1 – Carlos Joly: um exemplo a ser seguido
2 – Hidrelétricas na Amazônia: desenvolvimento para quem?
1 – Carlos Joly: um exemplo a ser seguido
Artigo de Fábio Feldmann publicado no site Brasil Econômico
Entre os grandes temas contemporâneos surgidos nas últimas décadas está, certamente, o da biodiversidade. Expressão complexa, definida por tratado internacional de 1992, contempla, de maneira geral, a “vida no planeta”.
Cada vez mais a ciência reconhece as ameaças sobre a biodiversidade: fragmentação dos hábitats, espécies invasoras, aquecimento global, entre muitas outras. Aliás, não podemos esquecer que a biodiversidade está elencada entre as nove fronteiras planetárias perigosas de serem ultrapassadas pela humanidade, de acordo com a manifestação dos cientistas na Rio+20.
O Brasil, particularmente, tem um grande papel estratégico nesta temática pelo fato de estar entre os grandes países megabiodiversos. Afinal, temos, no território nacional, muitos biomas especialíssimos – Mata Atlântica, Amazônia, Pantanal, Cerrado, Caatinga e Pampas.
No caso da Amazônia, devemos lembrar que trata-se da maior floresta tropical contínua do planeta. O Pantanal, por sua vez, é o maior complexo ecológico composto por áreas inundadas.
Cerrado e Caatinga são portadores de porções de biodiversidade que existem apenas em seus territórios e, diante das ameaças do aquecimento global, conhecer algumas de suas espécies será indispensável para a sobrevivência de grande parte da agricultura brasileira.
No ano de 2010, em Nagoya, houve a decisão de se criar o IPBES – Plataforma Intergovernamental de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos. Este, inexplicavelmente, deveria ter sido criado na mesma época do IPCC – Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, permitindo, assim, a articulação entre todo o conhecimento científico produzido no mundo sobre a biodiversidade, ensejando políticas públicas e a mobilização da opinião pública.
Existem algumas pessoas no Brasil que têm reconhecimento internacional pelo pioneirismo de suas iniciativas e pelo esforço de conhecer a nossa biodiversidade e colocá-la na agenda da sociedade.
Entre estas, há que se destacar o trabalho de Carlos Joly, professor da Unicamp e idealizador do programa Biota-Fapesp. Este, hoje replicado em muitos estados brasileiros, surgiu com a ideia de conhecermos a biodiversidade paulista, a partir do que torna-se possível conservá-la. E, mais do que isso, implantar o que hoje chamamos de “economia da biodiversidade”, um dos mais importantes e inovadores projetos políticos de construção de uma agenda do século XXI.
Por ser um dos principais cartões de visita do Brasil no tema da biodiversidade, Carlos Joly foi eleito um dos 25 membros do mundo que irão participar do Painel Multidisciplinar de Especialistas do IPBES.
Sua indicação representa também o reconhecimento de uma postura da academia que transcende as Torres de Marfim, com engajamento permanente na discussão de políticas públicas.
Assim tem sido a vida deste professor universitário, que na década de 80 ajudou a escrever o capítulo de meio ambiente da Constituição Brasileira de 1988 e que sempre esteve presente nas grandes discussões planetárias sobre desenvolvimento sustentável e biodiversidade. Joly, enfim, é alguém que serve de inspiração para todos que têm esperança por um mundo melhor. Fábio Feldmann é consultor em sustentabilidade
2 – Hidrelétricas na Amazônia: desenvolvimento para quem?
Artigo de Nelson Sanjad
Conheci a cidade de Tucuruí em 1988, quatro anos depois de inaugurada a hidrelétrica que interrompeu o fluxo natural do rio Tocantins. Era, então, um espaço populoso, deteriorado e caótico, impressão que se amplificou ao visitar o núcleo urbano da construtora Camargo Correa, protegido por muros, guaritas e homens armados, com casas amplas e ajardinadas, com um confortável hotel para os hóspedes ilustres e com uma bela vista do vertedouro e do lago formado pela barragem. No tour pela usina, um funcionário da Eletronorte orgulhosamente apontou para uma ilhota, informando que a empresa instalara ali um banco genético das espécies vegetais que ocorrem (ocorriam?) na região, sem nada esclarecer sobre as copas de árvores mortas que emergiam por todo o imenso lago, visão que lembra, de imediato, em qualquer espectador, um cemitério repleto de cadáveres mal enterrados. Inquirido por que as árvores não foram retiradas, o funcionário tergiversou (alguém ainda lembra do escândalo Capemi?).
