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Informativo 547 – Florestas em pé e os últimos 300

1 – Procuram-se verbas para florestas em pé

2 – Os últimos 300 Muriquis: o macaco é um dos animais com maior risco de extinção no mundo

 

1 – Procuram-se verbas para florestas em pé

A maior parte das florestas vulneráveis no mundo está completamente desprotegida. E, embora um acordo internacional tenha definido que é necessário preservar 17% das áreas terrestres – o equivalente a duas Argentinas – falta financiamento, tanto do setor público como do privado, para manter a floresta de pé, ou, mais ainda, bancar uma transição para uma economia de baixo carbono.
O cenário faz parte do relatório “Planeta Protegido 2012 – Monitorando o progresso rumo a metas globais para as áreas protegidas”, apresentado na última sexta-feira (19) pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), no encerramento da Conferência das Partes (COP 11) da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (CDB), que aconteceu na cidade indiana de Hyderabade. O relatório faz parte, também, das análises de especialistas sobre as negociações de biodiversidade no mundo.

Segundo o economista do meio ambiente Nick Oakes, integrante do programa Global Canopy, a situação ocorre porque as nações ainda não estão direcionando recursos para uma transição de modelo econômico. Sendo assim, frente à economia convencional, que explora a floresta, os escassos investimentos na conservação são completamente sobrepostos. Oakes lançou seu novo livro “Little Forest Finance Book”, ainda sem tradução para o português, durante a COP 11, que terminou na semana passada.

Nele, o economista aponta que os governos precisam canalizar investimentos para uma agricultura sustentável, no lugar de continuar apoiando os mercados tradicionais. “Na economia atual, uma opção é reflorestar áreas degradadas e usar essas árvores para vender madeira, desviando a extração de madeira das florestas nativas tropicais. Outra possibilidade é que usuários ou beneficiários da biodiversidade paguem por esses serviços. Isso pode incluir taxas de entrada ou impostos sobre áreas protegidas.”

“Turistas em Belize pagam uma taxa de aeroporto, que é usada para a conservação. Este tipo de imposição pode ser mediada por governos ou pelo setor privado”, disse Oakes.

Imagem ofuscada – A questão do financiamento foi o grande entrave da conferência para que os países fixassem planos para o cumprimento das metas de Aichi – que foram definidas na COP 10, na cidade de Nagoya, no Japão. Para impulsionar empresas e governos a dar suporte, seja financeiro, técnico ou humano, a CDB lançou na Índia a iniciativa Campeões da Biodiversidade. A ação é um convite para que governos, empresas e outros interessados façam suas propostas de apoio, por meio de um formulário, e as enviem por e-mail para o secretariado da CDB, o brasileiro Braulio Dias. Se aceita, ela é publicada na Lista dos Campeões da Biodiversidade, que revela à sociedade quem está empenhado em ajudar no cumprimento das Metas de Aichi. Até a última sexta-feira, apenas a Índia figurava na lista.

O Brasil saiu da COP11 com um troféu nada positivo. O País foi indicado, pela segunda vez, ao prêmio organizado por uma rede internacional de ONGs, que aponta nações que menos evoluíram nas negociações. O troféu tem o nome do pássaro Dodo – extinto a cerca de quatro séculos nas Ilhas Maurício. Entre as razões para o Brasil figurar na lista está o fato de o governo não levar em conta a biodiversidade nas negociações sobre o mecanismo de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD+). O País foi a favor de salvaguardas que separem metas da biodiversidade daquelas estabelecidas pela Convenção sobre Mudanças Climáticas. Por fim, as ONGs apontam má relação do governo brasileiro com comunidades locais e tribos indígenas em áreas de relevância para a conservação de espécies.

Pouco mais de 12% das áreas terrestres do mundo são protegidas. A meta é 17%. Nas áreas marinhas, a situação é pior: apenas 1,6%, enquanto a meta é de 10%. Ambos os compromissos são para o ano de 2020. (O Globo)

 

2 – Os últimos 300 Muriquis: o macaco é um dos animais com maior risco de extinção no mundo

Pesquisadores vão mapear os locais no Rio onde o maior primata das Américas e candidato a mascote das Olimpíadas de 2016 resiste.
Restam apenas 300 muriquis no estado do Rio de Janeiro. Eles são ameaçados pela diminuição das áreas de floresta, pela caça e por doenças transmitidas por outros bichos. Correndo risco de extinção, o maior primata das Américas e candidato a mascote dos Jogos Olímpicos de 2016 ainda padece com a falta generalizada de informações. Pesquisadores vão a campo a partir de janeiro e, num prazo de dois anos, pretendem concluir o primeiro censo populacional e o georreferenciamento do mono-carvoeiro, como também é conhecido esse macaco exclusivamente brasileiro.

