Fechar menu lateral

Informativo 217 – Abelhas e tubarão-azul

1 – Pequenas, mas fundamentais

2 – Dieta variada

 

1 – Pequenas, mas fundamentais

Diminuição dos enxames de abelhas observada na Europa e na América do Norte preocupa cientistas do mundo inteiro, que buscam uma explicação para o fenômeno
O que aconteceria com o mundo se as abelhas e as formigas desaparecessem da Terra? A pergunta começou a preocupar cientistas quando apicultores da América do Norte e da Europa notaram uma queda acentuada dos enxames. O receio tem justificativa.
Esses insetos garantem a diversidade e o equilíbrio do ecossistema. São tão importantes que, se fossem extintos, a humanidade certamente seguiria o mesmo caminho em um prazo bastante curto, algo em torno de cinco anos.
Cerca de 80% do alimento consumido pela humanidade são polinizados pelas abelhas, que carregam os grãos de pólen, promovendo a fecundação das plantas. “Se as abelhas desaparecerem, nós vamos passar fome”, explica a bióloga e pesquisadora da Embrapa do Semiárido Márcia Ribeiro.
A redução das colmeias é causada por um processo de desorientação das abelhas que, ao sair para coletar o pólen e o néctar, não conseguem retornar ao enxame. As causas ainda não foram desvendadas pela ciência e podem estar relacionadas aos mais diversos fatores, da mudança climática e disseminação de antenas celulares até o excesso de agrotóxicos ou uma infecção por vírus que estaria afetando os insetos. “A causa pode estar relacionada a um conjunto de fatores”, aponta a pesquisadora.
No Brasil, não se sabe o quanto as alterações no meio ambiente já afetaram as abelhas, embora já tenha sido notada alguma redução dos animais no Nordeste, no Rio Grande do Sul e também em São Paulo. O desaparecimento de espécies do cerrado, por exemplo, também é de certa forma associado ao desmatamento, que eliminou os enxames e a possibilidade de polinização ou de reprodução de flores e árvores.
No mundo, são mais de 20 mil espécies de abelhas. No país, as mais comuns são as sociais, que vivem em colônias. As espécies brasileiras levam uma vantagem em relação às europeias.
O professor e pesquisador dos cursos de mestrado e doutorado da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Alfredo Goicochea Huertas, explica que as abelhas brasileiras são insetos híbridos, resultantes do cruzamento natural de espécies europeias e africanas, o que deu origem a um inseto resistente, chamado pelos especialistas de abelha africanizada.
Eficientes na produção de mel, própolis e geleia real, elas são mais resistentes a agrotóxicos e imunes a diversos tipos de bactérias e outros inimigos naturais, como os ácaros. “O ácaro varroa, por exemplo, enfraquece as abelhas europeias, mas não afeta as africanizadas”, compara Huertas.
Colapso
O desaparecimento dos enxames, chamado pelos especialistas de colapso das abelhas, mexe em uma estrutura perfeita e, por isso, assusta os pesquisadores. Desorientados, os insetos não retornam ao enxame, alterando um comportamento observado por séculos.
As abelhas são insetos sociais que trabalham pela sobrevivência da espécie, e o único momento em que não retornam para o grupo é quando voam para morrer. “Elas já foram faxineiras e sabem o quanto é difícil limpar a casa”, brinca Huerta.
O professor, que trabalha no melhoramento genético das espécies, explica que as abelhas vivem em organizações que chegam a ter 100 mil operários, 400 zangões e uma rainha. A organização exemplar é mantida pelo hormônio de coerção liberado pela rainha, que chega a pesar 200mg, mais que o dobro de uma operária.
Esses insetos vivem cerca de 55 dias e trabalham sem descanso. Do primeiro ao quinto dia de vida, são responsáveis pela limpeza da colmeia e, por isso, são chamados de faxineiras. Do quinto ao décimo dia, produzem a geleia real em grande quantidade para alimentar as larvas e a rainha. Nessa fase, as abelhas são denominadas nutrizes ou babás.
Do décimo ao décimo oitavo dia, produzem a cera para a construção dos favos – é quando se tornam engenheiras ou construtoras. Do décimo oitavo ao vigésimo fazem a vigia da colmeia e, depois disso, passam a sair para coletar o nectar e o pólen, sempre retornando para a colmeia. É esse ciclo, tão bem organizado e repetido há muito tempo, que está sendo rompido, para espanto dos cientistas.
O valor das formigas
Assim como as abelhas, as formigas também desempenham função importante na garantia da sobrevivência do ecossistema. As cerca de 3,6 mil espécies descritas na América do Sul e Central também participam do processo de polinização, realizam a dispersão da flora, além de servirem de alimento para diversos organismos.
Estima-se que 50% da biomassa de uma floresta tropical seja formada por formigas, vespas, abelhas e cupins. As formigas são responsáveis pela dispersão de diversas plantas e, da mesma forma que as abelhas, realizam a polinização, além de realizarem a ciclagem de nutrientes, ou seja, se alimentam de plantas que se transformam em matéria orgânica para outros animais. Como são milhares de espécies, o desaparecimento de grande parte delas poderia anunciar uma catástrofe ambiental, pela importância desses insetos no equilíbrio do ecossistema.
Funções
As formigas também se dividem em castas com a distribuição de funções. O entomólogo e professor da PUC-Minas Henrique Paprocki compara o formigueiro a uma organização perfeita. “É como se cada formiga fosse uma célula de um grande organismo.”
Ele explica que as espécies estão envolvidas com tipos diferentes de atividades, sendo mais ou menos resistentes. Existem desde as formigas que cortam as folhagens até aquelas que se alimentam de madeira. E há aquelas que se adaptaram ao ambiente urbano, mesmo não sendo bem-vindas nas cidades.
Paprocki explica que a catástrofe que atingiu as abelhas não chegou às formigas, que, pela diversidade, estão menos expostas ao risco de uma destruição em massa.
(Marinella Castro). (Correio Braziliense, 10/3)

