1 – Quem trouxe para o Brasil as primeiras mudas de eucalipto?
2 – Amazônia, desmatamento e clima
1 – Quem trouxe para o Brasil as primeiras mudas de eucalipto?
O ano de 2004 marca o centenário da introdução do eucalipto para fins produtivos no Brasil, quando Edmundo Navarro de Andrade deu início aos reflorestamentos experimentais para obter matéria-prima destinada à produção de lenha e dormentes para a Companhia Paulista de Estradas de Ferro.
Depois de cem anos de sua introdução, a árvore pode ser plantada com sucesso em todos os estados do nosso país. Graças às condições naturais favoráveis de solo e clima, à evolução tecnológica, e aos conhecimentos acumulados sobre o seu manejo, a produtividade experimental, que antigamente era de 10 m³/ha por ano, passou a ser de 60 a 70 m³/ha/ano. Hoje, o eucalipto tem sido utilizado para os mais diversos fins e os produtos dele derivados representam expressiva parcela do superávit obtido pela balança comercial do país no ano de 2003.
Eucalipto e suas origens
O nome eucalipto deriva do grego: eu (= bem) e kalipto (= cobrir), referindo-se à estrutura globular arredondada de seu fruto, caracterizada pela tampa que protege as suas sementes. O eucalipto pertence à família das Mirtáceas e é nativo da Austrália, onde cobre 90% da área do país, formando densos maciços florestais nativos. O Serviço Florestal da Austrália já identificou 670 espécies, sendo que apenas duas delas, Eucalyptus urophylla e E. deglupta, têm ocorrência natural fora do território australiano. Além do elevado número de espécies, existe um número muito grande de variedades e híbridos.
Relatos históricos dizem que o eucalipto teria sido introduzido na Europa por volta de 1774 e, em 1788, foi descrito pela primeira vez pelo botânico francês L´Héritier de Brutelle, no Sertum Anglicum, em Paris, valendo-se do material recolhido em expedições na Austrália. Até a metade do século XIX, o eucalipto figurou apenas em coleções de alguns jardins botânicos, sem nenhuma importância comercial. Na Índia, os primeiros plantios ocorreram em 1843 e, por volta de 1856, já havia povoamentos de eucaliptos bem desenvolvidos. Na África do Sul, os primeiros ensaios com eucaliptos ocorreram em 1828, na colônia do Cabo. Os primeiros ensaios na Europa, visando à produção comercial, datam de 1854, principalmente com o Eucalyptus globulus, plantados em Portugal pelo Barão de Massarellos e por J. M. Eugênio de Almeida. Em 1863 foi introduzido na Espanha e, em 1869, na Itália.
Na América do Sul, talvez o Chile tenha sido o primeiro país a introduzir o eucalipto, em 1823, recebendo as sementes de um navio inglês. A Argentina teria introduzido o eucalipto em 1865, pelas mãos do Presidente Garcia Moreno. No Uruguai, as primeiras sementes de eucalipto foram recebidas em 1853.
É difícil determinar com segurança a data de introdução do eucalipto no Brasil. Até pouco tempo, tinha-se como certo que os primeiros plantios aconteceram no Rio Grande do Sul, em 1868, por Frederico de Albuquerque. Tal pioneirismo é questionado, uma vez que, em 1869, chegara a Paris uma correspondência de Frederico, solicitando sementes de eucalipto e dizendo que realizaria tentativas de introdução de eucalipto no Brasil. Armando Navarro Sampaio, em um de seus textos, diz existirem cartas nos arquivos da Societé Imperiale Zoologique D’ Acclimatation de Paris, datadas de 1870, nas quais Frederico confirmava que os havia plantado em dezembro de 1868, e dizia que, de todos os vegetais que introduzira no país, o que mais útil se revelara era, sem dúvida, o eucalipto, mencionando como plantadas as espécies E. globulus, E. amygdalina e E. polyanthemos.