Uma força-tarefa com 20 pesquisadores vai percorrer 350 mil hectares de florestas no estado. Além do censo e do georreferenciamento, eles pretendem coletar material genético, observar hábitos, costumes, analisar a dieta, identificar os vegetais que servem de alimento. Tudo isso para entender como se dá a interação dos muriquis com o meio ambiente. O trabalho, que custará em torno de R$ 5,5 milhões, vai servir de base científica para a criação de um plano estadual de proteção do macaco. Este documento deverá orientar desde a localização de novas áreas de preservação até a escolha das espécies de plantas usadas em programas de reflorestamento, sempre levando em consideração as preferências do animal.

A iniciativa faz parte de um conjunto de outras medidas, que incluem a campanha para a escolha da mascote dos Jogos Olímpicos, programas de educação ambiental e propagandas, que pretendem fazer do muriqui um animal conhecido e protegido. A meta é criar as condições que permitam aumento da população e, principalmente, a retirada da espécie da lista de extinção.

“O muriqui servirá de modelo para outros estudos científicos, com certeza. O boto-cinza, por exemplo, também receberá investimentos do estado para pesquisas científicas”, antecipa o secretário estadual do Ambiente, Carlos Minc.

O projeto, chamado oficialmente de “Conservação do Muriqui no Rio de Janeiro: levantamento da situação da espécie para a elaboração de um plano de ação estadual”, mobilizará especialistas da ONG Ecoatlântica, do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), do Jardim Botânico, dos centros de primatologias do Brasil e do Rio de Janeiro, da Fiocruz, UFF e UFRJ, entre outras instituições.

Não vai ser fácil mapear os hábitos do muriqui. Ao menor barulho, ele foge, com uma agilidade tão grande que é praticamente impossível persegui-lo. A desenvoltura do animal na mata, que faz lembrar a agilidade de um atleta olímpico, é um dos argumentos para fazer do muriqui a mascote dos Jogos Olímpicos do Rio. Para observar de perto esse bicho arredio, os pesquisadores terão que escalar montanhas e se embrenharem em locais de difícil acesso.

A estratégia será dividir os especialistas em dez grupos. Nas primeiras incursões, eles se espalharão pelo estado em busca de relatos e de vestígios dos muriquis. Nos locais nos quais haja alguma probabilidade de encontrar o macaco, todos eles se reunirão para fazer a varredura para a contagem e coleta de material. Quando for possível, será realizada a captura, com o auxílio de armas que lançam tranquilizantes. Nestes casos, será feita a coleta de sangue e marcação do animal.

“O muriqui é um banco genético. A gente não tem ideia hoje de como está realmente a área verde. Por exemplo, quando fizermos o estudo das fezes e analisarmos as sementes encontradas, tenho quase certeza de que identificaremos espécies novas da flora da Mata Atlântica”, explica Paula Breves, veterinária e presidente da ONG Ecoatlântica. “O Jardim Botânico ficará responsável pela análise da flora. A UFF fará o georreferenciamento das informações, mapa de ameaças, do estudo botânico. Serão muitos mapas. O pessoal da Fiocruz vai desenvolver ações de educação ambiental. Por exemplo, como trabalhar com agricultores a prevenção das queimadas.”

Os especialistas pretendem comprovar, ainda, que o Rio é o único estado da federação no qual é possível encontrar não apenas o muriqui-do-sul (Brachyteles arachnoides), que também ocorre nas matas de São Paulo e extremo Norte do Paraná, como também o muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus).

“Nenhum outro estado tem a ocorrência das duas outras espécies do animal. Vamos tentar identificar o muriqui-do-norte em Itatiaia”, antecipa Daniela Pires e Albuquerque, técnica do Inea.

Há diferenças físicas entre os muriquis-do-norte, mais despigmentado, e do sul, aparentemente mais escuro. O estudo vai permitir uma comparação entre ambas as espécies, já que hoje é grande a desinformação em relação ao muriqui-do-sul. Tanto que uma das hipóteses a ser verificada é a de que não se tratam de duas espécies distintas, mas de uma subespécie.

“Temos grandes dúvidas se realmente são duas espécies distintas. Ou se um deles é uma subespécie. Vamos tentar entender isso, porque até então não há um estudo genético do muriqui-do-sul”, salienta Paula. “A pesquisa não vai gerar informações apenas sobre o muriqui. Qualquer animal que aparecer será identificado. Vamos usar câmeras para tirar fotos de qualquer bicho que se mover em uma determinada área. Até pássaros, o que for observado, anotaremos. Será um resultado secundário, que vai gerar informação importante para os parques.”

