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Informativo 544 – Velho Chico, Adeus e Alta de desmatamento na Amazônia legal

1 –  Velho Chico, Adeus

2 – Amazônia Legal tem alta de desmate em agosto

 

1 –  Velho Chico, Adeus

Livro escrito por cem pesquisadores traça o mais completo perfil sobre a vegetação da região do São Francisco e anuncia a “extinção inexorável” de um dos mais importantes rios brasileiros.
É equivalente a dar oito voltas na Terra – ou a andar 344 mil quilômetros – a distância percorrida por pesquisadores durante 212 expedições ao longo e no entorno do Rio São Francisco, entre julho de 2008 e abril de 2012. O trabalho mapeia a flora do entorno do Velho Chico enquanto ocorrem as obras de transposição de suas águas, que deverão trazer profundas mudanças na paisagem. Mais do que fazer relatórios exigidos pelos órgãos ambientais que licenciam a obra, o professor José Alves Siqueira, da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), em Petrolina, Pernambuco, reuniu cem especialistas e publicou o livro “Flora das caatingas do Rio São Francisco: história natural e conservação” (Andrea Jakobsson Estúdio). A obra foi lançada em Recife este mês.

Em 556 páginas e quase três quilos de textos, mapas e muitas fotos, a publicação é o mais completo retrato da Caatinga, único bioma exclusivo do Brasil e extremamente ameaçado. O título do primeiro dos 13 capítulos, assinado por Siqueira, é um alerta: “A extinção inexorável do Rio São Francisco”.

“Mostro os elementos de fauna e da flora que já foram perdidos. É como uma bicicleta sem corrente, como anda? E se ela estiver sem pneu? E se na roda estiver faltando um raio, e quando a quantidade de raios perdidos é tão grande que inviabiliza a bicicleta? Não sobrou nada no Rio São Francisco. Sinceramente, não sei o que vai acontecer comigo depois do livro, mas precisava dizer isso”, desabafa o professor da Univasf. “Queremos que o livro sirva como um marco teórico para as próximas décadas. Vou provar daqui a dez anos o que está acontecendo”.

Ao registrar o estado atual do Rio São Francisco, o pesquisador estabelece pontos de comparação para uma nova pesquisa, a ser feita no futuro, medindo os impactos dos usos do rio. Além do desvio das águas, há intenso uso para o abastecimento humano, agricultura, criação de animais, recreação, indústrias e muitos outros. Desaguam no Velho Chico milhares de litros de esgoto sem qualquer tratamento. Barramentos – sendo pelo menos cinco de grande porte em Três Marias, Sobradinho, Itaparica, Paulo Afonso e Xingó – criam reservatórios para usinas hidrelétricas. Elas produzem 15% da energia brasileira, mas têm grande impacto. Alteraram o fluxo de peixes do rio e a qualidade das águas, acabaram com lagoas temporárias e deixaram debaixo d’água cidades ou povoados inteiros, como Remanso, Casa Nova, Sento Sé, Pilão Arcado e Sobradinho.

Com o fim da piracema, uma vez que os peixes não conseguiam mais subir o rio para se reproduzir, o declínio do número de cardumes e da variedade de espécies foi intenso. Entre as mais afetadas, as chamadas espécies migradoras, entre elas curimatá-pacu, curimatá-pioa, dourado, matrinxã, piau-verdadeiro, pirá e surubim.

Não foram as barragens as únicas culpadas pelo esgotamento de estoques pesqueiros do Velho Chico. Programas de incentivo da pesca, que não levaram em consideração a capacidade de recuperação dos cardumes, aceleraram a derrocada da atividade. Espécies exóticas, introduzidas no rio com o objetivo de aumentar sua produtividade, entre elas o bagre-africano, a carpa e o tucunaré, se tornaram verdadeiras pragas, sem oferecer lucro aos pescadores.

A região do São Francisco, que já foi considerado um dos rios mais abundantes em relação a pescado no país, precisa lidar com a importação em larga escala de peixes, sobretudo os amazônicos, para suprir o que não consegue mais fornecer. Uma das espécies mais comercializadas na Praça do Peixe, a 700 metros do rio, é o cachara (surubim) do Maranhão ou do Pará. Nos restaurantes instalados nas margens do Rio São Francisco, o cardápio oferece tilápias cultivadas ou tambaquis importados da Argentina.

