1 – Aquecimento global produz uma nova geração de animais híbridos
2 – Nova espécie de ave é descoberta nas montanhas de Minas Gerais
3 – Espécie “fantasma” cruzou com o ser humano, diz estudo
1 – Aquecimento global produz uma nova geração de animais híbridos
Ursos, baleias, focas e golfinhos mestiços aumentam risco de extinção
A rápida perda de gelo do Ártico (a despeito da atual onda de frio severo na Europa, o Ártico está mais quente) está levando ao surgimento de híbridos de espécies relacionadas, o que ameaça acelerar a extinção de alguns dos animais mais vulneráveis da região.
De acordo com os cientistas, a menor área do Oceano Ártico coberta por gelo flutuante está forçando os ursos polares a manterem contato com os ursos cinzentos do norte do Canadá e do Alasca, gerando híbridos que ameaçam a integridade genética única de ambas espécies.
Outros híbridos já encontrados na região incluem um cruzamento de baleias beluga e narval e uma aparente união entre baleias da Groenlândia e franca. Espécies de botos e focas também já teriam começado a se misturar, afirmam os pesquisadores.
Urso polar híbrido era malhado
O primeiro híbrido entre ursos polares e cinzentos encontrado na natureza foi morto por caçadores em 2006. Ele era branco com manchas marrons e testes de DNA confirmaram se tratar de um cruzamento entre as duas espécies. Embora casos de miscigenação já terem sido detectados entre ursos em cativeiro, nenhum tinha sido achado na natureza ainda.
No início de 2010, mais um híbrido foi morto por caçadores no Alasca. Desta vez, porém, os testes de DNA confirmaram que ele era um híbrido de segunda geração, isto é, filho de uma fêmea mestiça com um urso cinzento.
Segundo os cientistas, o número real de casos deve ser muito maior. Devido a mudanças trazidas pelo Aquecimento Global, esses animais estão passando mais tempo no litoral à espera da formação de gelo no mar, o que os faz manter um contato mais próximo com seus primos cinzentos.
Brendan Kelly, do Laboratório Nacional de Mamíferos Marinhos dos EUA em Juneau, Alasca, liderou um estudo que identificou 34 possíveis hibridizações entre populações ou espécies de grandes mamíferos do Ártico e seu entorno.
– As previsões são de que o Oceano Ártico não deverá ter mais gelo durante os verões até o fim do século, o que vai remover uma barreira do tamanho de um continente contra esses cruzamentos. Os ursos polares estão passando mais tempo nas mesmas áreas habitadas pelos cinzentos. Baleias e focas hoje isoladas pelo gelo em breve dividirão as mesmas águas – afirma Kelly em artigo publicado na revista “Nature”. – Nem todos os cruzamentos de espécies produzem filhotes viáveis, mas as possibilidades são maiores entre os mamíferos do Ártico porque o seu número de cromossomos variou pouco.
Embora o surgimento de híbridos seja uma característica comum da evolução, os cientistas acreditam que a hibridização no Ártico devido às mudanças climáticas terá grandes impactos, especialmente para animais altamente especializados como os ursos polares, que dependem de um comportamento altamente evoluído.
Mestiço não tem o mesmo talento de caçador
Zoólogos na Alemanha, por exemplo, estudaram híbridos entre ursos polares e cinzentos nascidos em cativeiro e descobriram que embora eles usem as estratégias típicas dos ursos polares para caçar focas, não têm as mesmas habilidades para nadar e realizar suas caçadas.
Andrew Whiteley, da Universidade de Massachusetts, diz que o cruzamento pode ser especialmente problemático para espécies raras ou ameaçadas. Há apenas 200 baleias francas do Atlântico Norte na natureza e sua própria existência está em risco com a hibridização com as baleias-da-Groenlândia, mais comuns.
– A hibridização pode levar à perda da biodiversidade. Linhagens distintas que levaram milhares de anos para evoluir vão acabar se misturando – explica.
