1 – Extinção entre o mar e o rio
2 – Comida de tubarão vira objeto de estudo
3 – Calango corteja “noiva cadáver”
1 – Extinção entre o mar e o rio
Estudo inédito revela que um em cada seis manguezais do mundo está ameaçado
Sinal de alerta para um dos ecossistemas mais peculiares do planeta. Originados a partir do encontro das águas doce e salgada, os manguezais têm uma entre seis espécies ameaçadas de extinção.
É o que revela o primeiro estudo global sobre o seu estado de conservação.
Contra eles, diz o trabalho publicado na revista “PLoS One”, pesam inimigos nada naturais, como o desenvolvimento urbano descontrolado nessas regiões costeiras. Manguezais são fundamentais para o desenvolvimento de diversas espécies, além de absorverem CO2 da atmosfera, filtrarem as águas e fornecerem nutrientes para outros habitats marinhos.
Segundo o estudo, conduzido pela Conservação Internacional (CI) e pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), onze das 70 espécies analisadas por um grupo formado pelos maiores especialistas em manguezais do mundo estão incluídas na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da IUCN.
– Os manguezais estão onde nós estamos, ou seja, na interface entre a terra e o mar, onde vive boa parte da população da Terra, em torno de um bilhão de pessoas – diz o biólogo marinho Rodrigo Moura, da Conservação Internacional.
– Trata-se de um ambiente constantemente pressionado.
No mundo todo, as costas Atlântica e Pacífica da América Central são as regiões mais afetadas por fatores que incluem também o desmatamento e as mudanças climáticas.
O sudeste da Ásia, onde foram perdidos 80% dos manguezais nas últimas seis décadas, também é uma área severamente afetada.
– A perda potencial dessas espécies é um reflexo da exploração generalizada das florestas de mangue – afirma uma das autoras do estudo, Beth Polidoro, da Old Dominion University, nos EUA .
– Os manguezais são um dos mais importantes ecossistemas tropicais. Eles mantêm diversas espécies e suas perdas podem ter um impacto muito grande na biodiversidade marinha e terrestre.
Criação de camarão causa impacto
O estudo aponta como seriamente ameaçadas de extinção alguns tipos de plantas, como a Bruguiera hainesii, que cresce apenas em parte da Indonésia, Malásia, Singapura e Papua Nova Guiné.
– O status dessas espécies simboliza as agressões a um ambiente que é fundamental para a vida nos oceanos e também para o cotidiano das comunidades costeiras – conta Greg Stone, vice-presidente do Programa Marinho da CI.
O estudo não aponta espécies ameaçadas no Brasil. Isso, no entanto, não significa que os manguezais do país estejam livres de perigos, como alerta Rodrigo Moura.
– O Brasil tem alguns dos maiores manguezais do mundo, embora não os mais ricos em espécies. E eles mostram bem como se dá a relação entre ocupação e devastação.
Os manguezais da região norte estão em bom estado de conservação, bem diferente daqueles do sudeste e do nordeste. Isso se dá porque no norte a ocupação urbana é bem menos intensa do que no sudeste e no nordeste. Na Baía de Guanabara, por exemplo, o manguezal sofre demais com o impacto dos afluentes domésticos e industriais.
Segundo o especialista, um outro fator tem causado forte impacto nesse ambiente, embora não seja tão divulgado.
– É a conversão do manguezal em área de criação de camarões, a carcinicultura. Esse é um vetor de destruição em todo o mundo e no Brasil não é diferente, especialmente no nordeste.
Se por um lado essa conversão produz alimentos, a perda que ela traz é muito maior se formos analisar os inúmeros serviços ambientais prestados pelos manguezais.
Um desses serviços, diz Moura, é a sua atuação como uma espécie de berçário da vida marinha.
– Muitas espécies de peixes comercialmente importantes dependem dos manguezais nas etapas iniciais do seu ciclo de vida. É o caso do vermelho, que é muito popular no nordeste. Além dele, há espécies de crustáceos que também precisam desse refúgio para se desenvolver. O importante é olharmos para esse estudo como um sinal de alerta global.
O Brasil não tem espécies ameaçadas, sem dúvida, mas o ecossistema como um todo está em risco. (O Globo, 14/4)
2 – Comida de tubarão vira objeto de estudo
Oceanógrafo da Unesp consegue pesquisar espécies marinhas pouco conhecidas depois de analisar o conteúdo do estômago do predador
O conteúdo presente no estômago dos tubarões-azuis pode ser uma grande vitrine de espécies raras, difíceis de serem observadas nas águas profundas do oceano.
Vestígios de animais como a lula vampiro-do-inferno e os peixes chaputa e espada-preta foram encontrados pelo pesquisador e oceanógrafo Teodoro Vaske Júnior, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), dentro do estômago de 222 tubarões, capturados por meio de pesca legal.
A conclusão do cientista é que o predador age como um verdadeiro “coletor” do fundo do mar, permitindo o conhecimento de diferentes exemplares da fauna marinha.
O pesquisador da Unesp precisou participar de viagens promovidas especialmente para a pesca comercial de espécies marinhas para adquirir os estômagos. Essas expedições em alto-mar são permitidas e têm como objetivo a venda da carne e das barbatanas do animal, alimento altamente apreciado em diversos países, principalmente no sudeste Asiático. Vaske Júnior teve acesso a 116 tubarões capturados na costa nordestina e a 106 pescados na parte sul do litoral brasileiro.
Segundo o cientista, um dos animais encontrados no estômago dos tubarões, a lula vampiro-do-inferno, é de difícil captura para pesquisas, uma vez que habita locais de difícil acesso. “Para chegar ao ambiente onde ela ocorre, seriam necessários equipamentos específicos, como redes grandes, cabos e adaptações”, explica Vaske.
