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Informativo 557 – Floresta em pé e conflitos

1 – Valor da floresta em pé

2 – Fauna importada causa conflitos no estado do Rio


1 – Valor da floresta em pé

Município de Varre-Sai, no Rio , tem programa pioneiro de pagamento por serviços ambientais com uso do ICMS verde. Falta de regulamentação nacional ainda é entrave.

Há três gerações, a família de Geraldo Vargas, dono do café Vargas, mantém intocável um pedaço de floresta entre o cafezal, o pasto e a plantação de eucalipto. Embora não desse renda, a mata ficou de pé por gosto da família, num terreno em Varre-Sai, Noroeste do Rio de Janeiro. O café é a principal atividade econômica da cidade. A atitude visionária dos Vargas agora está virando uma recompensa remunerada. Em um programa pioneiro de pagamento por serviços ambientais da prefeitura, Geraldo criou uma Reserva Particular de Patrimônio Natural (RPPN) que lhe renderá R$ 1.731 por ano. Outros cinco agricultores da região também serão beneficiados. A verba está prevista numa nova legislação municipal que obriga o repasse de 60% do ICMS verde aos proprietários de áreas protegidas.

O pagamento, porém, está atrasado em quase um ano e ainda não chegou ao bolso dos beneficiários. Embora o Ministério do Meio Ambiente tenha mapeado 180 projetos, apenas 40 deles saíram de fato do papel. No Brasil, a legislação que cria o marco regulatório nacional, estabelecendo padrões para o pagamento por serviços ambientais (PL 792/ 2007), ainda tramita na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados. Enquanto isso, organizações da sociedade civil se unem para avaliar a eficácia dessas iniciativas, criticando o que chamam de “mercantilização da floresta “. Na prática, a falta de legislação acaba por estimular a multiplicação de projetos sem referências para cálculos e para a própria implantação deles. Em Varre-Sai, a ausência de legislação se soma ao atraso da prefeitura. Seis agricultores deveriam receber R$ 31.122, por ano. Mas há discrepância entre o cálculo dos órgãos públicos. A única certeza é que a floresta totaliza 101  hectares de Mata Atlântica. Varre-Sai é uma das cidades com maior percentual remanescente do bioma no estado, um total de 20%. A região Noroeste, no entanto, tem um índice de preservação de apenas 5%.

Varre-Sai é um município fincado em meio a cafezais. Seja a pracinha cercada de construções históricas no Centro, ou por toda a estrada que liga a cidade às vizinhas, o cenário é de pés de café secos. Os produtores esperam que a chuva caia para dar trégua à estiagem que está maltratando a plantação. O produto é historicamente o principal ativo dos agricultores locais, junto com o vinho de Jaboti-caba. Por quase dois séculos, o ciclo do café e a chegada do gado para produção de leite foram os pilares do desmatamento na região. O sítio Xodó, do casal José Almeida e Maria Célia Ramos, é um retrato da mudança que vem ocorrendo em Varre-Sai. Célia herdou o terreno da família, que se instalou ali no início do século XX, quando parte da mata já havia sido derrubada para abrir caminho para o plantio de café e a exploração de gado leiteiro. Hoje, ela e o marido complementam a renda familiar com uma pequena plantação de milho erguida na área devastada. Mas o que chama atenção mesmo na paisagem é o contraste com as árvores altas e frondosas de uma área de floresta densa. Fincada entre montanhas cobertas de cafezais e de plantações de eucalipto dos terrenos vizinhos, é possível enxergar uma área de 6,95 hectares de mata preservada.

