1 – O capitalismo ambientalista na Rio+20
2 – Rio+20: PIB é uma medida incompleta e até enganosa da riqueza
1 – O capitalismo ambientalista na Rio+20
Tímidas em 92, empresas terão mais espaço na conferência ambiental.
À primeira vista, uma planície com fortes rajadas de vento no norte do Oregon pode não parecer o mais óbvio dos locais para o Google investir US$ 100 milhões. Mas é ali que vem tomando forma uma das maiores fazendas eólicas do mundo, e o dinheiro que a empresa destinou ao empreendimento é apenas uma parte dos US$ 915 milhões que o Google investiu em projetos de fontes de energia renováveis nos últimos dois anos.
A empresa não é a única: do outro lado do mundo, a controladora da fabricante dinamarquesa de brinquedos Lego está investindo 3 bilhões de coroas dinamarquesas (US$ 500 milhões) em uma fazenda eólica ao largo da costa da Alemanha. A Ikea, da Suécia, tem uma série de fazendas eólicas em países como a Escócia, França e Alemanha. “Não desejamos nos tornar uma empresa geradora de energia”, diz Rick Needham, diretor da área de energia e sustentabilidade do Google. Essa é também a posição da Ikea ou da Lego, mas o que as três desejam, efetivamente, é promover o uso da eletricidade “verde”.
“E daí?”, poderiam perguntar alguns. Empresas vêm brandindo suas credenciais ambientais desde pelo menos os anos 80, década em que Ed Woolard, então executivo-chefe do grupo químico DuPont, disse que em sua companhia a letra “e” da sigla CEO, de “chief executive officer”, representava “ambiente” (Environment). A empresa, na época, encontrava-se sob fogo cruzado de críticos que a consideravam uma das piores poluidoras do mundo.
Mas algo distinto está acontecendo agora. Um pequeno, mas importante, grupo de empresas começou a adotar estratégias verdes muito mais ambiciosas, que exigem grandes recursos e uma mudança na forma como operam seus negócios. Essa versão mais proativa de sustentabilidade empresarial poderá revelar-se insustentável. E é fácil descartar a ideia de que seria apenas mais uma tática de relações públicas para os tempos atuais, em que o termo “maquiagem verde” (usar a ecologia em relações públicas como forma de maquiar comportamento empresarial incorreto) tornou-se parte da linguagem cotidiana.
Embora algumas empresas certamente estejam desfilando com suas credenciais verdes como estratégia de marketing para atrair os consumidores, cada vez mais receptivos a questões ambientais, muitas outras parecem na verdade estar avançando muito além da maquiagem verde. Alguns observadores acreditam que estamos no início de uma mudança crucial no comportamento das empresas, que se intensificará à medida que se deparem com problemas cada vez mais profundos decorrentes do aumento populacional e da limitação de recursos.
Essa será a mensagem neste mês no Rio de Janeiro, onde mais de cem líderes mundiais se reunirão para a Rio+20, conferência sobre sustentabilidade organizada pela ONU, que tem esse nome por acontecer 20 anos depois da Eco-92, também realizada na cidade. Os líderes empresariais terão maior papel neste ano do que em encontros anteriores. Muitos dizem que as empresas agora estão na vanguarda das iniciativas, enquanto os governos, repetidamente, não conseguem chegar a um consenso em torno de políticas policiáveis de crescimento mundial sustentável.
O envolvimento empresarial no encontro de 1992 foi insignificante, diz Rachel Kyte, vice-presidente de desenvolvimento sustentável do Banco Mundial. “Foi uma era diferente”.
Neste ano, em contraste, os executivos constituirão um dos grupos não governamentais mais numerosos no Rio. Pretendem reunir-se durante vários dias, antes do evento formal. Vão elaborar suas próprias estratégias de sustentabilidade e as apresentarão às autoridades. “O objetivo é criar insumos para as políticas governamentais em escala grande e bastante ambiciosa, e é a primeira vez em que isso acontece”, diz Georg Kell, diretor executivo do Global Compact, da ONU
O que vai resultar efetivamente disso ainda não está claro. De qualquer forma, o encontro no Rio evidenciará que atualmente é mais complicado para uma empresa tentar passar-se por defensora ecológica plantando um punhado de árvores numa floresta tropical da Indonésia ou publicando um relatório de sustentabilidade.
Hoje, algumas empresas promovem mudanças bem mais radicais. O Walmart está induzindo milhares de fornecedores a praticar processos produtivos mais verdes. A Puma, fabricante de artigos esportivos, adotou uma contabilidade de “lucros e prejuízos” ambientais, para priorizar que aspectos de suas operações precisam ficar mais verdes. Sob pressão do Greenpeace, o McDonald”s comprometeu-se a não vender frangos alimentados com soja, uma agricultura que vem sendo responsável por desmatamentos na Amazônia.