Os cientistas estimam que existem cerca de 22 mil ursos polares do Ártico e que sua população deve cair em um terço até a metade do século, se o gelo continuar a retroceder ao ritmo atual, levando ao seu desaparecimento total durante os verões em 2060. (Steve Connor) (O Globo, 23/12)
2 – Nova espécie de ave é descoberta nas montanhas de Minas Gerais
Pesquisador da PUC-Minas leva 14 anos até conseguir comprovar a teoria de que o pássaro ainda não havia sido descrito
Há 14 anos, o então estudante de biologia Marcelo Ferreira de Vasconcelos percebeu um canto de pássaro que nunca tinha ouvido. Ele estava num trabalho de campo na Serra da Piedade, no município de Caeté, e, ao escutar os primeiros piados, já desconfiou de que se tratava de uma espécie diferente, uma vez que conhecia bem aquela região e jamais ouvira nada igual.
Imediatamente, a chama da curiosidade se acendeu. Fogo que durou até este ano, quando, finalmente, conseguiu mostrar ao mundo o tapaculo-serrano. Trata-se de uma ave que praticamente não voa, mas caminha, como um rato, no solo de ambientes sombrios das grotas que entrecortam as serras mineiras.
Atualmente professor do mestrado em zoologia da PUC-Minas, Marcelo conta que, na mesma época, os pesquisadores Bret Whitney, José Fernando Pacheco e Luís Fábio Silveira descobriram a ave na Serra do Caraça, em Catas Altas. Todos se reuniram para descrever a nova espécie, estudo que tomou cerca de 15 anos de pesquisas em outras montanhas, análises genéticas, visitas a vários museus brasileiros e ao Museu de História Natural de Nova York.
O reconhecimento pela comunidade científica internacional de uma nova espécie resulta de um longo e demorado processo, explica o professor. Basicamente, é dividido em três fases: análise genética; pesquisa de exemplares em museus e publicações e a descrição da espécie. Nesse meio tempo, a descoberta pode inclusive ser contestada por outros pesquisadores, como foi o caso do tapaculo-serrano. Alguns consideraram que a espécie já tinha sido “batizada” em 1835 pelo naturalista francês Jean Moris Edouard Ménétriès.
Porém, análises de diversos exemplares depositados em museus e das fotografias de excelente qualidade da ave coletada por Ménétriès (hoje depositada no Museu de Zoologia de São Petersburgo, Rússia) mostraram que a espécie descrita pelo francês era o tapaculo-preto (Scytalopus speluncae), típica das montanhas mais próximas ao Oceano Atlântico.
A partir daí, e do reconhecimento de revistas especializadas, a espécie encontrada pelos pesquisadores em Minas Gerais foi considerada realmente nova, sendo descrita em junho deste ano na Revista Brasileira de Ornitologia, com o nome de Scytalopus petrophilus. O professor Marcelo explica que a denominação nasce a partir das determinações de um complicado Código Internacional de Nomenclatura Zoológica.
O vocábulo petrophilus, que em grego significa “amante das pedras”, refere-se ao fato de a ave viver geralmente associada aos ambientes rochosos, típicos dos topos de montanha. O nome em português, tapaculo-serrano, reconhece que a distribuição geográfica da espécie está restrita às serras da região da Mantiqueira até os arredores de Diamantina. Ainda não há indícios de sua existência fora das montanhas de Minas Gerais.
Ao contrário de muitas aves com cores que chamam a atenção, o tapaculo-serrano não é vistoso e também não tem um canto melodioso. Sua coloração geral é cinzenta, com a barriga esbranquiçada e as laterais do corpo amarronzadas com barras marrom-escuras. Seu canto é monótono, consistindo de uma série repetitiva de notas, algo como um “tién-tién-tién-tién…”, ouvido principalmente nas primeiras horas das manhãs frias e nubladas, típicas das montanhas mineiras.