A mudança provocada pelo homem tanto nas águas do Velho Chico quanto na vegetação que o circunda foi drástica e rápida. Tendo como base documentos históricos disponíveis, entre eles ilustrações de expedições de naturalistas importantes, como as do alemão Cari Friedrich Philipp von Martius, é possível ver a exuberância do passado. Um desenho feito há 195 anos mostra os especialistas da época deslumbrados com árvores de grande porte, lagoas temporárias, pássaros em abundância. Ou seja, uma enorme biodiversidade, que hoje não existe mais.

Menos de dois séculos depois, restam apenas 4% da vegetação das margens do Rio São Francisco. Desprovidas de cobertura verde, elas sofrem mais com a erosão, que assoreia o rio em ritmo acelerado. Os solos apresentam altos índices de salinização e os açudes ficam com a água salobra. Aumentam as áreas de desertificação. O Velho Chico está praticamente inviável como hidrovia. Espécies foram extintas e ecossistemas estão profundamente alterados.

Diante da expectativa da “extinção inexorável do Rio São Francisco” o livro ressalta a importância de gerar conhecimento científico. Não apenas os cientistas precisam se debruçar mais sobre o bioma como também o senso comum criado sobre a Caatinga a empobrece. Por isso, o título do livro optou por “caatingas” no plural, chamando a atenção para sua enorme diversidade.

“O processo que levará ao fim do Rio São Francisco não começou hoje. Basta olhar as ilustrações históricas para ver o que aconteceu em tão pouco tempo, menos de 200 anos. A Caatinga era um bioma surpreendente: o tamanho das árvores, a diversidade de animais, a exuberância”, ressalta Siqueira. “Observamos que ocorre um efeito em cascata. Tanto que, se algo não for feito agora, de forma veemente, o impacto do aquecimento global na Caatinga, que é o local mais ameaçado do País pelas mudanças climáticas, será dramático”.

Exclusividade do Brasil – Difundir o conhecimento gerado durante as expedições é um dos principais legados da publicação. Ainda mais porque se trata de uma temática brasileiríssima. Aproveitando o jargão ambientalista, que chama de endêmica a espécie que só existe numa determinada região, José Alves Siqueira diz que a Caatinga e o Rio São Francisco são dois endemismos brasileiros.

O bioma só ocorre no Brasil, assim como o Velho Chico, que é o único corpo hídrico de grande porte que nasce e deságua em território nacional. Além disso, entre as 1.031 espécies coletadas – a partir de 5.751 amostras -, 136 (13,2%) são restritas à Caatinga.

Vinte e cinco espécies cuja ocorrência não era conhecida no Nordeste foram encontradas. Situação semelhante aconteceu com 164 plantas, nunca antes observadas na Caatinga. Mas a cereja do bolo é uma nova espécie coletada por pesquisadores envolvidos no projeto, que ainda estão trabalhando com as informações obtidas em campo para publicar, até o final do ano, a descrição da planta numa revista especializada.

“A espécie mais próxima desta é nativa do Charco, na Argentina e no Paraguai. Isso mostra uma relação entre Caatinga com aquele bioma, são ecossistemas incríveis”, ressalta Siqueira. “Este é um dos resultados fabulosos do trabalho, evidencia que a Caatinga não é pobre, homogênea nem o patinho feio dos biomas”.

O último capítulo, “A flora das Caatingas” assinado por 78 especialistas de 40 instituições, diversas universidades, entre elas UFRJ e USP, jardins botânicos, Embrapa e o Museu de História Natural de Viena, detalha métodos de pesquisa e apresenta uma lista florística com as 1.031 espécies. Também é possível ver informações na internet, na página www.hvasf.univasf.edu.br/livro.

Os pesquisadores ressaltam que ainda há muito para se descobrir sobre a flora da Caatinga. As plantas desenvolveram mecanismos de adaptação que são ignorados pela ciência. Sendo assim, os autores do livro destacam que são necessários esforço e dedicação para que o estágio do diagnóstico da diversidade biológica seja superado pelos estudos voltados para as práticas de conservação. Nesta direção, a Univasf criou o Centro de Referência para a Restauração de Áreas Degradadas.