Muitos observam que o número de empresas que colocam em prática esse tipo de ações continua pequeno e levantam dúvidas sobre se as demais – cujo objetivo supremo é o lucro – podem realmente mudar o rumo de suas agendas sem uma orientação mais firme dos governos. Especialmente as empresas de setores poluentes, como a indústria pesada e a petrolífera, sofrem críticas por recorrer à “maquiagem verde”.
Apesar disso, muitas empresas estão, sem dúvida, sob mais pressões imediatas para reformar seus modelos de negócios, diante de previsões de que a população mundial crescerá de 7 bilhões para 9 bilhões de pessoas até 2050, em grande parte nas economias emergentes. A pressão resultante sobre os recursos naturais, como as fontes de energia, água e alimentos, vem incentivando muitos executivos a imaginar como suas empresas podem enfrentar – ou beneficiar-se – de um mundo onde o barril de água poderá custar US$ 150, para não falar dos barris de petróleo.
Ao mesmo tempo, não há um país ou grupo de países que pareça disposto ou capaz de defender uma agenda internacional, algo que o cientista político americano Ian Bremmer descreve como mundo do “G-zero”, em oposição ao mundo liderado por grupos como o G-7 ou G-20.
Isso oferece às empresas uma oportunidade histórica, diz Paul Polman, holandês de 55 anos que há três anos e meio comanda a Unilever. O executivo é considerado um decano do movimento de sustentabilidade nas empresas. Em 2010, ele respondeu a investidores que discordavam de sua estratégia verde da seguinte forma: “Não coloque seu dinheiro em nossa empresa”. Incansavelmente, ele promoveu esforços que vão de detergentes concentrados (que usam menos água) até ensinar a agricultores indianos que cultivam pepinos a usar menos pesticidas.
Tomando um cafezinho em seu escritório em Londres, ele diz que essas medidas são necessárias devido ao esgotamento cada vez maior dos recursos naturais, associado à pressão das mudanças climáticas e à inação dos políticos presos a uma visão de curto prazo. “Não vemos, hoje, os governos comandando tanto quanto esperaríamos”, diz ele. “Essa é uma oportunidade única, para as empresas, de assumir cada vez mais essa responsabilidade de oferecer soluções”.
“O que veremos no Rio é uma galvanização inacreditável de empresas que dizem: “Eu vejo os custos todos os dias, vejo os efeitos todos os dias, não consigo funcionar se a sociedade não funciona. Nós precisamos assumir o comando.”
Alguns dizem que as empresas já assumiram a liderança. “Se você pensar onde estão as iniciativas dignas de nota na paisagem da inovação e ideias e pensamentos interessantes, verá que estão quase exclusivamente sendo agora originadas nas empresas”, diz John Elkington, uma das principais figuras do movimento de responsabilidade empresarial.
“Há uma nova geração de CEOs que não estão nisso simplesmente para sentirem-se à vontade quando nadam para lá e para cá na piscina do clube, só para poderem dizer: “Eu recebi um relatório, você recebeu?” Eles estão dizendo: “Isso diz respeito, fundamentalmente, ao futuro do capitalismo, e vamos ter de botar isso em ordem”.”
Mas há limites evidentes ao que uma empresa estruturada para gerar valor para seus acionistas, está disposta a fazer na ausência de regulamentação governamental. Em outras palavras, será que a Coca-Cola teria algum dia abandonado volutariamente o uso de garrafas tamanho família para seu refrigerante, proibida pelo prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, na semana passada?
Isso está no cerne da argumentação de pelo menos um dos executivos que estarão a caminho do Rio, neste mês. James Cameron, do grupo de investimento londrino Climate Change Capital, concorda com que as empresas estão fazendo muito mais para cumprir objetivos ambientais. “Mas, em muitos aspectos, o objetivo delas não é esse”, diz ele. “É um ajuste incômodo. O objetivo dessas empresas não deixou de ser gerar lucros e distribuí-los aos acionistas”. O desafio, considera ele, é capitalizar o know-how que está sendo desenvolvido nas principais empresas e usá-lo com mais eficácia.
Por outro lado, o grupo de defensores do verde ainda é muito pequeno. Corresponde apenas a cerca de 1% das empresas com receita acima de US$ 1 bilhão, diz David Metcalfe, principal executivo do Verdantix, uma empresa de pesquisas e consultoria, que divide essas empresas em dois segmentos.
