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Informativo 246 – Tá quente ou tá frio?; Fragmentação questionada

1 – Tá quente ou tá frio?

2 – Fragmentação questionada

 

1 – Tá quente ou tá frio?

Estudos sugerem que baixa na atividade solar não reduzirá aquecimento global, mas resfriará a Europa
Os rumores sobre o planeta mergulhar em uma nova era glacial devido a um enfraquecimento da atividade solar neste século foram fortemente exagerados. Um novo estudo alemão mostra que, por mais que o Sol poupe a Terra de seus raios nas próximas décadas, o resfriamento que isso causará não será suficiente para contrabalançar o aquecimento causado pelas emissões de CO2.
Isso, claro, se você não morar na Europa: pois uma outra pesquisa, recém-publicada por cientistas britânicos, sugere que a baixa na atividade solar causará um aumento no número de invernos rigorosos no Velho Continente.
Parece uma contradição, certo? Mas, na verdade, os autores de ambos os estudos dizem que um não invalida o outro. É o tipo de paradoxo que você ganha quando tenta prever algo tão complexo quanto o clima.
“Embora a correlação que eles descobriram não seja acachapante, ela é certamente crível, pois bate com outros estudos que apontam na mesma direção”, disse sobre o estudo britânico o astrofísico Georg Feulner, do PIK (Instituto de Pesquisa de Impactos Climáticos de Potsdam), autor do estudo alemão. “E trata-se de um efeito regional.”
Os dois trabalhos partiram de uma mesma constatação: desde os anos 1980 o Sol está atravessando um período de baixa em sua atividade. O número de manchas solares diminui, e, com elas, o de regiões muito ativas ao redor. Isso reduz a quantidade de radiação que sai da superfície solar e chega à Terra.
As manchas solares têm pico de 11 em 11 anos, e um mínimo que dura de um a três anos. Mas, de tempos em tempos, o Sol parece atravessar “grandes mínimos”, períodos longos de baixa atividade. Quando isso acontece, o planeta esfria.
O último desses grandes mínimos aconteceu no século 17 e é chamado de mínimo de Maunder. Ele coincidiu com um período conhecido como Pequena Era do Gelo, no qual a Europa ficou em média 1C mais fria durante um século.
Parece pouco. Mas, para dar uma ideia, a diferença de temperatura média entre a última Era do Gelo (há 12 mil anos) e as temperaturas atuais é de apenas 5C.
Torcida “cética”
O autor do estudo britânico, Mike Lockwood, da Universidade de Reading, afirma que provavelmente o Sol está hoje “no meio do caminho de um novo mínimo de Maunder”.
Isso tem levado alguns pesquisadores a prever um resfriamento global no século 21. A hipótese é especialmente popular entre os negacionistas da mudança climática, que veem na baixa solar um argumento para não gastar em corte de emissões ou reduzir o consumo de combustíveis fósseis.
Entram em cena Georg Feulner e seu colega de Potsdam, o climatologista Stefan Rahmstorf. “É um assunto interessante e bastante discutido pelo público cético, então resolvemos responder a essa questão de uma vez”, contou Feulner à Folha, por e-mail.
A dupla alemã usou dados sobre o clima do passado para reconstituir a irradiação solar total durante o mínimo de Maunder num modelo climático de computador. Eles verificaram que o valor de atividade solar que melhor reproduzia as temperaturas verificadas durante a Pequena Era do Gelo era uma queda de 0,08% na irradiação total. Devido às incertezas na reconstrução do clima no século 17, eles também usaram um valor de irradiação solar muito mais baixo, no qual a queda na atividade é de 0,25%.
Em seguida, rodaram o modelo usando dois cenários de emissões do IPCC (o painel do clima da ONU): um pessimista, no qual a temperatura global chega a 4,5C a mais em relação à média do século 20, e um menos pessimista, no qual ela atinge “apenas” 3,7C.
Descobriram que o efeito de resfriamento induzido pela baixa na atividade solar é modesto: mesmo que o Sol reduza sua irradiação em 0,25%, o resfriamento é de apenas 0,3C -o que não faz nem cócegas no aquecimento antropogênico.
Corrente de jato
O problema é que esse resfriamento não se distribui igualmente por todo o planeta, e há efeitos regionais que o modelo alemão não considera. O estudo de Lockwood, publicado no periódico “Environment Research Letters”, afirma que na Europa, nos próximos anos, a redução na atividade solar deve produzir invernos tão rigorosos quanto o de 2009-2010, que viu nevascas recorde no Reino Unido, por exemplo.
Segundo Lockwood, a explicação mais provável para o fenômeno é o bloqueio da corrente de jato, como são chamados os ventos fortes que sopram sobre a Europa e o norte da América do Norte.
O bloqueio acontece quando a corrente de jato se dobra sobre si mesma, tomando a forma de um “s”. Isso muda o regime de ventos sobre o continente, permitindo que ventos frios soprem ali, derrubando a temperatura no inverno. Foi o que aconteceu neste ano.
Vários estudos já relacionaram as baixas na atividade solar com o bloqueio da corrente de jato. Segundo Lockwood, portanto, os europeus podem ir se acostumando -embora ele ressalte que isso não altera a tendência global de aquecimento.
Outro lado
A Folha procurou Sallie Baliunas, astrofísica da Universidade Harvard (EUA) que é uma das maiores defensoras da hipótese de resfriamento global causado pela baixa na atividade solar. Não obteve resposta. (Claudio Ângelo) (Folha de SP, 25/4)

 

2 – Fragmentação questionada

Pesquisadores apontam que a fragmentação intensa da Mata Atlântica no Quaternário, que teria gerado extinção de espécies na parte sul do bioma, pode não ter ocorrido
Um estudo publicado na revista Science, em 2009, indicou que a parte sul da Mata Atlântica (de São Paulo ao Rio Grande Sul) passou por um processo de “recolonização recente”. Espécies de plantas e animais teriam reocupado a área nos últimos 10 mil anos, após extinção associada aos períodos frios e secos do Último Máximo Glaciário, há cerca de 21 mil anos.
Na pesquisa, o grupo de cientistas brasileiros e norte-americanos aplicou um método – com base em registros climáticos e utilizando como modelo de análise três espécies de anfíbios – para estimar as distribuições das espécies no passado e, com isso, localizar possíveis áreas de refúgios. 
Uma das conclusões do trabalho aponta a existência de três refúgios históricos na parte norte da Mata Atlântica, localizados no sul da Bahia e em Pernambuco, com outro menor no Estado de São Paulo. A explicação é que, por ter sido mais estável climaticamente, a parte norte do bioma reuniria uma maior diversidade biológica e mereceria, portanto, maior esforço de conservação.
Mas um novo estudo, publicado na revista Molecular Phylogenetics and Evolution, levanta a hipótese de que pode não ter havido uma fragmentação tão intensa da Mata Atlântica como se acreditava ou que, se houve, teriam existido refúgios também na parte sul do bioma.
O motivo é que, ao utilizar um grupo de sapos (Rhinella gr.crucifer) como modelo, os pesquisadores identificaram que a linhagem mais antiga e diferenciada está localizada justamente no extremo sul da Mata Atlântica.
“Os resultados atestam que a Mata Atlântica não se comportou como se pensava e que, se houve mesmo a fragmentação massiva da mata durante as glaciações, houve também refúgios na parte sul. E, de fato, ao pesquisar na literatura encontramos outros trabalhos que descrevem linhagens antigas na parte sul, reforçando essa ideia”, disse Maria Tereza Thomé, pesquisadora do Instituto de Biociências de Rio Claro da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e primeira autora do artigo, à Agência Fapesp.
O trabalho corresponde ao capítulo inicial de sua tese de doutorado orientada pelo professor João Alexandrino, do mesmo instituto, com Bolsa da Fapesp, e está inserido no projeto de pesquisa “Biogeografia, filogeografia e diversificação de anuros endêmicos da Mata Atlântica do Brasil”, conduzido por Alexandrino com apoio da Fundação por meio do Programa Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes.
De acordo com Maria Tereza, a ideia central foi encontrar pistas sobre o surgimento de espécies na Mata Atlântica utilizando como modelo um grupo de sapos que conta atualmente com cinco espécies.
“O grupo escolhido é comum, mas é também endêmico, ou seja, ocorre por toda a Mata Atlântica e, ao mesmo tempo, só ocorre nesse bioma, dependendo dele para continuar existindo. A intenção era trabalhar com um grupo de animais que fosse comum e com distribuição mais ampla”, explicou Maria Tereza.
Os objetivos do estudo são investigar a variação genética e morfológica desse grupo de anfíbios, verificar se as espécies consideradas atualmente são entidades evolutivas independentes e se existem mais espécies ainda desconhecidas e tentar propor uma hipótese biogeográfica que explique como elas se formaram.
De acordo com Alexandrino, coautor do artigo e agora professor adjunto da Universidade Federal de São Paulo, o objetivo do artigo foi discutir se houve ou não refúgios de Mata Atlântica em períodos mais frios do Quaternário.
“Ainda não sabemos se a persistência de linhagens e espécies diferenciadas no sul da Mata Atlântica resultou da existência de refúgios históricos de mata, da ação de barreiras fluviais associadas a tectonismo ou de uma combinação de ambos”, disse.
Para avaliar a diversidade genética e estudar como a diversidade está distribuída geograficamente, o grupo trabalhou com sequenciamento de fragmentos de DNA mitocondrial (herdados apenas do lado materno) e também do DNA nuclear.
“Com esses métodos é possível averiguar os padrões de parentesco entre as linhagens, e ainda aplicar um relógio molecular baseado na taxa de mutação desses fragmentos para estimar há quanto tempo essas linhagens estão evoluindo independentemente”, explicou Maria Tereza.
Outro método utilizado pelos pesquisadores foi a paleomodelagem ecológica de nicho, em que são usados cenários climáticos que tentam descrever as condições do clima no passado para estimar qual teria sido a distribuição provável desses animais em cada período glacial.
Segundo Alexandrino, a proposta foi primeiro identificar as condições climáticas em que os animais ocorrem atualmente, para, então, gerar um modelo matemático preditivo (que descrevesse as condições de que esses animais necessitam). O modelo poderia ser então alimentado com cenários climáticos passados, produzidos por equipes internacionais de climatologistas.
“Usufruímos desses cenários para tentar encontrar os locais que teriam tido as mesmas condições necessárias para os animais existirem no passado. Ao gerar essas previsões para diferentes pontos no tempo, inferimos as áreas de distribuição dos animais que provavelmente foram mais estáveis ao longo do tempo. Considerando que os animais dependem da Mata Atlântica para existir, postulamos que onde eles estavam existia também a mata”, acrescentou Maria Tereza.
Os resultados indicam que em todas as espécies estudadas até o momento neste projeto houve populações que se mantiveram também na parte sul do bioma, tanto no Rio Grande do Sul como em Santa Catarina ou no Paraná.
“Isso tem implicações para a própria história da Mata Atlântica, porque todas essas espécies são endêmicas do bioma e necessitam da floresta para existir. Ou seja, põe em discussão se existiram ou não as chamadas áreas de refúgios que, por terem permanecido muito estáveis ao longo do tempo, abrigariam uma riqueza imensa de organismos e, portanto, deveriam ter prioridade de conservação”, reforçou Alexandrino.
Relevância do método
Para Celio Haddad, professor do Instituto de Biociências de Rio Claro da Unesp e coautor dos artigos publicados nas duas revistas, houve uma ineficiência da metodologia para estimar inicialmente as áreas de refúgios, porque foram utilizados como modelo apenas três espécies.
“A grande relevância do trabalho publicado na Science foi a proposta do método que representava um nova fronteira a ser explorada. Nós ampliamos a amostragem no número de espécies e começamos a detectar os refúgios ao sul. O novo estudo não inviabiliza o método proposto anteriormente, longe disso, mas mostra que, à medida em que se amplia a amostragem do número de espécies, achamos mais refúgios”, disse Haddad, que é membro da coordenação do programa Biota-Fapesp.
Segundo ele, no momento em que foram tiradas as conclusões que seriam publicadas na Science, o grupo discutiu a necessidade de se aprofundar os estudos, pois existem gêneros e espécies endêmicos da Mata Atlântica no sul do Brasil, um indicativo de que a floresta persistiu por lá também.
“O trabalho de Maria Tereza cobre certas lacunas que foram deixadas em relação ao trabalho anterior. Apesar de negar a conclusão de que os refúgios só estão ao norte, não inviabiliza a metodologia daquele trabalho, que é bastante útil”, reforçou.
Segundo Haddad, agora se torna necessário aumentar a amostragem para localizar melhor as áreas de refúgios tanto ao norte – que talvez tenha mais – como ao sul.
“A recomendação final que fazemos no artigo resulta de a história da Mata Atlântica parecer ser muito mais complexa do que se imagina e que, provavelmente, será impossível encontrar uma única explicação para a formação de todas suas espécies. Portanto, o planejamento da conservação deve ser feito com mais cautela”, disse Maria Tereza.
Assinam também o artigo Kelly Zamudio, da Universidade de Cornell (Estados Unidos), João Giovanelli, da Unesp, e Flávio Baldissera Jr., da Universidade Católica de Santos.
O artigo Phylogeography of endemic toads and post-Pliocene persistence of the Brazilian Atlantic Forest pode ser lido por assinantes da Molecular Phylogenetics and Evolution em: www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20139019 (Alex Sander Alcântara) (Agência Fapesp, 26/4)