No ano de 1868, o tenente Pereira da Cunha plantou alguns exemplares no Rio de Janeiro, no bairro da Quinta da Boa Vista. O acadêmico Osório Duque Estrada afirmou que, em 1875, na antiga propriedade de seu pai, que mais tarde foi transformada em Sanatório da Gávea, havia exemplares de Eucalyptus globulus que, pelo seu porte gigantesco, não deviam ter menos de vinte anos, o que faz recuar a data de sua introdução no Brasil para 1855.
O vigário de São Paulo José Tenório da Silva teria plantado um exemplar de Eucalyptus globulus, na Chácara da Cachoeira, entre 1861 e 1867. Em 1870, o médico Antônio Lazarini se interessou pela introdução do eucalipto na cidade de Vassouras, no estado do Rio de Janeiro, mandando plantar vários exemplares nas ruas da cidade e no jardim público. Como tal plantio coincidiu com o aparecimento da febre amarela na cidade, toda a população se revoltou e exterminou as árvores, julgando-as malignas e portadoras da doença. Segundo João Barbosa Rodrigues, em seu Hortus Fluminensis, o Frei Leandro do Sacramento, que foi diretor do Jardim Botânico, entre 1824 e 1829, foi o pioneiro no plantio de eucalipto no Brasil, ao plantar dois exemplares de Eucalyptus gigantea, na parte posterior do jardim. Tais árvores constam no Catálogo das Plantas Cultivadas no Jardim Botânico.
O Eucalipto em Rio Claro
O mais antigo relato sobre a existência de exemplares de eucaliptos na cidade de Rio Claro foi encontrado em um artigo escrito por um colaborador do jornal O Correio do Oeste, datado de 2 de maio de 1880. Nele, o cronista escreve o seguinte:
Escrevo esta ao rufar dos tambores do céo, alumiado pela luz dos relâmpagos, tendo a frente o arco da velha, e contemplando o dilúvio que precipita-se dos telhados das casas…
Nem sequer se respeita a propriedade municipal! Os Eucalyptus que aformoseavão o largo da impossível matriz, digo da matriz nova, forão abalados em seus alicerces, dando o triste espectáculo de um embriagado cahido, que embora seja frequente lá pelas ruas das flores e mata, não deixa de ser ridículo! O telheiro, aquelle monumento de gosto e architectura que se achava nas nádegas, quero dizer nos fundos da matriz velha foi solapado em seus alicerces e caiu para sempre!
Com effeito, parece que o mundo de cima, declarou-se inimigo do mundo de baixo, ou da terra aonde residem temporariamente os mizerrimos filhos de Adão…O texto nos leva a entender que tais árvores plantadas no largo da matriz já possuíam uma certa idade.
O Eucalipto no Brasil
Até o início do século XX, o eucalipto era plantado somente para fins paisagísticos, pelo seu extraordinário desenvolvimento como quebra-vento, ou por supostas propriedades sanitárias. Deve-se à Companhia Paulista de Estradas de Ferro e a Edmundo Navarro de Andrade a expansão do plantio da Mirtácea, através da sistematização da cultura e um sem número de experiências. Em fins de 1903, em Jundiaí, no estado de São Paulo, iniciou-se uma série de estudos experimentais que deram sustentação à implantação do eucalipto, em grande escala. Pouco depois, a Paulista criou o seu Serviço Florestal, cuja sede foi o horto de Rio Claro, hoje Floresta Estadual Edmundo Navarro de Andrade. Em vários estados brasileiros, iniciaram-se os estudos sobre a cultura, a partir dos resultados do cientista/escritor/agrônomo.
Pouco a pouco, o eucalipto foi sendo adotado como espécie alternativa para o suprimento de madeira, principalmente como combustível nos fornos de lenha e carvão, em função do escasseamento das matas nativas. Até a década de 60, as estimativas dão conta de uma área total plantada de, aproximadamente, 400 mil hectares. Em função da grande demanda de madeira para futuros projetos industriais, o governo brasileiro instituiu, a partir de 1966, um programa de incentivos fiscais para aumentar a área plantada. Em poucos anos, a área com plantações de eucaliptos saltou de 400 mil para 3 milhões de hectares. Criaram-se, nessa época, os cursos de engenharia florestal e várias instituições de pesquisa florestal que deram suporte ao desenvolvimento da cultura.