Os danos sociais e ambientais – para não falar das questões éticas e nem da corrupção – que as grandes obras de infraestrutura provocam na Amazônia já foram plenamente demonstrados por muitos pesquisadores e jornalistas, assim como também já foi comprovado que os efeitos benéficos desses empreendimentos não se localizam na região, isto é, as promessas de desenvolvimento e oportunidades são cumpridas a muitos quilômetros de distância, às vezes, em outros países e continentes. Na região ficam apenas os royalties (a maior parte dos impostos é desonerada pelo governo federal), o passivo ambiental, alguns empregos disputados por hordas de imigrantes e muita miséria e violência. Esse é um efeito perverso, mas não fortuito. A transferência de matéria-prima e energia da Amazônia para outros lugares faz parte de um projeto colonizador gestado na ditadura militar (1964-1985), que define a região como provedora de recursos para o Brasil – e somente isso. Infelizmente, finda a ditadura há quase 30 anos, esta ainda é a visão que prevalece nos círculos de poder mais importantes de Brasília.
As instituições do governo federal responsáveis pelo planejamento, pelo financiamento e pela execução das grandes obras conhecem muito bem esse processo de socialização dos prejuízos. Sabem o que ocorre com os municípios que abrigam tais obras, os efeitos nefastos sobre os sistemas locais de saúde e educação, sobre os preços e a moradia, sobre o transporte, sobre a estrutura fundiária, sobre os modos de vida, sobre a floresta, os animais e os rios. Isto tudo já foi documentado, mas parece não fazer parte ou não importar para o governo que planeja e os empreendedores que constroem. Exemplo atual são os bilhões investidos pelo governo federal na construção da primeira usina do rio Xingu, sem a necessária contrapartida em gastos sociais e ambientais. Ou sem o fortalecimento – em igual proporção – de instituições fundamentais para a governança da região, como a Funasa, o Ibama, a Funai e a Polícia Federal. Ou, ainda, sem uma visão estratégica do planejamento regional e sem a aplicação de recursos – também em igual proporção – em pesquisa científica e tecnológica relevante para a conservação e o desenvolvimento da região. Apesar da distância que separa o governo dos generais e o atual governo democrático do Brasil, em termos de política energética, parece não haver diferenças significativas entre o ano de 1975, quando a UHE Tucuruí começou a ser erguida, e o de 2012, início das obras de Belo Monte. O que mudou foi o discurso politicamente correto de sustentabilidade, mas que se revela sempre como retórica frente às ações concretas.
O mais recente número do Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas (dezembro de 2012) encerra um dossiê que aborda esse tema, certamente um dos mais importantes da atualidade, pois tem como horizonte o destino e o futuro da região. Foram convidados três especialistas para responder a seguinte pergunta: as hidrelétricas na Amazônia geram desenvolvimento para quem? O texto do jornalista Lúcio Flávio Pinto (Jornal Pessoal, Pará) parte da experiência histórica da UHE Tucuruí para questionar a construção de Belo Monte, seja nas dúvidas provocadas pelo projeto da obra, na fragilidade dos estudos de viabilidade econômica ou na falta de transparência do governo no processo de planejamento e execução. A geógrafa Bertha Becker (Universidade Federal do Rio de Janeiro) prossegue com um enfoque geopolítico, criticando a falta de integração das grandes hidrelétricas na Amazônia com uma política justa de uso e gestão da água. Ao mesmo tempo em que se prioriza o atendimento às demandas por energia existentes no centro-sul do Brasil e a construção de vias de escoamento de commodities, desconsidera-se a falta de saneamento básico e de acesso à energia elétrica na própria Amazônia. Finalmente, para o engenheiro Francisco Del Moral Hernandez (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, São Paulo), a política energética do governo federal, expressa em planos decenais, deve ser democratizada de maneira a promover o debate público sobre fontes de energia, demanda e oferta, sustentabilidade, impactos ambientais e a efetiva proteção das populações locais. Segundo o autor, também é necessário rever e ajustar o processo de licenciamento ambiental, desde os conceitos básicos que sustentam a avaliação dos analistas, como o de ‘área afetada’, até a inclusão de novos pontos de análise, como o descomissionamento de hidrelétricas.
Essas contribuições iluminam o debate sobre o assunto e incentivam a ampliação de pesquisas sobre planejamento regional, políticas públicas, uso e gestão da água, democracia e bem-estar social no Brasil. A agenda desenvolvimentista foi revigorada com grande ímpeto, travestida de expressões que encantam a imprensa, como ‘crescimento econômico’, e parece ter sido capturada por fortes interesses econômicos e pelo pragmatismo do governo brasileiro. Mais do que nunca é necessário refletir sobre esse processo e oferecer informações responsáveis à sociedade para que a história contemporânea da Amazônia, de Tucuruí aos novos projetos hidrelétricos dos rios Xingu, Madeira e Tapajós, venha a ter outros ingredientes além do autoritarismo. Para acessar a revista, clique aqui (http://www.scielo.br/bgoeldi). Nelson Sanjad é editor científico do Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi.