1 – Conhecemos pouco mais de 1% dos oceanos
2 – Insetos ajudam a desvendar homicídios
1 – Conhecemos pouco mais de 1% dos oceanos, diz cientista brasileira
Lúcia Campos, professora da UFRJ, participou da apresentação do Centro da Vida Marinha, em Londres
De todos os lugares do nosso planeta, um dos mais desconhecidos é a região oceânica que, ironicamente, cobre a maior parte da superfície terrestre. Segundo a pesquisadora brasileira Lúcia Campos, bióloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), nós conhecemos pouco mais de 1% do que existe nos nossos mares.
Lúcia participou na última segunda-feira da apresentação dos resultados dos 10 anos de trabalho do Censo da Vida Marinha, em Londres. Para a brasileira, que apresentou um dos painéis do evento, outro aspecto importante levantado pela gigantesca pesquisa – que envolveu cerca de 2,7 mil cientistas de todo o mundo – é a surpreendente biodiversidade nos polos, em especial na Antártida, e em águas profundas, mais rica que em algumas florestas tropicais.
Lúcia lembra que o planeta é 80% coberto por mar, e, destes, a maior parte tem 3 mil m de profundidade. “Da área oceânica, a gente conhece pouquíssimo. Pouco mais de 1%, agora com o censo. E tem muita coisa para ser descoberta, muitas montanhas submarinas, muitos tipos de ambientes diferentes. A diversidade que existe no oceano é realmente muito grande”, disse Lúcia Campos.
Em seus 10 anos de trabalhos, o Censo da Vida Marinha mapeou cerca de 230 mil espécies – sendo cerca de 1,2 mil novas, que foram descobertas pelo censo. São mais de 80 nações envolvidas nas pesquisas, que revelam a diversidade, a abundância e a distribuição da vida nos oceanos.
Os resultados apresentados pelo Censo de Vida Marinha irão servir como base científica, por exemplo, para o desenvolvimento sustentável da indústria pesqueira, a conservação da diversidade, a redução da poluição e a possível recuperação de habitats.
Diversidade nas profundezas
Segundo Lúcia, acreditava-se que, em águas profundas haveria menos diversidade de seres vivos, por causa do escuro e do frio. “Isso não é verdade, pelo contrário! Essas áreas podem ser muito mais ricas do que florestas tropicais”, afirma. As regiões tropicais sempre foram aquelas onde se encontrava a maior gama de seres.
Ao exemplificar a riqueza da região, Lúcia Campos citou uma expedição alemã que visitou uma das áreas nunca exploradas e coletou mais de 600 espécies de animais da ordem isopoda, crustáceos que possuem o corpo achatado dorsoventralmente. Destas, em torno de 500 eram novas para a ciência.
Tamanha diversidade foi recebida com surpresa pela comunidade científica, e, segundo Lúcia, o sul sai ganhando em relação ao polo norte. “A região antártica tem uma diversidade muito grande de organismos, mais do que se esperava anteriormente”.
Os pesquisadores também descobriram uma ligação entre a Antártida e a América do Sul – mais especificamente o Brasil.
“Identificamos algumas espécies que são compartilhadas entre essas duas regiões. Estamos partindo agora para um estudo mais aprofundado, usando ferramentas moleculares para saber se realmente estamos falando das mesmas espécies, e quais as distinções mais sutis que podem existir entre elas. Mas algumas são realmente compartilhadas”, disse a pesquisadora, que também afirma que o número de espécies marinhas identificadas até hoje é subestimado.
“Chegamos a fazer um levantamento do número de espécies marinhas brasileiras. Dá mais de 9 mil espécies, mas ainda é um número subestimado. A gente conhece muito pouco das zonas profundas brasileiras, e tem algumas regiões melhor estudadas, como a bacia de Campos. Foram feitas algumas prospecções mais profundas, das ilhas oceânicas também, mas tem muita coisa ainda sendo descrita”, disse.
Participação brasileira
O Brasil conta com cerca de 10 pesquisadores em diferentes projetos, como o Censo de Margens Continentais e o desenvolvimento do Sistema de Informação Biogeográfico do Oceano (Obis, na sigla em inglês), um banco de dados que já conta com 16 milhões de registros. Mesmo revelando novas espécies em todos os grupos de trabalho, o Censo ainda terá muito trabalho pela frente. (Terra, 5/10)
2 – Insetos ajudam a desvendar homicídios
Pesquisadores de várias universidades tentam criar protocolos que facilitem uso da entomologia forense no cotidiano da polícia
– Vocês acharam o corpo em uma floresta?
– Não. Em um descampado.
– O homicídio não ocorreu lá. Tudo indica que foi dentro de uma mata fechada.
O biólogo José Roberto Pujol Luz, da Universidade de Brasília (UnB), fornecia uma informação importante para os peritos. Ele não precisou examinar o corpo. Bastaram algumas larvas obtidas do cadáver. Pujol pertence ao restrito grupo de brasileiros que se dedicam à entomologia forense – ciência dos insetos aplicada à solução de crimes.