Em primeiro lugar, há as “evangélicas”, como a Unilever, a Philips, companhia holandesa fabricante de produtos eletrônicos, ou a britânica Marks and Spencer, para as quais a sustentabilidade é “um sistema de crenças”, muitas vezes motivadas pelas opiniões de um CEO sobre tendências de longo prazo, como a escassez de recursos naturais. Embora o Google enfatize pretender que seu parque gerador de energia eólica seja lucrativo, o empreendimento é, na realidade, um exemplo da iniciativa de uma empresa de enveredar numa área de atuação não essencial para se preparar para uma nova paisagem comercial.
E há também os “capitalistas da sustentabilidade”, como a GE ou a Siemens, que investem em empreendimentos como energia eólica ou em tecnologia para aumentar a eficiência do uso da água porque veem oportunidades de crescimento em curto prazo.
Apesar do que Metcalfe descreve como esforços “desesperados” para estabelecer um vínculo entre sustentabilidade e lucros, ele diz que “ainda não se chegou, absolutamente, a uma conclusão” sobre a existência desse vínculo, e sugere que a atual campanha empresarial em defesa da sustentabilidade pode ser frágil. “A grande interrogação é até que ponto as evangélicas conseguirão converter as pessoas, e com que rapidez”, diz ele. “Acho que muitos conselhos de administração serão, positiva ou negativamente, influenciados pelo êxito ou não das evangélicas”.
Já há sinais de defecções. Neste ano, a Tesco, grupo britânico de supermercados, revelou estar abandonando um plano que pretende colocar nas embalagens de produtos, rótulos informando sobre seu “impacto de carbono”, anunciado em 2007 durante tempos mais prósperos.
Finalmente, há a questão possivelmente mais básica sobre as ambiciosas políticas de sustentabilidade empresarial: estão, essas políticas, gerando grandes resultados? “Em nível geral, a resposta é, inequivocamente, “não””, diz John Sauven, do Greenpeace Reino Unido, apontando para o aumento incessante das emissões de carbono, a pesca excessiva, a devastação florestal e a extinção de espécies em todo o mundo.
“Mas quando focamos o comportamento empresarial individual, observamos algumas mudanças bastante significativas”, acrescenta ele, explicando que as empresas multinacionais, como a Nestlé e a Unilever, podem produzir um grande impacto ao decidirem tornar suas enormes cadeias de suprimento tão ambientalmente saudáveis quanto for possível.
“Isso é muito difícil de implementar”, diz ele. “É também algo relativamente novo para elas. Mas estão fazendo isso, e estão investindo somas muito consideráveis de dinheiro”. Isso é inegável. Mas teremos de esperar até a realização da Rio+30 para ver se essas iniciativas irão realmente mudar a maneira como as empresas são operadas.
Essa deverá ser a maior conferência já organizada pela ONU, sendo uma oportunidade histórica para os líderes mundiais resolverem uma longa lista de problemas ambientais e sociais do mundo. Mas, a apenas algumas semanas do início da conferência da ONU sobre desenvolvimento sustentável na cidade brasileira do Rio de Janeiro, ainda está longe de ser claro o que dela resultará.
Acredita-se que cem líderes venham a participar da conferência Rio+20. Mas Barack Obama, o presidente dos EUA, em meio de uma campanha eleitoral, estará ausente. A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, e primeiro-ministro britânico, David Cameron, também não virão.
E alguns que inicialmente planejavam comparecer, inclusive uma delegação do Parlamento Europeu, abandonaram a ideia, quando confrontados com os preços estratosféricos dos hotéis em uma cidade cujo número de leitos é estimado em 33 mil, em comparação com os 50 mil visitantes esperados para a cúpula.
Outro empecilho está no fato de alguns hotéis insistirem em que os hóspedes façam reservas para pelo menos uma semana, mesmo que desejem permanecer apenas alguns dias, o que não é um sinal animador para uma cidade que sediará a Copa do Mundo de futebol em 2014 e a Olimpíada de 2016.
Alguns problemas estão fora de controle dos organizadores. A data original da conferência teve de ser transferida por coincidir com o Jubileu de Diamante da rainha Elizabeth II, do Reino Unido. Ninguém poderia ter imaginado que a conferência seria realizada na mesma semana em que a Grécia realizará uma eleição crítica para o destino da zona do euro.
No entanto, muita gente está mais preocupada com os resultados das negociações sobre os resultados da própria cúpula. Elas têm sido tão turbulentas, que diplomatas ainda estavam se reunindo em Nova York, na semana passada, para tentar transformar um texto final desconexo num documento político que apresentasse um pouco mais de foco.