Recuperar a Caatinga é uma tarefa árdua, requer conhecimento científico específico. Isso reforça a importância de manter áreas nobres ainda intocadas. É muito mais fácil e barato manter a floresta em pé do que tentar reflorestar uma região degradada. Por outro lado, sem o rigor acadêmico, empresas que são obrigadas a replantar em determinadas áreas acabam fazendo as escolhas erradas, como colocar grama de crescimento rápido e impacto visual, mas inadequada para o meio ambiente.

Formatar um conhecimento consolidado de como recuperar a Caatinga deverá ser um trabalho para a ciência durante os próximos 30 anos. Um capítulo inteiro é dedicado ao assunto. Chamado “Restauração ecológica da Caatinga: desafios e oportunidades” assinado por Felipe Pimentel Lopes de Melo, do Departamento de Botânica da Universidade Federal de Pernambuco; Fabiana de Arantes Basso, do Centro de Referência para Recuperação de Áreas Degradadas da Caatinga, da Univasf; e Siqueira.

Os autores expressam a urgência de melhorar a relação com o meio ambiente. É fundamental superar a tensão entre a conservação dos recursos naturais com a crescente demanda por matéria-prima, como lenha, carvão, água e energia. Em geral, as soluções imediatistas e sem planejamento trazem enormes prejuízos econômicos, sociais e ambientais: os três pilares da sustentabilidade.

O livro também pode ser lido como uma exaltação ao bioma, incluindo a chamada cultura “caatingueira” e a alma sertaneja, que não são deixadas de fora da edição. No segundo capítulo, (“Viajantes naturalistas no Rio São Francisco”), Lorelai Brilhante Kury, especialista da Fiocruz da Uerj, faz um resgate histórico e cultural das transformações ambientais que atingiram a Caatinga.

Velho Chico, Adeus – As agressões ao Velho Chico são históricas. O rio serviu com via de ocupação da região. Ricos e pobres usam os recursos naturais como se fossem infinitos. Entre Petrolina e Juazeiro, casas que valem cerca de R$ 500 mil contam com equipamentos sofisticados, segurança de primeiro padrão e móveis caríssimos, mas a estrutura sanitária é arcaica, contamina o lençol freático e o rio. Lanchas e motos náuticas geram ruído e afugentam peixes. Quase não se vê reaproveitamento de água ou o uso de fontes energéticas renováveis.

“A principal contribuição do livro é chamar a atenção para a Caatinga. É o único bioma exclusivo do Brasil, porém o menos conhecido. Seu personagem mais famoso é o Rio São Francisco, que serviu de mote para o estudo de conservação da Caatinga”, frisa Felipe Meio, professor de ecologia da Universidade Federal de Pernambuco e um dos pesquisadores envolvidos na coleta de informações que constam do livro.

Mais do que apontar problemas, os pesquisadores defendem a adoção de práticas sustentáveis. No final de cada capítulo, eles apresentam medidas que poderiam mitigar impactos social, ambiental e também econômico. Além disso, há preocupação com a difusão das informações geradas. O Jardim Botânico do Rio de Janeiro, por exemplo, também recebe parte do material coletado pelos cientistas, A instituição carioca poderá montar uma estufa dedicada às plantas da Caatinga.

“É um desafio para a sociedade garantir desenvolvimento econômico com sustentabilidade. Vamos fazer outro Sobradinho? Não. As cidades que ficaram debaixo d’água por causa dos represamentos do Rio São Francisco perderam histórias, vidas, sítios arqueológicos inteiros”, argumenta José Alves Siqueira. “Em síntese, posso dizer que o caminho a ser seguido para viabilidade do São Francisco como modelo de desenvolvimento para outras regiões é a fase científica sólida. Investir em recursos humanos, aporte de recursos financeiros para ciência; tecnologia e educação básica”.

Os diagnósticos apresentados no livro, porém, têm prazo de validade. Os autores afirmam que são necessárias intervenções imediatas pra tentar mudar em escala regional o cenário de degradação. Além disso, sobram críticas em relação às discussões que envolvem o novo código florestal. O organizador do livro sustenta que já há conhecimento científico sólido em relação à necessidade mínima de 30 metros de vegetação nas margens dos rios para a proteção da qualidade da água, estabilização de encostas e prevenção a enchentes.

