição. O alerta vermelho atinge, assim, um tom acima.
 
O canal, antes bloqueado por placas de gelo, se abriu pela primeira vez em 2007. Ali se deu um recorde de degelo que impressionou a comunidade científica. Ninguém esperava que isso acontecesse tão cedo. No ano seguinte, contudo, veio uma nova surpresa: tanto este canal, no topo do Canadá, quanto a Passagem Nordeste, acima da Rússia, se abriram ao mesmo tempo pela primeira em 125 mil anos – estima-se que a última vez fora em plena Era do Gelo. Assim, revelou-se aos homens, ainda ávidos por riqueza e reconhecimento, uma nova rota marítima, que permitiu a circunavegação do Ártico. De lá para cá, a situação só se agravou e, em 2012, veio o novo recorde de degelo, facilitando ainda mais o acesso ao Ártico.
 
É esta a rota do veleiro Tara, cuja viagem começou no mês passado e vai até dezembro. A aventura percorre um dos últimos lugares selvagens da Terra e, ironicamente, o mais afetado por transformações no clima associadas à ação humana. Seu objetivo é conhecer os segredos guardados nas águas geladas do Polo Norte e, como arremate, alertar a comunidade internacional sobre os perigos de não proteger o chamado ar-condicionado do mundo. Caso o gelo ártico derreta, ele dará lugar às águas escuras do oceano, que absorvem a luz do sol em vez de refleti-la, o que acelera os efeitos do aquecimento global. É claro que, durante o inverno, o mar volta a congelar, mas o derretimento do gelo supostamente eterno e sua substituição por banquisas recém-formadas torna a estrutura ainda mais vulnerável ao aumento das temperaturas.
 
A nova rota de navegação, que será usada pelo veleiro, encurta em milhares de quilômetros a distância entre o Oriente e o Ocidente e, por isso, é vista com cobiça por diversos países. Ao mesmo tempo, o desaparecimento do gelo, que antes era obstáculo à exploração da região, cria uma corrida pela exploração de petróleo e outros recursos minerais. Estima-se que pelo menos um quarto das reservas de petróleo e gás natural do mundo esteja no leito do Oceano Ártico. A exploração desses dois recursos pode acelerar ainda mais seu aquecimento e por em perigo seu ecossistema, ainda largamente desconhecido. Muitos cientistas concordam ao dizer que a exploração dos recursos árticos pode ser uma irresponsabilidade, visto que a compreensão de suas consequências ainda está longe de ser aceitável.
 
Em meio às polêmicas do “novo Eldorado”, como alguns têm se referido ao Ártico, está um mundo de seres ainda desconhecidos, alvo principal dos estudos da equipe do Tara Oceans. O veleiro vem de uma enorme expedição, que durou de 2009 a 2012, para mapear os organismos microscópicos que dão vida aos oceanos, gerando cerca de metade do oxigênio do planeta e absorvendo boa parte do gás carbônico: o plâncton. Em 2010, o barco científico passou inclusive pela costa do Rio de Janeiro. Esta não é a primeira vez que o Tara vai ao Ártico. Entre 2006 e 2008, o veleiro foi usado em uma aventura no inverno do Polo Norte, mas com outros objetivos.
 
Agora, o barco de 120 toneladas quer descobrir a “floresta invisível” formada por esses pequenos seres no Oceano Ártico, assim como medir o grau de poluição das águas, analisando a incidência de plástico e mercúrio. No total, 57 pessoas participarão da missão, entre idas e vindas. O veleiro só comporta 15 pessoas, e a tripulação muda de três em três semanas, para cientistas, e a cada três meses, para marinheiros e engenheiros – mais acostumados à hostilidade reservada a quem se aventura nos cantos mais gelados do planeta.
 
– A atividade, em termos de fotossíntese, feita no Ártico é tão importante quanto a da floresta tropical na Amazônia – explica o biólogo do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS) da França Chris Bowler, um dos diretores científicos da expedição. – O fato de que as mudanças climáticas estão acontecendo tão depressa, e no Ártico é onde elas acontecem mais rápido, faz com que precisemos entender o que está acontecendo lá. (O derretimento do Ártico) será como derrubar árvores na Amazônia? Nós precisamos entender isso.
 
Segundo Bowler, já há alguma evidência de que o plâncton esteja migrando para os lugares mais frios do oceano, o que pode significar, em grande escala, uma mudança no equilíbrio biológico dos mares. Esses micro-organismos são a base da cadeia alimentar. Se eles desaparecem de certo lugar, os peixes ali não terão mais alimento e podem morrer, afetando o resto da fila – da qual, é sempre bom lembrar, participamos em massa. A Tara Oceans é a primeira pesquisa global do plâncton, uma seara muito pouco estudada da ciência devido ao tamanho diminuto desses seres e sua abundância (o que exige bancos de dados e equipamentos de análise de amostras poderosos). Além, é claro, dos obstáculo representado pelos custos de sua exploração.
 
A expedição no Ártico custará 2 milhões de euros (ou R$ 5,7 milhões) ao Tara e seus financiadores – o projeto tem a participação de diversas instituições de pesquisas e órgãos governamentais de países como Estados Unidos, Canadá, França e Rússia. O relativo baixo custo da viagem de 202 dias se deve ao tamanho do barco – apenas 15% dos recursos serão destinados a aparatos científicos. Não é à toa que a aventura está embarcada em um veleiro de 27 metros de altura e 36 de cumprimento. De acordo com os organizadores, caso a expedição se abrigasse em um navio de pequeno porte, os custos seriam de 40 mil por dia, ou 8 milhões de euros (R$ 22,8 milhões) no total.
 