“Parece inexistir um senso de urgência, o que é preocupante”, diz Peter Paul van de Wijs, do Conselho Mundial Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável. “O que está em discussão é totalmente inadequado para uma conferência mundial”, acrescenta Daniel Mittler, diretor de assuntos políticos do Greenpeace International. “Esses tipos de eventos deveriam se preocupar em promover mudanças transformacionais”.
Mas alguns analistas continuam otimistas. “As coisas progrediram consideravelmente nos últimos dias”, disse Farroq Ullah, do Stakeholder Forum, um grupo de defesa da sustentabilidade do ambiente. “Acho que chegaremos a um bom ponto com o documento resultante do encontro”. (Valor Econômico)
2 – Rio+20: PIB é uma medida incompleta e até enganosa da riqueza
A discussão central da Rio+20 deve ser a substituição do Produto Interno Bruto (PIB) por outra medida que reflita o atual cenário da economia global, a qual não pode mais crescer infinitamente num planeta que caminha para ter 9 bilhões de habitantes.
Essa é a opinião do economista e professor da Universidade de São Paulo (USP) Ricardo Abramovay, que lança, durante a conferência, seu novo livro, “Muito Além da Economia Verde”, pela Editora Planeta Sustentável. Ele é otimista sobre as chances de a Rio+20 fazer avançar o debate sobre novas métricas para a riqueza.
Mas avisa que só seguir o caminho da economia verde, conforme sugerido pela ONU, com “esverdeamento” dos setores poluentes e a mesma ênfase no crescimento, não é suficiente como solução. “A economia global terá de se reinventar, pois já não basta gerar empregos, pagar impostos e criar produtos. A nova economia terá de prover bem-estar às pessoas, para que o futuro não seja espartano por causa dos limites do planeta”, afirma ele.
Em seu livro, o senhor coloca a questão dos limites dos ecossistemas. Em que áreas isso está mais evidente?
Ricardo Abramovay – Os trabalhos internacionais sobre limites, sobretudo do Johan Rockström [professor da Universidade de Estocolomo], bem como vários documentos da ONU, mostram que já ultrapassamos fronteiras ecossistêmicas. Isso ameaça a vida em três áreas: mudanças climáticas, biodiversidade e ciclo do nitrogênio [importante para dejetos e fertilizantes, por exemplo], o que é muito preocupante para países de produção agrícola como o Brasil. As perspectivas de crescimento no uso de materiais, minérios e combustíveis também preocupam.
Há chance de avançarmos em um novo sistema econômico, que leve em conta esse esgotamento dos recursos?
Um dos resultados factíveis da Rio+20 será reconhecer que o PIB é uma medida errada sobre o modo como as sociedades usam os recursos para seu desenvolvimento. O PIB não é só incompleto. Ele é incapaz de distinguir aquilo que produz bem-estar daquilo que produz mal-estar para as pessoas. Os ganhos de eficiência no uso de materiais e energia decorrentes do progresso tecnológico têm seu papel, mas é óbvio que não vai dar para fazer frente à pressão por crescimento.
A noção de “economia verde” proposta pela ONU responde a esse desafio?
Continuar com o “business as usual” e tentar “esverdear” setores que utilizam mal os recursos naturais, como o setor automobilístico, de petróleo e a agroindústria, não é uma opção. A economia global terá de se reinventar, pois já não basta gerar empregos, pagar impostos e criar produtos e serviços. A nova economia terá de prover bem-estar às pessoas, para que o futuro não seja espartano por causa dos limites do planeta.
Qual seria o primeiro passo no sentido de sair do paradigma do crescimento econômico para outro modelo?
Um passo que está sendo dado é a produção de conhecimento. Nós sabemos que estamos diante de uma situação grave. Há um crescimento populacional imenso, de 80 milhões de pessoas por ano, e o consumo também cresce. A questão é como fazer esse conhecimento sobre os limites do planeta entrar nas empresas e entidades governamentais. São transformações que terão de emergir de novas coalizões sociais. Outro passo seria um consenso internacional de que precisamos incorporar ao sistema de preços os danos que o sistema econômico provoca na sociedade e nos ecossistemas. O mundo subsidia os combustíveis fósseis seis vezes mais do que as energias renováveis.
O Brasil pode prescindir do crescimento econômico?
O Brasil ainda precisa de crescimento econômico, mas esse crescimento não pode ser nos moldes tradicionais, alavancado por setores como indústria automobilística e agronegócio. Precisamos de mais hospitais, escolas, transporte coletivo, saneamento. Isso exige atividade econômica, que vai se expressar em crescimento. O que não podemos é continuar estimulando setores que fazem mau uso dos recursos naturais. (Folha de São Paulo)