O terreno foi transformado recentemente em uma RPPN. Por ela, os Almeida vão receber anualmente R$ 1.234 anuais, valor equivalente ao pagamento do ICMS verde que deverá ser repassado pela prefeitura de Varre-Sai. – Preservamos porque fomos criados na floresta, mas não imaginava que podia receber dinheiro por isto. É pouco, mas vai ajudar a reflorestar . Agora que foi prometido, tem que sair . Se não, vamos gritar – afirmou o agricultor , referindo-se ao atraso no pagamento. A lei municipal do ICMS verde foi criada a partir de um esforço dos próprios produtores, entre os quais o técnico da Emater e da Secretaria de Ambiente do Estado, Duarte Ramos. Dono de um sítio na região, ele criou uma RPPN de 5,75 hectares. Ele usou seu próprio exemplo para convencer os vizinhos e a ONG SOS Mata Atlântica ajudou na implantação das primeiras reservas. – O valor recebido por hectare é pequeno, mas, sem dúvida, serve de estímulo. Nem todo mundo tem consciência para preservar – argumenta Duarte. A previsão era de que o pagamento ocorre-ria no início de 2012. Até o momento nenhuma parcela foi paga. A explicação dada pelo prefeito de Varre-Sai, Everardo Ferreira (PP), é que falta detalhamento da Secretária estadual de Ambiente (SEA) sobre o valor que deveria ser repassado aos agricultores. A SEA nega a responsabilidade, garante que o repasse já foi feito e acrescenta que cabe à prefeitura pagar aos agricultores. Enquanto o jogo de empurra-empurra entre a prefeitura e o governo do Estado não chega ao fim, os agricultores continuam sem receber a parcela referente as reservas criadas em 2011.

Sem avanço

Não só no Brasil, como em todo o mundo, a falta de regulamentação impera na área. Desde a Rio-92, quando foi criado o Protocolo de Kioto com o objetivo de restringir as emissões de carbono, esse tipo de recompensa financeira é discutida. O assunto tem sido uma das prioridades nas conferências das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável (as Convenções Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas, as COPs), como aconteceu na última, em dezembro de 2012, em Doha. Mas os países integrantes do órgão parecem ainda estar longe de um consenso entre países ricos e em desenvolvimento. Segundo Paul Simpson, CEO do Carbon Disclosure Project, maior organização sem fins lucrativos voltada ao monitoramento dos projetos de redução de gases-estufa no mundo, o pagamento por serviços ambi-entais só deve decolar quando houver uma crise de demanda por redução de emissões. Ele esteve em Doha e afirmou, recentemente, por e-mail, que avanços na área foram empurrados para frente, especifica-mente para a COP-19, marcada para novembro em Varsóvia, na Polônia.

O impasse ocorreu porque alguns países, entre eles o Brasil, querem modificações na proposta do mecanismo de Redução de Emissões por Desmata-mento e Degradação (REDD). – O REDD só deverá sair do papel a partir de 2015. Por enquanto, são necessários mais investimento de governos em monitoramento desses projetos. É preciso medir os resultados. Companhias no mundo inteiro já estão aderindo a mercados de crédito de carbono como compensação. Falta, no entanto, que esses projetos ganhem escala. Segundo Simpson, projetos de sequestro de carbono – entre eles a preservação de florestas – reduziram as emissões de quase um bilhão de toneladas de carbono em países em desenvolvimento desde 2005, movendo US$ 215 bilhões. Os principais recursos vieram do setor privado. Entre governos, a falta de consenso atrasa repasses. Países desenvolvidos haviam prometido um aporte de US$ 30 bilhões para projetos de REDD até 2012 e de US$ 100 bilhões por ano a partir de 2020.

Segundo um levantamento das Nações Unidas, pouco mais de US$ 5 bilhões foram disponibilizados até o início do ano passado. Em solo brasileiro, o assunto ainda é tão pouco definido que, ao ser procurado, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) afirmou que ainda não há especialista no órgão para falar sobre o assunto. Em nota, admitiu que o “o tema é complicado”, devido à falta de regulamentação. Por ser um assunto ainda novo no país e no mundo, o próprio MMA faz parte de uma rede criada para discutir a implantação de projetos de serviços ambientais. O portal Comunidade de Aprendizagem em Projetos de SErviço Ambiental reúne especialistas e os interessados em criar RPPNs. O objetivo da rede é, segundo Carlos Krieck, da Vitae Civilis, acelerar a aprovação da lei nacional de serviços ambientais que tramita no Congresso.