Eucalipto usado para produzir papel: pioneirismo de Edmundo Navarro de Andrade
No Brasil, a primeira fábrica de papel foi instalada na Bahia, em 1843. Não suportou a concorrência do papel estrangeiro e logo foi à falência.
Nova tentativa foi feita em 1851, com a Companhia Fluminense, no Rio de Janeiro, que durou apenas dez anos. Usava trapo como matéria prima.
Na mesma época, também no Rio de Janeiro, foi instalada uma fábrica de celulose, depois transferida para São Paulo – a Companhia Melhoramentos de São Paulo S/A. A partir de 1920, a indústria brasileira de papel expandiu-se e encontra-se hoje entre as melhores do mundo.
O Brasil foi o primeiro país a usar a celulose retirada dos eucalipto. A Companhia Paulista de Estradas de Ferro, através de Edmundo Navarro de Andrade, mandou para os Estados Unidos, ao Forest Products Laboratory, em Madison, estado de Wiscosin, algumas toras de eucalipto, a fim de verificar a possibilidade de se obter celulose. Feitos os estudos, foram apontadas duas espécies de eucalipto como fonte de celulose de boa qualidade. Baseada nesse resultado, surgiu a firma Gordinho Braune & Cia., em Jundiaí, São Paulo, em 1927, que passou a fabricar papéis de vários tipos, com celulose de eucalipto. A partir dessa data, a indústria de papel e celulose se espalhou por todo o país.
É preciso preservar e resgatar a história documental do cientista
É necessário perpetuar o trabalho e a memória do cientista que criou o Serviço Florestal da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, pois foi um marco no reflorestamento do Brasil. Sua importância não se deve somente ao fato de ter sido o idealizador de um projeto inovador no Estado de São Paulo, mas, principalmente, por tal projeto ter sido desenvolvido por uma empresa particular, numa época em que o estado não atentava para tal fato.
Diversos foram os trabalhos de relevância realizados pelo Serviço Florestal para a comunidade em geral. Edmundo Navarro de Andrade desenvolveu, paralelamente às suas pesquisas sobre as espécies de eucaliptos, outras destinadas à área de entomologia aplicada à agricultura, principalmente de cafeeiros e citricultura. Nesse aspecto, o Serviço Florestal da Paulista funcionou como aquilo que poderíamos denominar hoje de um centro de consultas para trabalhos na área. Tanto que, por exemplo, os órgãos estatais só atentaram para o fato de estudar o caso da Broca do Café, que estavam exterminado as culturas da espécie, depois que o Serviço Florestal chamou atenção para este problema.
O Serviço Florestal prestava outros importantes serviços, como a distribuição de mudas para pequenos agricultores e a venda de sementes selecionadas para os interessados em reflorestar em larga escala, em todos os Estados brasileiros e vários países da América Latina e do mundo. Uma das mais significativas obras de Navarro, o Museu do Eucalipto, surgiu principalmente devido ao grande número de consultas e visitas de pessoas querendo conhecer a árvore que, segundo ele, se prestava a qualquer fim. E para provar tal afirmativa, quis o cientista transformar isso num símbolo, o qual também alavancava uma outra vantagem: poderia instruir o cidadão que visitasse suas coleções. O Museu era interativo. Os visitantes podiam tocar na maioria das peças e, mais que tocar, manipulá-las para sentir a textura e densidade das mais diversas espécies de madeiras nativas ou exóticas, como é o caso do eucalipto. Esse tipo de disposição do acervo definiu a relação do Museu com um público cada vez maior, que incluía em suas visitas desde estudantes até os mais renomados cientistas do mundo. Criado a partir de uma pequena coleção do próprio Navarro, ele foi instalado, aos poucos, começando com duas salas, chegando anos mais tarde a dezesseis. Muito mais que o único museu no mundo que expõe tudo sobre a história da introdução do eucalipto para fins comerciais no Brasil, ele deve ser visto como uma instituição científica. Para tal fim é que ele foi criado e assim perdurou longos anos em sua trajetória, pelo menos enquanto durou o império da ferrovia no Brasil, e, em especial, a Companhia Paulista de Estradas de Ferro, sendo que hoje está um pouco esquecido.
De igual sina sofre o herbário formado por Edmundo Navarro de Andrade, que entre outras, possui a coleção de exsicatas de Eucalyptus trazida da Austrália no início do século passado, presente do cientista Joseph Henry Maiden. Apesar de sua importância e de seus 100 anos de existência, o herbário do Serviço Florestal da Companhia Paulista, representado por coleções históricas em sua grande maioria, e outras provenientes de inventários locais e regionais, encontra-se, atualmente, com infra-estrutura inadequada e precisando ser remodelado.
A perpetuação do trabalho desenvolvido por Edmundo Navarro de Andrade merece ser preservada. E isso não depende de uma única pessoa ou do órgão gestor daquele acervo e sim do interesse de toda a comunidade Rio-clarense. Fonte: Boletim Painel Florestal de 01.03.2010.
2 – Amazônia, desmatamento e clima
Um estudo divulgado no mês passado revela que, devido ao desmatamento, mudanças no clima e queimadas, em cem anos, restará viva apenas 30% da Amazônia. Esse é um dado que mostra o aumento crescente destes que são considerados os principais desafios da maior floresta do mundo. Boa parte da floresta, no leste e no sul, poderia desaparecer caso essas mudanças aumentem. No entanto, o desmatamento tem dimuido, mas é muito difícil saber para que lado vai o aquecimento global, avalia o professor Carlos Nobre. Durante a entrevista que concedeu, por telefone, à IHU On-Line, ele refletiu sobre o cenário atual da Amazônia e soluções para resolução dos problemas que ela vive hoje. Nobre também conversou conosco sobre cenários que surgem no Brasil devido a problemas climáticos e ambientais, como o aumento da seca no semiárido e a desertificação no Rio Grande do Sul. Um clima mais variável em uma região onde o clima geralmente é mais estável sempre motiva muitas coisas, mas não podemos afirmar cientificamente que esse aumento da variabilidade do clima no Rio Grande do Sul é provocado pelo aquecimento global, explicou.Carlos Nobre é engenheiro eletrônico formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica. Na Massachussets Institute Of Technology (EUA), realizou o doutorado em metereologia. Recebeu o título de pós-doutor da University Of Maryland (EUA). Atualmente, é pesquisador sênior no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). É autor das obras Amazonian deforestation and climate (New York: John Wiley and Sons, 1996) e Regional Hidrological Impacts of Climatic Change – Impact Assessment and Decision Making (Oxfordshire: International Association of Hidrological Sciences, 2005).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Um estudo sobre os riscos que a Amazônia está correndo, conduzido pelo Banco Mundial, alerta que, devido ao desmatamento, as mudanças climáticas e as queimadas, em 2075, só restará 30% da floresta amazônica. Hoje, a Amazônia é a maior floresta do mundo. Como o senhor detalharia o cenário previsto para 2075?
Carlos Nobre – No pior dos casos, se todas as mudanças ambientais e globais aumentarem, seja por desmatamento, impacto do fogo na floresta ou por aquecimento global, ainda assim sobraria uma faixa de 20 a 30% da floresta até o final do século. É isso que nossos cálculos mostram. Boa parte da floresta, no leste e no sul, poderia desaparecer caso essas mudanças aumentarem. No entanto, o desmatamento tem dimuído, mas é muito difícil saber para que lado vai o aquecimento global. Copenhague não deu muito certo, mas há um movimento mundial de transição para uma economia de baixo carbono. Portanto, não é possível prever com precisão se esse movimento dará certo, qual é a escala de tempo, quantas décadas irá demorar para diminuir as emissões ou qual será o aumento de temperatura na segunda metade do século. O que podemos imaginar são cenários. Nem com bola de cristal alguém conseguiria, hoje, saber exatamente qual seria a trajetória do aquecimento global nos próximos cem anos.