Mesmo utilizando a técnica de investigar o estômago de tubarões, o trabalho não foi muito fácil. “Como possui o corpo gelatinoso, a lula é de fácil digestão. Portanto, na maioria das vezes fica difícil encontrá-las intactas no estômago do animal. Ela é pequena, avermelhada, tem luminosidade. O nome vampiro foi dado em função dos ganchos existentes, que se assemelham a dentes de vampiro, verdadeiras adaptações para facilitar a captura de presas”, completa.
Cada expedição tinha duração de duas a três semanas. De acordo com o pesquisador, em algumas delas foi possível capturar até 50 tubarões por vez. “Por isso, foram feitos diversos embarques. Estabeleci que quando chegasse a mais ou menos 200 estômagos, daria fim à jornada”, conta.
Assim que o animal subia no convés, Vaske fazia a retirada do estômago e guardava todo o conteúdo de maneira apropriada. “O material foi congelado e levado para o laboratório, onde fiz a análise e realizei as medições necessárias”, diz.
Laranja e alho
Segundo ele, o estômago do tubarão-azul pode chegar a medir de 70cm a 80cm de comprimento. Porém, o animal não se alimenta com a mesma frequência que outros peixes grandes, como o atum ou o agulhão. Por ter o estômago grande, a espécie pode ficar até seis dias sem comer, depois de fazer uma boa refeição. Conforme o pesquisador, assim que visualiza a presa, o animal parte para o ataque.
“A prática fez com que encontrássemos muitas dessas presas praticamente intactas dentro do estômago do animal. Já outras, bem maiores, foram esquartejadas e posteriormente ingeridas. Numa dessas ocasiões, conseguimos remontar o esqueleto de um grande peixe”, explica.
Vaske também encontrou no estômago dos animais registros de alimentos consumidos pelo homem, como cebola, laranja, alho, entre outros, além de lixo atirado ao mar, como caixas de papelão, sacolas plásticas e cabos. “Isso é um reflexo da falta de cuidado com o meio ambiente”, garante.
A coordenadora do projeto Albatroz, Tatiana Neves, é uma das pesquisadoras que acompanhou de perto o estudo. Segundo ela, a organização não governamental que trabalha com espécies marinhas ameaçadas acompanha o trajeto dos barcos pesqueiros durante as jornadas de pesca. O objetivo é fiscalizar o trabalho e também coletar informações em alto-mar, que depois são disponibilizadas para pesquisadores brasileiros.
“Por ano, acompanhamos de 12 a 20 cruzeiros. Esses barcos geralmente permanecem em alto-mar por um mês. Ao longo dessas viagens, muita informação útil é coletada. Exemplo disso é a pesquisa da Unesp, que trouxe à tona os hábitos alimentares dos tubarões, e fez com que conhecêssemos várias outras espécies”, destaca.
Sobre a pesca com espinhel, Tatiana destaca que a prática é ideal para a captura de animais de grande porte. Porém, ela afirma que o apetrecho repleto de anzóis acaba capturando e prejudicando animais que nada têm a ver com a prática, como os albatrozes que vivem na área.
“Existem, no total, 22 espécies de albatrozes. Porém, 19 delas se encontram ameaçadas de extinção”, afirma. No caso do tubarão-azul, Vaske diz que a pesca faz com que a espécie seja considerada próxima da ameaça de extinção.
(Gisela Cabral) (Correio Braziliense, 19/4).
3 – Calango corteja “noiva cadáver”, afirma estudo feito em Minas
Temperatura elevada de corpo da fêmea morta pode deixar parceiro confuso
Ele a abraçou forte, tentando conquistar sua atenção com os carinhos de praxe. Um rival se aproximou dos dois e, repetidas vezes, ao longo de quase meia hora, ele o enxotou dali. Tudo em vão: ela estava morta.
Essa cena de romance gótico foi registrada por biólogos numa estrada de terra do município de Inhapim (MG), e os protagonistas são calangos da espécie Ameiva ameiva, um dos lagartos mais comuns do Brasil. Ao que parece, na ânsia de se acasalar, os machos da espécie acabam virando necrófilos.
“Uma coisa parecida com a mesma espécie já tinha sido vista na Amazônia, só que a fêmea que o macho estava tentando fecundar tinha acabado de ser morta, então não teria dado tempo de ele perceber isso”, explica o biólogo Henrique Caldeira Costa, mestrando da Universidade Federal de Viçosa (MG). No caso descrito por Costa e seus colegas na revista científica “Herpetology Notes”, por outro lado, é possível que a calanga estivesse morta há mais tempo, provavelmente por atropelamento.
Segundo um coautor do estudo, Emanuel Teixeira da Silva, também de Viçosa, os biólogos, de carro, primeiro acharam que se tratava de um único bicho. Pararam para fotografá-lo e só então notaram que se tratava de uma desajeitada tentativa de cópula.
“A fêmea estava de língua de fora, com os olhos esbugalhados, claramente morta”, diz Costa, que não estava no local. Apesar de abraçá-la e esfregar seu papo nas costas dela, o macho não chegou a penetrá-la com seu hemipênis (pênis duplo da espécie).
Como se não bastasse o fracasso, ele ainda teve de colocar para correr mais de uma vez um macho menor que também se interessou pelo cadáver.
O engano provavelmente tem várias causas. Primeiro, uma necrópsia da fêmea revelou que ela estava apta a ser fecundada quando morreu. As calangas costumam deixar uma trilha de cheiro quando receptivas, o que, claro, atrai os dois machos. E, exposto na estrada num dia de calor, seu corpo ainda estava quente, o que teria confundido os pretendentes. (Reinaldo José Lopes) (Folha de SP, 18/4)