 

2 – Dieta variada

Pesquisador da Unesp estuda hábitos alimentares do tubarão-azul, em cujo estômago foram encontrados animais que vivem a mais de 500 metros de profundidade, pombas e lixo
Entre os anos de 1992 e 1999, o oceanógrafo Teodoro Vaske Júnior acompanhou navios de pesca ao longo da costa do Nordeste brasileiro. As embarcações utilizavam o espinhel oceânico, sistema de anzóis estendidos por uma corda de dezenas de quilômetros de extensão apoiada em boias.
Os espinhéis eram estendidos em alto-mar com iscas em seus anzóis para serem depois recolhidos com os peixes. Vaske notou que, entre os animais capturados, estavam exemplares de tubarão-azul (Prionace glauca).
O pesquisador solicitou então aos pescadores o estômago dos exemplares da espécie, órgão que costumava ser descartado por eles. O objetivo era analisar os conteúdos estomacais em laboratório.
Vaske repetiu a análise na região sul do Atlântico brasileiro entre março de 2007 e março de 2008. No total, foram examinados estômagos de 222 tubarões-azuis – 116 na costa nordestina e 106 capturados na porção sul do litoral brasileiro.
O levantamento inédito no Brasil foi publicado na revista Biota Neotropica, do Programa Biota-Fapesp, e, além de contribuir para aumentar o conhecimento sobre a espécie, trouxe informações sobre uma rica fauna marinha que habita águas profundas e é muito difícil de ser coletada.
“Dos estômagos dos tubarões saem verdadeiras maravilhas, como alguns animais só encontrados em grandes profundidades”, disse à Agência Fapesp o atualmente pesquisador da Universidade Estadual Paulista (Unesp) no Campus Experimental do Litoral Paulista, em São Vicente (SP).
Dotado de mecanismos que garantem resistência ao frio e às altas pressões, o tubarão-azul é capaz de descer cerca de 600 metros de profundidade. No entanto, a espécie prefere a faixa entre 150 e 200 metros abaixo da superfície. “Coletar exemplares nesses níveis de profundidade seria caro e exigiria equipamentos especiais e o tubarão-azul faz esse trabalho ao se alimentar”, disse Vaske.
Entre os animais mais encontrados durante a pesquisa estão espécies de lulas do gênero Histioteuthis, que fazem migrações verticais ao longo da coluna d’água oceânica. Essas lulas foram encontradas em tubarões coletados tanto na porção nordeste como na sul do Atlântico brasileiro.
A grande diversidade da dieta do tubarão-azul foi comprovada com a ocorrência, nos estômagos dissecados, de mamíferos marinhos, cefalópodes (lulas e polvos), vários tipos de peixes e até aves.
“A descoberta de aves na dieta foi uma surpresa. Não esperávamos encontrar pombas, por exemplo, em tubarões pescados a 120 milhas da costa”, contou Vaske. Ele chegou a retirar uma pomba que havia sido recém-engolida em alto-mar, provavelmente um animal que se perdeu do continente e ao cair na água foi engolido pelo tubarão-azul. Entre as presas mais encontradas na porção sul estavam baleias Mysticeti.
Ao todo, o estudo registrou 51 diferentes espécies de animais retirados do interior dos tubarões sendo: 20 de peixes, 24 de cefalópodes, dois crustáceos e cinco espécies de outros grupos. “Os crustáceos foram poucos porque eles são de tamanho reduzido, o que não é vantajoso energeticamente para os tubarões-azuis”, explicou.
Presente nos três grandes oceanos, Atlântico, Índico e Pacífico, além do mar Mediterrâneo, Prionace glauca é a mais abundante espécie de tubarão oceânico do planeta. Isso se deve, principalmente, à sua numerosa prole, de acordo com Vaske.
Enquanto outras espécies costumam gerar até cinco filhotes, o tubarão-azul produz entre 40 e 60 filhotes por vez. Todavia, essa característica não livrou a espécie de ser ameaçada.