Os cientistas do Tara já recolheram cerca de 30 mil amostras nos oceanos do resto do mundo, e planejam resgatar, no Ártico, mais 5 mil. Os organizadores da expedição dizem que a tarefa é urgente, já que o oceano poderá mudar rapidamente nos próximos anos.
 
– Precisamos entender como funciona o ecossistema para falar para as pessoas o que elas devem e o que não devem fazer. Isso não é arbitrário, depende do conhecimento. A decisão caberá à sociedade e aos políticos – explica Eric Karsenti, também biólogo do CNRS francês e idealizador da expedição.
 
Degelo recorde é esperado
A expedição pelo Ártico em seus moldes só é possível por causa de uma mudança radical, descoberta com grande pesar pela comunidade científica no ano passado. O recorde de degelo facilitou o acesso à almejada nova rota de navegação. Para se ter uma ideia, o Ártico perdeu, entre 2007 e 2012, cerca de 760 mil quilômetros quadrados de gelo – mais de 600 cidades do Rio de Janeiro.
 
Caso este ano, durante o verão do Hemisfério Norte, haja um novo recorde de derretimento, a urgência em se criar políticas para impedir o aquecimento global ganhará nova força. Serão dois anos seguidos de diminuição do gelo ártico, uma amostra difícil de se contestar da tendência das mudanças climáticas. Boa parte da comunidade científica acredita que em 20 anos é possível que não haja mais gelo no Ártico durante o verão.
 
Hoje, segundo Bowler, do Tara, a Passagem Noroeste se abre apenas por 10 dias no verão – e não há certeza, apesar das evidências, que isso acontecerá de novo este ano. A nova rota comercial – e turística – que começa a ser estabelecida será capaz de trazer enorme economia de recursos a vários países pelo encurtamento de distâncias. O caminho a ser percorrida por navios que vão de Londres a Yokohama, no Japão, mede 23.300  km pelo Canal do Panamá e 21.100 km pelo de Suez, mas cai para 13.330 km pela Passagem Nordeste e 15.930  km pela Noroeste.
 
No ano passado, cerca de 45 navios atravessaram a Passagem Nordeste do Oceano Ártico, junto à Rússia, segundo Oran Young, especialista em governança ártica da Universidade da Califórnia. Dois veleiros turísticos completaram a circunavegação. Para Young, este ano o número deve ser bem maior. Mas isso não significa que passar por ali seja fácil. Estima-se que só será possível criar uma rota para ser usada em massa daqui a cerca de dois anos. A Passagem Noroeste, a mais mítica entre as duas, hoje é como um labirinto .
 
– Os canais são bem estreitos. Há pedras e ilhas por toda a parte- explica o secretário-geral do Tara Oceans, Romain Troublé.
 
Atravessá-la na janela que deve se abrir requer planejamento. Para chegar da Passagem Nordeste à Passagem Noroeste, a equipe do Tara terá um mês e meio. Se atrasar, fica presa no gelo. Agora, não há nenhum caminho aberto ali, já que ainda é primavera no Hemisfério Norte. A equipe do Tara aproxima-se da Noruega e deve chegar na parte mais complexa da expedição, aquela em que encara a imensa paisagem congelada, em julho.
 
A Passagem Noroeste deve ser cruzada em setembro, justamente quando a Nasa, uma das parcerias da aventura, e a Agência Espacial Europeia divulgam o tamanho do estrago que o aumento das temperaturas impôs ao Ártico este ano. A área mínima atingida pelo oceano congelado, hoje em 3,4 milhões de quilômetros quadrados, foi divulgada, no ano passado, no dia 17 de setembro.
 
Em outubro, será divulgado o novo relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (o IPCC-5), em Estocolmo, na Suécia. Nele, o provável derretimento recorde pode ter destaque. O Tara estará, então, na Groenlândia, onde organiza um evento de alerta sobre as mudanças climáticas. A equipe espera receber o secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, e o presidente francês, François Hollande, patrono da expedição, entre outros. Este lado militante da expedição é visto com naturalidade por quem está a bordo.
 
– Eu não sou um ecologista político. Sou um cientista – explica Karsenti – O aspecto político é apenas explicar às pessoas que existem questões importantes ali.
 
A defesa do ecossistema do Polo Norte em que se engaja a expedição não é radical, segundo seus participantes. O Tara Oceans entende que é impossível evitar que o Ártico seja explorado comercialmente, mas pede regras para esta corrida.
 
– A nossa análise é que a “santuariazação” do Ártico, como pede o Greenpeace, é utópica – explica o brasileiro André Abreu, diretor de políticas internacionais do Tara. – O que é mais grave, na nossa análise, é a exploração de petróleo. O poder das placas de gelo é imenso. Imagina um acidente como o do Golfo do México (em 2010, nos Estados Unidos) se reproduzindo no Ártico? A gente lembra o quão impotente parecia a BP (British Petroleum) na costa mais importante do mundo. Hoje, perfurar no Ártico é uma loucura. (Manuela Andreoni / O Globo)
http://oglobo.globo.com/amanha/expedicao-pioneira-no-artico-vai-atravessar-passagem-aberta-por-mudancas-climaticas-8729649#ixzz2WfYHcIP0