– A ideia é aprimorar os serviços ambientais no país e ajudar a colocá-los em prática. Até hoje, projetos de carbono são um grande mistério. Todo mundo fala deles, mas pouca gente viu – diz Krieck. Se outros serviços ambientais forem incluídos além do cálculo de emissões de carbono evitadas – como recompensa por área de floresta ou por proteção de nascentes – o cenário muda. Segundo Krieck, os primeiros projetos de serviços ambientais no Brasil nasceram em 2006: O Oásis, da Fundação Boticário, nas cidades de São Paulo (SP) e Apucarana (PR); o da prefeitura da cidade de Extrema (MG) e o de Montes Claros, também em Minas. Os dois primeiros têm como foco a conservação de nascentes, para garantir a qualidade da água. O terceiro é diferente de todos os outros existentes no país e incentiva produtores a recuperarem áreas de mata em troca de crédito.

O maior projeto de serviço ambiental no Brasil é o Bolsa Floresta, administrado pela Fundação Amazonas Sustentável. O programa é considerado um dos maiores do mundo por envolver 35 mil beneficiados, que vivem espalhados numa área de dez milhões de hectares. O valor pago a cada um deles, no entanto, é bastante baixo: R$ 600 por ano para cada família. Outros países já estão mais avançados no tema e se tornaram referência. É o caso da Costa Rica e do México. Ambos possuem programas nacionais de ser viços ambientais, com fundos que mesclam investimentos públicos e privados. Em outros países, nem sempre os projetos andam. Na Guiana, a empresa Canopy Capital comprou os direitos de negociar créditos de serviços ecossistêmicos da floresta Iwokrama. Para isso, pagou o equivalente a US$ 1,6 milhão. Não conseguiu vender nada até agora. Para o economista sênior da ONG Cifor e um dos principais nomes de serviço ambiental no mundo, Sven Wunder , há uma explicação: – Os serviços ambientais só funcionam em áreas ameaçadas, sob pressão econômica.

Ou seja, áreas que seriam derrubadas para gerar renda. O objetivo não é cobrir todas as áreas de floresta do mundo, nem dar valor monetário a todos os recursos. O valor das florestas é infinito. A ideia do pagamento por serviços ambientais surgiu na década de 1990, embora as discussões remontem os debates sobre bens comuns que vieram à tona nos anos 1970. Naquela época, a cientista social e economista Elinor Ostrom – que se tornaria a primeira mulher a receber um Nobel de Economia, em 2009 – desbancou uma legião de economistas ecológicos, em sua maioria homens, trabalhando a gestão coletiva de recursos naturais. A ideia dela era fortalecer grupos que fazem manejo de florestas, água, entre outros. Ou seja, recursos que trazem benefícios em escala macro, planetária. Com uma adaptação dessa teoria por uma visão mais financeira, surgiram projetos como o da aldeia Suruí, no Mato Grosso. Lá, os  índios acabam de ter seus programas de proteção da floresta certificados. Agora, eles podem vender créditos no mercado de carbono. Empresas e governos que precisam fazer compensações, podem comprar deles.

Outras correntes passaram a pensar diferentes formas de remuneração, como ocorre, por exemplo, nos projetos voltados a proprietários de terras. Por outro lado, pesquisadores trabalham em cima da questão: será que é realmente necessário dar valor monetário às florestas para preservá-las? Na opinião do ex-diretor do Ibase e coordenador da análise do projeto Bolsa Verde, Chico Menezes, é preciso cautela no tema: – Não faz sentido que uma empresa possa emitir o quanto de carbono quiser nos Estados Unidos e pagar algo para um projeto na Amazônia compensar . É preciso acompanha-mento, capacitação no manejo florestal. Enquanto isso, o Rio de Janeiro parece ter descoberto o serviço ambiental. Além do pioneirismo de Varre-Sai, a secretaria estadual de Economia Verde acaba de criar uma bolsa de ativos, onde proprietários podem comprar ou vender créditos de serviços ambientais. – A BVRio vai funcionar como um balcão.