IHU On-Line – O cenário atual da floresta permite que recuperemos as áreas que foram desmatadas?
Carlos Nobre – Recuperar todas as áreas que foram desmatadas não é uma tarefa trivial, é uma tarefa muito complicada, mas a política de uso dos recursos da Amazônia deve ir na direção de uma diminuição muito grande de novos desmatamentos. Há uma política do governo brasileiro, inclusive, para reduzir as emissões. O que o presidente Lula apresentou em Copenhague, e que se tornou lei, é uma redução de 80% dos desmatamentos. Então, podemos sim, em uma escala de dez a quinze anos, nos encaminhar para o desmatamento zero. É só desenvolvermos políticas de utilização das áreas já desmatadas. Essas políticas devem ser acompanhadas de avanços científicos e tecnológicos de como usar as áreas desmatadas. Talvez possamos usar menos da metade das áreas desmatadas para produzir alimentos e outros materiais, e recuperar boa parte dessas áreas. Fazendo isso, também estaríamos, no momento que a floresta secundária regenera nas áreas desmatadas, retirando gás carbônico da atmosfera.
IHU On-Line – A redução das emissões de gases estufa é a única solução para a Amazônia?
Carlos Nobre – São várias as soluções. É impossível eliminar o risco da floresta se não reduzirmos o aquecimento global, que não pode passar muito de dois graus. O planeta já aqueceu entre 0,7 e 0,8 graus, então precisamos, com certeza, diminuir o aquecimento global. Um outro ponto é que, mesmo que diminuíssemos o aquecimento global em nome da temperatura no máximo em graus e continuassemos a desmatar, ainda assim, a floresta estaria em risco. A redução do desmatamento é muito importante. Por fim, a prática agrícola tem que ser feita sem o uso do fogo, que é cada vez mais usado na agricultura em todo o Brasil e América Latina. Esse fogo acaba saindo de controle, vai entrando aos poucos e queimando áreas de florestas. Cada vez que se abrem mais áreas agrícolas, mais pedaços de florestas vão sendo queimados. Então, junto com a redução do aquecimento global e a redução significativa do desmatamento, deve se eliminar o fogo como prática agrícola. O fogo não é uma boa prática agrícola, de acordo com a melhor agricultura que possa ser praticada na região.
IHU On-Line – O acordo feito em Copenhague não estabeleceu metas obrigatórias de redução de emissões. Como fica a Amazônia diante desse comprometimento?
Carlos Nobre – É preocupante, não só para a Amazônia, mas para todo o planeta, para a sustentabilidade da vida e para a produção agrícola. O próprio conceito de desenvolvimento sustentável fica ameaçado se nós não conseguirmos eliminar esse risco. O fato de não termos chegado a um acordo legalmente vinculante e multilateral sob o guarda-chuva das nações unidas não significa que não poderemos chegar a algum tipo de acordo no futuro, mas é melhor que esse futuro seja muito imediato, se não no México, na COP 16, tem que ser na África do Sul, na COP 17. Não podemos deixar o tempo passar, e os esforços para reduzir as emissões devem continuar, com ou sem acordo.
O Brasil, por exemplo, tem reduzido suas emissões. Talvez o pico das emissões brasileiras tenha sido no ano de 2005. A partir daí, reduzimos os desmatamentos, as emissões vêm diminuindo e agora vamos atuar em vários setores, não só na área do desmatamento, mas de agricultura, energia, indústria, e caminhamos para essa economia de baixo carbono. Isso deve ser acelerado e, é lógico, o jogo só se equilibra quando há um acordo amplo. Se não houver esse acordo, é como se alguém sempre quisesse -passar a perna- no outro, uns reduzem mais, outros não reduzem e outros aumentam. Portanto, o acordo é importante, mas as ações claras e que caminham na direção de uma economia de baixo carbono não podem parar, têm que continuar até que esse acordo se torne possível e seja efetivado.
IHU On-Line – Além dos problemas que a Amazônia vive, o semiárido está cada vez mais seco, o norte do RS vive um processo de desertificação. Como o senhor encara as mudanças previstas para o Código Florestal?
Carlos Nobre – Esta questão de áreas afetadas pelo processo de desertificação no Rio Grande do Sul é muito interessante. Não sou um especialista no assunto, mas acho que isso é um misto de processos naturais com o uso da terra e da cobertura vegetal. O solo fica muito exposto ao vento e, principalmente, aos fluxos de água, e acaba gerando moçorocas e processos de desertificação em alguns pontos. De fato, nos últimos dez anos, o clima no sul do Brasil, principalmente no Rio Grande do Sul, tornou-se mais variável, com períodos de secas intensas próximas a períodos de chuva. Um clima mais variável em uma região onde o clima geralmente é mais estável sempre motiva muitas coisas, mas não podemos afirmar cientificamente que esse aumento da variabilidade do clima no Rio Grande do Sul é provocado pelo aquecimento global. Ainda não temos como apontar isso definitivamente, mas é lógico que qualquer mudança no regime climático, observado por dez, vinte anos, chama atenção e a comunidade científica tem, portanto, obrigação de buscar uma explicação, se é um fenômeno natural ou se tem algo a ver com o aquecimento global.
IHU On-Line – Existem outros lugares no país que tenham indícios de desertificação?
Carlos Nobre – O lugar onde mais existem indícios de desertificação é no Piauí, na parte do semiárido do Piauí. Existe uma cidade chamada Gilbué que tem uma paisagem lunar, a maior área desertificada do Brasil.
IHU On-Line – No estudo, o senhor diz que o risco de colapso da floresta é maior no leste e sul da Amazônia, região que corresponde ao Pará e Maranhão. Pode nos falar sobre a situação atual destas regiões? Que aspectos indicam que elas serão mais afetadas?
Carlos Nobre – É o fato de que, nessas regiões, a estação seca é mais longa do que no oeste e no centro da Amazônia, onde dura de dois a três meses. Já no leste e no sul, essa estação seca dura de quatro a cinco meses. Então, por isso, se o clima fica mais seco, seja por aquecimento global ou por desmatamento, a região passa a ter um regime de chuva e seca muito parecido com o do cerrado do Brasil central. O clima seria mais favorável ao cerrado do que à floresta. A floresta precisa ter água no solo e umidade o tempo todo. E se é um clima muito sazonal, como é no Brasil central, a vegetação que aparece lá é de cerrados ou savanas tropicais. O leste e o sul da Amazônia são cobertos por florestas, mas tem um clima um pouco mais sazonal. Essa é a razão dessa região ser mais sensível às mudanças climáticas e ao desmatamento.
IHU On-Line – Que impactos esses problemas ambientais da Amazônia podem causar em outras regiões do país?
Carlos Nobre – Não sabemos ao certo. Temos estudado o impacto da Amazônia nas chuvas do sul, por exemplo, no Rio Grande do Sul, nordeste da Argentina, Uruguai e Paraguai. Uma boa parte do vapor da água que participa dos processos de formação de chuva nesta região sudeste da América do Sul circulou pela Amazônia. Veio do oceano Atlântico, entrou pela Amazônia, virou chuva, choveu, caiu no solo, evaporou e choveu novamente. É um vapor d’água com muita milhagem, andou muito na Amazônia. A pergunta que se faz é: se mudar o clima na Amazônia, será que o vapor d’água, que hoje passa por ela e alimenta chuvas, principalmente no sul do Brasil, vai continuar o mesmo? Não sabemos, mas é uma questão importante, principalmente para as chuvas de inverno. Nas chuvas de verão, as fontes de vapor d’água são de muitos locais, mas as chuvas de inverno, no sul do Brasil, recebem uma alimentação muito grande desse vapor que passa pela Amazônia. Não temos uma resposta definitiva, mas pode haver um efeito principalmente nas chuvas de inverno no sul do Brasil, com mudanças profundas na agricultura, na ecologia e nos biomas. Fonte: Entrevista especial com Carlos Nobre,(Envolverde/IHU-OnLine)