Segundo Marcelo, não é possível afirmar que espécie se encontra ameaçada de extinção porque só foi descrita recentemente e isso ainda não foi avaliado. Diz também “que, até o momento, não se sabe quantos exemplares existem, mas devem ser milhares, já que a espécie é relativamente abundante nas nossas serras mineiras. Se alimenta de insetos e ainda não se sabe sobre sua reprodução”.
Vira e mexe, a mídia nos traz informações sobre descobertas de novas espécies animais, vegetais ou micro-organismos, numa prova de quanto a natureza é rica e cheia de surpresas. Uma pergunta, no entanto, se faz necessária: qual a importância do descobrimento dessas espécies e no que, efetivamente, elas contribuem para a ciência?
Para o professor Marcelo Vasconcelos, que também é da Associação Montanhas do Espinhaço, a apresentação sinaliza para um sentido maior de preservação ambiental. “Além de despertarem interesse para a conservação delas próprias – que podem atuar como guarda-chuva, protegendo áreas que também têm outras espécies – elas podem nos dar muitas informações interessantes sobre a biogeografia.
Exemplo: ao se encontrar uma espécie nova que tem um parente próximo (filogeneticamente) em outra região geográfica, pode-se levantar hipóteses que expliquem este padrão, tais como conexões paleoambientais entre as áreas de distribuição dessas espécies, formação de barreiras geográficas, dispersão etc.”, explica.
Outro professor, Marcos Rodrigues, do Departamento de Zoologia da UFMG, diz que o caso do tapaculo-serrano mostra que muita coisa ainda está para ser descoberta. “E é revelador que tenha sido em Minas Gerais. Na Amazônia as descobertas, naquele mundo de florestas, são mais frequentes, mas aqui, ao lado de Belo Horizonte, chama muito a atenção.”
Diz também que o estudo de novas espécies permite que se analise o clima, as mudanças climáticas no passado e futuro e o papel que elas desempenham no ecossistema em que vivem, entre outros fatores. Ele revela que uma outra nova espécie, também de Minas Gerais, está para ser anunciada.
No entanto, se nega a dizer qual é, se é animal ou vegetal ou mesmo quem está conduzindo os trabalhos. “Anunciar antes de o processo ser concluído atrapalha o andamento”, explica. (Alfredo Durães) (Correio Braziliense, 23/12)
3 – Espécie “fantasma” cruzou com o ser humano, diz estudo
Hominídeo da Sibéria, do qual restaram só um osso e um dente, compartilha genes com tribo da Nova Guiné. DNA completo indica que “casamento” entre ancestrais humanos foi ainda mais comum do que se imaginava antes
Os mesmos cientistas que revelaram a ascendência parcialmente neandertal de europeus e asiáticos de hoje flagraram outro caso de amor entre a nossa espécie e um primo extinto. Só que, desta vez, o “amante” pré-histórico é um fantasma.
Apenas um osso (a ponta de um dedo) e um dente quebrado da criatura, habitante da caverna de Denisova, na Sibéria, chegaram até nós. Foi o suficiente para que o genoma inteiro do hominídeo de 40 mil anos fosse lido -e comparado com o de pessoas de hoje e o de neandertais.
O resultado está na revista científica britânica “Nature”: os denisovanos (como foram apelidados por seus descobridores) parecem ter evoluído de forma separada por algumas centenas de milhares de anos. Sumiram, mas não antes de legar pedacinhos de seu DNA aos ancestrais de alguns povos do Pacífico.
Segundo a equipe liderada por David Reich, da Universidade Harvard (EUA), e Svante Pääbo, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva (Alemanha), cerca de 5% do DNA dos melanésios, moradores de Papua Nova-Guiné e adjacências, teria vindo do povo de Denisova.
Se as conclusões estiveram corretas, fica mais forte a ideia de que a interação entre várias espécies de hominídeos contribuiu para criar a humanidade moderna.
Pegando leve
Os últimos resultados sobre os cacos de hominídeos siberianos são, ao mesmo tempo, mais e menos radicais do que os indícios preliminares tinham sugerido.