Quem determinará o valor é o mercado – explicou secretária da pasta, Suzana Kahn. Já o economista ecológico Peter May, professor do mestrado Práticas em Desenvolvimento Sustentável da UFRRJ, ressalta que o mercado não pode ser o único parâmetro: – A sociedade tem que estabelecer o objetivo dos serviços ambientais, e o governo tem que regulamentar . O instrumento é bom, mas não pode ser visto como única solução. Os ativos da floresta não podem ser definidos pelo mercado. O site da Sociedade Internacional de Economia Ecológica é um dos que dá asas à discussão. A maior parte dos serviços ambientais são pouco conhecidos, no Brasil e lá fora. O que não falta, porém, é combustível para alimentar o debate. (O Globo)

2 – Fauna importada causa conflitos no estado do Rio

Perda de biodiversidade é uma das principais consequências de problema em expansão

O avanço das espécies invasoras já é a segunda maior causa de perda de diversidade ecológica no planeta, atrás apenas da destruição de habitats – em ilhas, estas posições são invertidas. O tráfico de animais silvestres, uma das causas para sua “exportação” a outras regiões, corresponde à segunda atividade ilícita mais lucrativa do mundo. O descontrole na entrada e disseminação desta fauna e flora é, por enquanto, alvo apenas de políticas pontuais em todo o planeta. Este debate volta a ser fomentado agora, com o lançamento do livro “Exóticos invasores”, da Editora da UFF.

Autor da publicação, Sávio Bruno lista dezenas de espécies que, por ação de mudanças ambientais ou do homem, foram introduzidas na fauna fluminense nos últimos séculos. Algumas acabaram sendo úteis – a lagartixa-de-parede, passageira involuntária dos navios negreiros, é uma importante predadora da venenosa aranha-marrom. A maioria das espécies exóticas, porém, trouxe problemas à fauna local.

O mico-leão-dourado, há décadas símbolo dos animais ameaçados, já teve um de seus últimos refúgios – a Reserva Biológica Poço das Antas, em Silva Jardim – invadido pelo mico-estrela. E outro sagui, o mico-leão-de-cara-dourada, também ensaia uma expansão da Serra da Tiririca, em Niterói, em direção ao interior fluminense.

Há duas situações que tornam indesejáveis o encontro dessas espécies. Uma é a agressão – como os saguis são territorialistas, os dois grupos podem brigar e, ocupando áreas muito limitadas, ocorreria escassez de alimentos. Outra seria o cruzamento das espécies, um processo chamado hibridização.

– A prole que surge daí é muitas vezes infértil, facilitando a extinção das espécies envolvidas – explica Sávio. – O ecossistema é como um jogo de varetas. Introduzir indivíduos estranhos àquele local compromete o equilíbrio de todo o ecossistema e desencadeia uma competição.

Presente em todo o Brasil, à exceção da Amazônia, o pardal ocupa abrigos e compete pelos mesmos alimentos com espécies nativas do Rio, como a andorinha-pequena, o canário-da-terra, o joão-de-barro e o tico-tico. O pardal dissemina os vírus da peste aviária e é comum encontrar agentes patológicos em seus ninhos, inclusive dois que causam dermatites em humanos. O mico-de-cheiro é outro risco à saúde pública. Ele é reservatório do protozoário Trypanosoma cruzi , causador da doença de Chagas.

Estado admite dificuldade
O estado do Rio abriga grande diversidade de animais nativos de seu território – são 166 espécies de anfíbios, 128 de répteis, 730 de aves e 185 de mamíferos. Por isso, espécies invasoras são um desafio para a gestão pública.

– Muitas espécies chegam a novas regiões por terem escapado ou sido libertadas de cativeiros, e o tráfico de animais silvestres não está controlado – ressalta o biólogo Eduardo Lardosa, chefe do Serviço de Planejamento de Pesquisa do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) do Rio.

Lardosa comandou programas pontuais de controle ao boom populacional do mico-estrela. A atividade, porém, esbarra em limitações.

– Não há como levá-los para seu habitat, porque ele já está saturado. Uma parte dos micos apreendidos pode ir para instituições de pesquisa, mas ainda assim sobram muitos animais – explica. – Uma solução extrema seria sacrificá-los, o que é um tema sensível para a opinião pública. (O Globo)