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Informativo 191 – Censo populacional, Francis Crick e aves do mundo

1 – DNA faz “censo populacional” mais antigo

2 – Segredos de caçador

3 – Todas as aves do mundo

 

1 – DNA faz “censo populacional” mais antigo

 

Estudo do genoma mostra que população humana efetiva há 1,2 milhão de anos era de 18.500 indivíduos

Analisando o DNA completo de apenas dois indivíduos, geneticistas calcularam o tamanho da população humana há 1,2 milhão de anos, da qual todas as pessoas no mundo descendem. Eles estimaram o número em 18.500, mas isso se refere apenas àqueles em condição de reprodução, a população “efetiva”. A população real pode ter sido cerca de três vezes maior, ou de até 55.500.

Estimativas similares para outros primatas da época correspondem a 21 mil chimpanzés e 25 mil gorilas. Em termos biológicos, ao que parece, os humanos não eram uma espécie tão soberana na África, e a estratégia evolutiva de investir em cérebros maiores do que os colegas primatas ainda não trazia grande recompensa. A população humana só atingiu níveis altos após o advento da agricultura, muito mais tarde.

Geneticistas há muito tempo sabem que ancestrais dos humanos modernos correspondiam a apenas 10 mil indivíduos, que viveram em alguma época nos últimos 100 mil anos. O número extremamente baixo sugere que alguma catástrofe -como doença ou mudança climática induzida por um vulcão- tenha levado os humanos à beira da extinção.

No entanto, se a nova estimativa estiver correta, o tamanho da população humana tem sido pequeno e razoavelmente constante ao longo da maior parte dos últimos milhões de anos, excluindo-se a necessidade de buscar uma catástrofe como justificativa. A nova estimativa, calculada por geneticistas populacionais da Universidade de Utah liderados por Chad Huff e Lynn Jorde, sugere isso.

A população humana de um milhão de anos atrás era representada por espécies arcaicas, como o Homo ergaster, na África, e o Homo erectus, no leste da Ásia. Os cientistas dizem que sua estimativa de 18.500 indivíduos habitando a Terra é “uma população estranhamente pequena para uma espécie distribuída por todo o Velho Mundo”, o que é incomum.

No entanto, a estimativa dos cientistas de Utah só se aplica à população mundial de humanos se tiver havido cruzamento entre membros das populações nos diferentes continentes.

Caso contrário -se os humanos modernos são descendentes de apenas uma dessas populações, como o Homo ergaster da África- então a estimativa se aplicaria apenas à população isolada da qual descendemos. Richard Klein, paleoantropólogo da Universidade de Stanford, disse ser difícil acreditar que a população ancestral dos humanos modernos fosse tão pequena quanto 18.500 pessoas, “a não ser que eles estivessem geograficamente restritos à África ou a uma pequena parte do continente”. (Nicholas Wade, do “New York Times”). (Folha de SP, 26/1).

 

2 – Segredos de caçador

 

Zonas escuras da vida de Francis Crick emergem em biografia do cientista por Robert Olby

Arrogante, invasivo, megalômano… Quem já sofreu os efeitos da legendária capacidade de análise de Francis Crick (1916-2004) poderia enfileirar muitos adjetivos depreciativos para qualificar o físico britânico que descobriu a estrutura molecular do DNA em 1953, com o americano James Watson.

Poucos o fizeram, porém. O brilho irradiado por esse gigante da biologia sempre ofuscou as áreas de sombra em sua vida e sua personalidade.

A primeira coisa a apontar na competente biografia intelectual por Robert Olby é que as zonas escuras estão lá. Autor de um clássico sobre a biologia molecular, “A Trilha para a Dupla Hélice” (1974, nunca traduzido para o português), o historiador da Universidade de Pittsburgh teve acesso ao acervo pessoal e ao próprio Crick em seus últimos anos de vida, mas essa proximidade não produziu uma mera hagiografia.

Até as escapadas sexuais do homem são tratadas no livro, mas no devido lugar: ao final do volume, sem destaque, porque afinal pesaram pouco na carreira e na obra de Crick. Muito mais páginas são dedicadas aos vários becos sem saída em que ele se meteu na ciência, dos quais saiu com alguma elegância. Como pesquisador, Crick sempre arriscou muito, errou muito e acertou muito.