Os pesquisadores terão atenção especial em áreas nas quais haja indícios da presença do muriqui, sobretudo os parques estaduais do Desengano (que se espalha por Santa Maria Madalena, São Fidélis e Campos), dos Três Picos (Cachoeiras de Macacu, Friburgo, Teresópolis, Guapimirim e Silva Jardim), Cunhambebe (Mangaratiba, Rio Claro, Angra e Itaguaí); parques nacionais da Serra dos Órgãos (Teresópolis, Guapimirim, Magé e Petrópolis), de Itatiaia; Área de Proteção Ambiental do Cairuçu; e Reserva Ecológica da Juatinga (ambas em Paraty).

“Este estudo de campo é fundamental para a preservação do muriqui”, resume Paula. “Ainda temos relatos de caça, em Cunhambebe, há um mês. O legal é que já estamos recebendo telefones de proprietários de áreas com mata perguntando o que eles podem fazer para ajudar o muriqui, o que eles podem plantar. Isso é fantástico.”

Outro importante local para especialistas é o Centro de Primatologia do Rio de Janeiro (CPRJ), em Guapimirim. Mantido pelo Inea, há 22 espécies de primatas e 230 animais. Porém, faltam pesquisadores. Apenas o chefe da unidade, Alcides Pissinatti, desenvolve trabalhos científicos, dividindo seu tempo com a administração local. O CPRJ recebe estudiosos visitantes, mas sem vínculo com o local. Está prevista a contratação de um veterinário no próximo concurso público, diz o Inea.

“Com os muriquis em cativeiro, é possível conhecer a biologia e o comportamento da espécie. Temos seis animais, sendo que o último nasceu no dia 5 de fevereiro de 2012”, relata Pissinatti. “O ideal seria contar com cerca de 30 animais, que não podem ser da mesma família.”

Falta de espaço – Diferentemente do muriqui do Estado do Rio, que sofre com a falta de informações científicas, há cerca de 30 anos o muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus), sobretudo os que vivem na reserva Feliciano Miguel Abdala, em Caratinga, Leste de Minas Gerais, vêm sendo estudado pelo grupo de pesquisadores liderados pela primatóloga americana Karen Strier, pesquisadora e professora da Universidade de Wisconsin-Madison. Neste período, a população do macaco pulou de 60 para cerca de 200. Se, por um lado, o crescimento revela o sucesso das medidas de preservação; por outro, mostra os problemas de manter o muriqui confinado em pequenas unidades de conservação. Já falta espaço.

Esta situação está provocando mudanças de comportamento do muriqui. Os macacos ficam mais no chão, para terem outros locais além da copa das árvores. E procuram matas vizinhas, nem sempre seguras. Por este motivo, os ambientalistas querem criar um corredor ligando as unidades de conservação, com o objetivo de dar mais espaço para o maior primata das Américas se expandir.

“A mata tem seus limites. Crescendo a população, para onde vão os muriquis? É a mesma situação de uma família, quando ela cresce, precisa ir para uma casa maior ou encontrar outro espaço”, explica Karen.

Pesquisadores também constataram o aumento do número de machos. Para a especialista, esta pode ser uma forma de controle do número de macacos. Se a população crescesse muito, haveria disputa entre os animais. Neste momento, a tendência é que o índice de crescimento da população diminua.

“Ninguém entende como esse mecanismo funciona, mas, quando há excesso de população, nascem mais machos. A população cresce mais quando há mais fêmeas”, revela Karen. “Os muriquis são as espécies mais pacíficas do mundo. Eles têm um comportamento sem agressividade, não brigam. Os dentes caninos são muito pequenos. Entre eles, em vários aspectos, não tem hierarquia. Vivem numa sociedade igualitária.”

Em vez de brigar, os muriquis têm o hábito de abraçar uns aos outros. De acordo com a pesquisadora, esta é uma forma de cumprimentar o companheiro. E, se algo os assusta, eles se abraçam para se sentirem mais confiantes. Os machos não têm dominância sobre as fêmeas. Quando copulam, os machos da maioria das outras espécies ficam muito agressivos, há forte competição. No caso do muriqui, não há disputa entre machos, que compartilham as fêmeas. Pesquisadores relatam casos em que os machos esperam em fila a sua vez de ficar com a fêmea.

“Já vi cinco machos copulando no prazo de 11 minutos, sem briga alguma. Por isso os muriquis já foram comparados com os hippies: paz e amor”, conta Karen. “Eles nos mostram que é possível viver numa sociedade, até mesmo em densidade demográfica alta, sem brigas, sem disputas. E com muita tolerância, paciência e pacifismo. Hoje em dia me inspiro no comportamento do muriqui. Quando eu percebo após 30 anos de trabalho, que a espécie está crescendo e que o problema agora é procura novas áreas protegidas para esta população, fico mais esperançosa. Existe solução, é fácil. Os próprios macacos estão nos mostrando de que eles precisam: mais florestas preservadas e protegidas.” (O Globo)