No primeiro estudo sobre Denisova, publicado em março, Pääbo e companhia haviam analisado só o mtDNA (DNA mitocondrial) oriundo do osso do dedo. Presente nas mitocôndrias, as usinas de energia das células, o mtDNA é transmitido pelo lado materno e corresponde apenas a uma pequena parte do patrimônio genético de um indivíduo.
Olhando só o mtDNA, os cientistas tinham estimado que o povo de Denisova está evolutivamente isolado há cerca de 1 milhão de anos, antes que os ancestrais do Homo sapiens e dos neandertais tivessem se separado em duas linhagens diferentes.
“Seja lá o que for isso, trata-se de uma nova criatura, que simplesmente tinha escapado ao nosso radar até agora”, declarou Pääbo.
Os novos dados, mais completos, indicam que, na verdade, os denisovanos são primos de primeiro grau dos neandertais, tendo se separado deles há uns 250 mil anos. Antes disso, formavam uma linhagem comum que teria divergido da nossa há uns 400 mil anos.
O mais maluco, no entanto, é que alguns trechos de DNA exclusivos dos denisovanos só aparecem no DNA de nativos de Papua-Nova Guiné e ilhas próximas, entre uma série de pessoas de origem europeia, asiática e africana cujo genoma foi analisado pelos pesquisadores.
A hipótese mais natural para explicar isso é que, quando deixaram a África, ancestrais das pessoas de hoje toparam com denisovanos em algum lugar da Ásia, tiveram filhos com eles e, mais tarde, essa população foi parar na Nova Guiné.
Ninguém sabe que cara tinha o povo de Denisova, mas o único dente (um molar) é enorme e tem morfologia peculiar. Suas dimensões lembram as de dentes de hominídeos muito primitivos.
Dados matam consenso sobre a gênese africana do homem
Com um punhado de “papers” (artigos científicos) publicados ao longo deste ano, o sueco Svante Pääbo e seus colegas embolaram o que parecia ser um consenso dos mais consolidados no estudo da evolução humana.
E o mais irônico é que Pääbo foi um dos arquitetos desse consenso. Ao longo dos anos 1990 e 2000, parecia cada vez mais claro que as raízes do Homo sapiens eram africanas, e só africanas.
Numa grande onda de expansão que teria começado há uns 60 mil anos, teríamos deixado o continente ancestral e varrido os chamados hominídeos arcaicos -neandertais e Homo erectus entre eles- da Eurásia.
A equipe do Instituto Max Planck ajudou a consolidar essa ideia ao obter DNA mitocondrial de vários espécimes neandertais e anunciar “desculpe, nenhuma pessoa hoje tem esse tipo de mtDNA”.
Gene versus gente
Por isso mesmo, Pääbo e companhia apostavam que a mestiçagem entre Homo sapiens e primos arcaicos era impossível ou, no máximo, irrelevante. Mas sabiam, como costuma dizer o bioantropólogo brasileiro Walter Neves, que “história de um só gene não é história de população”. E o mtDNA equivale, na verdade, a um único gene.
Muitas pesquisadores contrários ao consenso, por isso mesmo, sentiram-se vingados com a confirmação dos cruzamentos entre H. sapiens e neandertais. Os dados de Denisova, porém, levam a coisa para outro patamar.
Afinal, se um hominídeo raro a ponto de ainda não ter sido identificado via fósseis pode legar genes para papuanos de hoje, é sinal de que a mestiçagem entre espécies pode ter sido relativamente comum nessa época.
É provável que muita gente não goste do fim do consenso por razões que passam raspando pelo ideológico. A hipótese da origem africana tinha, de fato, a vantagem de reforçar a ideia de uma origem comum, recente, para todas as pessoas vivas hoje -uma refutação genômica do racismo, digamos.
Nossas diferenças, pelo visto, vão um pouco mais fundo. Que seja -é uma boa razão para celebrá-las e para conviver com elas. (RJL) (Reinaldo José Lopes) (Folha de SP, 23/12)