O pesquisador da Unesp conta que o consumo da barbatana em países do Sudeste Asiático elevou o preço da iguaria e incentivou a pesca predatória de várias espécies de tubarão. Pesqueiros especializados costumavam decepar a barbatana e devolver as carcaças dos animais ao mar, prática que foi posteriormente proibida no Brasil.
Hoje, o tubarão-azul é catalogado como espécie “quase ameaçada” na lista vermelha da União Internacional pela Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais. É o quinto nível da tabela antes da extinção da espécie.
Jornada da reprodução
O mapeamento da alimentação do tubarão-azul na costa brasileira pode ajudar a entender melhor os hábitos das suas populações do Atlântico Sul bem como estabelecer a trajetória de sua jornada para a reprodução.
A espécie perfaz um ciclo no qual percorre em sentido horário todo o Atlântico Sul aproveitando-se de correntes marinhas. O artigo de Vaske relata que a cópula é feita nas águas do litoral sul do Brasil, entre os meses de dezembro e fevereiro.
Quatro meses depois, entre abril e junho, as fêmeas ovulam e fecundam já nas águas próximas ao Nordeste. Isso ocorre porque elas têm a capacidade de armazenar o sêmen obtido no acasalamento e só liberá-lo para a fecundação posteriormente, escolhendo datas e locais favoráveis.
Do Nordeste, os grupos atravessam o Atlântico e vão maturar os embriões no Golfo da Guiné, no oeste da África, entre os meses de junho e agosto. Por fim, os novos tubarões-azuis são paridos em águas da porção sul do continente africano e sul da América do Sul até o mês de dezembro, quando o ciclo recomeça.
Durante todo esse trajeto, o tubarão-azul percorre regiões de diferentes faunas marinhas. Por esse motivo, levantar os seus hábitos alimentares também é uma maneira de conhecer e monitorar a fauna oceânica.
Lixo oceânico
O trabalho de pesquisa não encontrou somente presas naturais do tubarão-azul. Catalogados como “material antropogênico” estavam produtos que não deveriam ter sido engolidos pelos tubarões, pois são fruto da poluição dos mares.
Fazem parte desse grupo itens como laranja, maçã, abacaxi, alho, cebola, batata, ossos de galinha e materiais perigosos ao peixe, como sacolas plásticas, papelão, madeira, fios, linhas de pesca e até canetas. Em 5% dos estômagos abertos havia pelo menos um anzol de pesca.
“Como são animais muito fortes, é comum tubarões pegarem iscas de espinhéis destinadas a atuns e as arrancarem com os anzóis”, disse Vaske. Em alguns estômagos, o pesquisador chegou a encontrar até dois anzóis.
O lixo jogado nos oceanos é um grande problema, de acordo com a Sea Education Association (SEA), dos Estados Unidos. Uma pesquisa feita pela instituição durante quase duas décadas mapeou boa parte da sujeira que boiava na região do mar do Caribe e no Atlântico Norte.
Com redes de coleta acopladas a barcos, os pesquisadores norte-americanos encontraram regiões com até 200 mil pedaços de detritos por quilômetro quadrado. A área de maior concentração de lixo no Atlântico Norte, de acordo com a pesquisa, está entre os paralelos 22º e 38º, para onde as correntes marinhas levam a sujeira.
Ao anunciar esses resultados no Ocean Sciences Meeting, realizado entre os dias 22 e 26 de fevereiro, em Portland, Estados Unidos, a pesquisadora da SEA, Karen Lavender Law, afirmou que a extensão dos impactos ao ambiente marinho de tanto lixo ainda é desconhecida. No entanto, já se sabe que objetos de plástico têm sido engolidos por muitos animais e prejudicado especialmente as aves marinhas. (Fábio Reynol, Agência Fapesp, 9/3)