Um assassino, no interior de Minas Gerais, arrancara dedos, dentes, olhos, orelhas e nariz do cadáver. Sem conseguir identificar a vítima, os policiais utilizaram a pista de Pujol para procurar o criminoso nas cidades vizinhas: as larvas pertenciam a espécies da mata e não havia florestas no município onde o corpo foi encontrado.
Post-mortem
“As larvas de moscas já têm 2 centímetros”, observa Watson. “Isso significa que a morte ocorreu há 10 ou 12 horas.” No filme Sherlock Holmes, de 2009, o amigo do famoso detetive exemplificou o principal uso da entomologia forense: a estimativa do intervalo decorrido entre a morte e a descoberta do corpo – uma variável conhecida como intervalo post-mortem.
“Os insetos funcionam como um cronômetro”, aponta Arício Linhares, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), considerado o iniciador da entomologia forense no país.
Graças ao seu aguçado olfato, as primeiras moscas chegam poucos minutos após a morte. Normalmente, depositam os ovos em locais protegidos, como os ouvidos, o nariz ou a boca. O tempo de desenvolvimento das larvas depende da espécie do inseto e da temperatura.
Depois de 72 horas, as previsões para intervalo post-mortem obtidas por critérios médico-legais se tornam muito imprecisas. É quando a entomologia forense surge como uma alternativa interessante.
Janyra Oliveira da Costa, do Instituto de Criminalística Carlos Éboli, no Rio, recorda quando foi chamada para periciar um homem enforcado. Apesar do rosto desfigurado, o corpo apresentava um estado incomum de conservação.
Confusos, os legistas apostavam em uma morte recente. Ao investigar os insetos, Janyra percebeu o erro. As larvas mais velhas, aquelas que os peritos criminais procuram em primeiro lugar, testemunhavam uma morte ocorrida há semanas.
Linhares lembra o caso de uma garota encontrada morta em um canavial no interior de São Paulo. O cadáver já não permitia uma estimativa precisa do momento do crime. O médico-legista arriscou que o crime havia acontecido no fim de semana anterior. O palpite inocentava o namorado da vítima, que possuía um álibi para o período.
A equipe da Unicamp contestou: os insetos mostravam que o crime ocorrera dias depois, durante a semana. “Devolvemos o namorado à cena do crime”, afirma o pesquisador. O rapaz acabou confessando o assassinato.
Linhares procura funções matemáticas que permitam, com base na espécie, na temperatura ambiente e no peso das larvas, determinar sua idade.
Pupas
Claudio Von Zuben, da Universidade do Estado de São Paulo (Unesp), em Rio Claro, também recorre à matemática para encontrar protocolos que facilitem a vida dos peritos.
No fim do período larval, os insetos costumam deixar o cadáver e procurar o solo, onde se enterram, transformando-se em pupas. Só depois emergem como formas adultas e aladas. As pupas são importantes para a perícia, pois costumam ser mais velhas que as larvas e, por isso, oferecem uma estimativa mais precisa do intervalo post-mortem.
“Não faz sentido o perito remover duas toneladas de terra para encontrar pupas”, aponta Von Zuben, que desenvolveu protocolos periciais para a tarefa de achar pupas com o mínimo esforço e o máximo resultado.
Alexandre Uruhary trabalhava no laboratório de Pujol, na UnB, quando foi chamado para auxiliar a perícia dos locais relacionados a um crime que chocou Brasília. “Chegando lá, vi que os insetos contavam uma história com muita clareza”, afirma Uruhary.
Policiais procuravam uma jovem desaparecida. Acompanhando de longe a investigação, o assassino percebeu que chegavam cada vez mais perto do corpo e resolveu escondê-lo em outro lugar. Uruhary não teve dúvidas ao ver um local repleto de pupas de moscas Chrysomya, as primeiras a colonizar o corpo: era o local do crime.
Tudo indicava que o assassino não havia conseguido realizar seu intento de transladar o cadáver e o deixou pelo caminho. Larvas de besouros, que só iniciam seu trabalho mais tarde, foram achadas onde o corpo havia sido deixado, possibilitando estimar quando o criminoso retornou ao local do crime para escondê-lo.
Patrícia Thyssen, da Unicamp, resolveu associar a entomologia forense à biologia molecular. Análises genéticas das larvas facilitariam sua identificação, que não dependeria mais de um conhecimento tão específico quanto a taxonomia de larvas de insetos, mas de um protocolo preciso e relativamente fácil de reproduzir.
Além disso, as ferramentas moleculares permitiriam diferenciar geneticamente populações de uma mesma espécie, mas que habitam lugares diferentes. Dessa forma, seria possível estimar com mais precisão o local onde aconteceu o crime, muitas vezes diferente do local onde o corpo é encontrado.
As novas tecnologias também transformam os insetos em verdadeiros registros químicos de como estava o organismo de uma pessoa no momento da sua morte. Substâncias que desapareceriam sem deixar rasto com a decomposição do corpo são preservadas nos insetos.
“É possível descobrir se a vítima de um crime usou algum tipo de droga: de cocaína a remédio para pressão”, aponta Linhares. Basta analisar quimicamente as larvas ou as pupas. (Alexandre Gonçalves) (O Estado de SP, 10/10)