Dinheiro não falta. Pelo contrário. Só as obras de transposição de águas, originariamente orçadas em R$ 4,5 bilhões, deverão consumir cerca de R$ 10 bilhões. São recursos federais que prometem melhorar a qualidade de vida na região. Não é o primeiro grande investimento público da Caatinga. Porém, analisando a história, pesquisadores não encontraram relação direta entre o gasto e o bem-estar para a população.

Para quebrar a ideia de que o setor público não consegue fazer trabalhos de qualidade, os pesquisadores se esforçam para multiplicar o legado dos programas ambientais, previstos nos investimentos que mudarão o curso de parte das águas do Rio São Francisco.

Desde 2008, quando o dinheiro começou a ser repassado para a universidade, foram criados o Centro de Referência da Caatinga e novos laboratórios. A equipe conta com dez picapes com tração nas quatro rodas para percorrer a região durante o monitoramento da vegetação.

O trabalho de formação de alunos se volta para o bioma local. Por exemplo, havia uma dificuldade em achar veterinários que conhecessem os animais do bioma, como o veado catingueiro. Até então, grande parte dos alunos da universidade só entendia de cachorro e de gato.

“A obra [de transposição da água do Rio São Francisco] acaba nos proporcionando os meios para uma formação mais qualificada dentro da universidade. A demanda é grande, falta gente especializada para trabalhar para nossa equipe. Contratamos pessoas do Brasil inteiro”, diz Siqueira. “A chave é procurar entender as especificidades do bioma Caatinga, que, muitas vezes, chega a passar dez meses na seca. Precisamos entender as adaptações da fauna e flora, assim como a cultura”. (O Globo)

 

2 – Amazônia Legal tem alta de desmate em agosto

Inpe registra maior desmatamento mensal em três anos. Pará e Mato Grosso respondem por 83%.
Dados divulgados ontem (24) pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que no mês de agosto foi registrada a maior área de desmatamento da Amazônia Legal nos últimos três anos, Alavancada por altos índices nos Estados de Mato Grosso e Pará, a devastação do bioma foi de 522 km2 no período.

Recorde no ano, a degradação representa aumento de 220% em relação a agosto do ano passado. Desde julho de 2009, quando foram registrados 836 km2 de áreas desmatadas, a Amazônia Legal não havia atingido um nível tão alto – em 2012, o índice mensal não havia passado de 306 km2, em fevereiro.

Estados tradicionalmente com os maiores níveis de desmatamento da região amazônica, o Mato Grosso e o Pará tiveram uma variação drástica em relação a julho. No Pará, passou de 93 para 227 km2. No Mato Grosso, a alta foi ainda mais brusca e quadriplicou: de 50, chegou a 208 km2.

“Existe um afrouxamento deste controle do desmatamento em meio a questões como as mudanças no Código Florestal. E esses estados são áreas de maior pressão para o desmatamaneto, pois é onde avança o agronegócio”, explica Miguel Scarcello, presidente da ONG S.O.S. Amazônia. “Em outras regiões, como no Acre, existem políticas públicas mais desenvolvidas para diminuir a degradação”, acrescentou.

Relatório – Os dados são fornecidos por um sistema de alerta chamado Deter, que ajuda a fiscalizar e controlar o desmatamento nos nove estados da Amazônia. Segundo o Inpe, o relatório teve um alto grau de visibilidade – apenas 4% da floresta estavam cobertas pelas nuvens durante o monitoramento. Os satélites são capazes de detectar áreas desmatadas a partir de 6,25 hectares.

O alto índice em agosto ocorre pouco após a Amazônia Legal ter obtido um feito histórico. Em junho, dias antes do início da Rio +20, o Ministério do Meio Ambiente anunciou que o País havia obtido o menor índice anual de desmatamento do bioma nas mais de duas décadas em que a medição é realizada (desde 1988).

Entre agosto de 2010 e julho de 2011, a região teve 6,4 mil km2 de florestas desmatadas, com redução de 8% em relação aos resultados apurados no mesmo período entre 2009 e 2010.

Nos oito primeiros meses deste ano, a Amazônia Legal teve degradação em uma área total de 1,5 mil km2. O número é ligeiramente menor (cerca de 2%) que o montante verificado no mesmo período do ano passado. (O Estado de São Paulo)