Este é o retrato que sobressai do livro: um intelecto privilegiado aplicado à teoria e à busca de princípios gerais norteadores e explicações abrangentes, com grande capacidade de coordenar resultados díspares da pesquisa experimental, sem os quais a teoria resvala para a arbitrariedade. Não raro Crick achou que poderia explicar os dados obtidos na bancada de experimentação melhor do que os próprios experimentadores. Colecionou atritos por isso.

Na biologia molecular, Crick principiou trombando com seu chefe, Lawrence Bragg, em 1951. Detentor de um Nobel (1915) por ter lançado as bases da cristalografia por raios X, Bragg tolerou durante meses aquele doutorando tardio pontificando sobre os limites da técnica mais popular no Laboratório Cavendish de Cambridge. O emprego de Crick ficou por um fio. Foi salvo pela estrutura correta do DNA, em 1953.

Esforço de guerra

Na realidade, Crick já se destacara desde a graduação em física pelo University College de Londres e se provara útil para o Almirantado britânico durante a Segunda Guerra. Os mais de cem circuitos projetados por ele para minas acústicas e magnéticas ajudaram a afundar 1.050 navios alemães e italianos.

Seu entusiasmo, assim como a capacidade de enfrentar grandes massas de dados e campos de estudo pouco familiares (como hidrodinâmica), deixou boas lembranças por lá.

Em lugar da carreira óbvia como físico voltado para aplicações militares ou industriais, Crick decidiu dar a primeira grande reviravolta em seu percurso. Queria dedicar-se a um dos maiores “segredos da vida”, a hereditariedade. Para isso, teria de aprender biologia desde a estaca zero, apesar de já contar mais de 30 anos de idade, coisa que não o intimidou.

Depois de resolver a estrutura do DNA, Crick deu outras contribuições fundamentais para decifrar o código genético (como o DNA especifica determinada proteína). Foi o líder do esforço de mais de uma década, para o qual forneceu duas proposições teóricas que se revelariam acertadas: as hipóteses da sequência, relacionando bases do DNA com aminoácidos de proteínas, e do adaptador, uma molécula mediadora entre DNA e aminoácidos (identificada depois como o RNA de transferência).

Ainda na biologia molecular, Crick teve lá suas mancadas de teórico entusiasmado. Olby narra uma bastante penosa, ocorrida em 1971. Com o código genético decifrado, todos queriam saber como o DNA se compactava nos cromossomos e qual o papel de proteínas misteriosas, as histonas.

 

Crick acreditou ter resolvido o problema ao propor uma complicada estrutura em que o DNA codificante se alternava no cromossomo com glóbulos não codificantes e em que as histonas ficavam para fora.

Chegou a publicar um longo artigo no prestigiado periódico científico “Nature”, o mesmo em que saíra seu trabalho de 1953 com Watson. Poucos meses depois, um estudante do laboratório, Roger Kornberg (Nobel de Química, 2006), mostrou que o DNA se enrolava nas histonas, como se fossem carretéis de linha.

Eugenia e panspermia

Crick ainda erraria muito pela vida, sobretudo quando se aventurou além da biologia molecular -como ao defender noções eugenistas e a ideia de que a vida foi enviada à Terra por seres inteligentes. Olby reproduz sem comentário a afirmação de Crick, décadas depois, de que não acreditava realmente na chamada “panspermia dirigida”, mas isso não impediu o físico de participar de um simpósio sobre o tema na Armênia soviética, em 1971.

Aos 60 anos, Crick abandonou de vez a biologia molecular e avançou sobre a neurociência, depois de deixar o Reino Unido pela ensolarada Califórnia. Morreu em 2004 sem ter resolvido o outro grande segredo da vida que o fascinava, a sede da consciência no cérebro.

Livro – “Francis Crick – Hunter of Life’s Secrets” de Robert Olby. Cold Spring Harbor Laboratory Press, 538 págs. US$ 45. (Marcelo Leite). (Folha de SP, 24/1)

 

3 – Todas as aves do mundo

 

Projeto internacional busca reunir as características genéticas dos pássaros já identificados em um só banco de dados. Iniciativa ajudará em estudos sobre a evolução dos animais e na classificação de novas espécies

Conhecer as características genéticas de todos os pássaros do mundo e mantê-las em um banco de dados disponível para cientistas. A ideia pode parecer ambiciosa, mas está sendo posta em prática por meio do projeto All Birds Barcoding Initiative (ABBI), que pretende montar um arquivo com as 10 mil espécies de aves conhecidas.

Segundo o coordenador da iniciativa, o pesquisador do Museu Argentino de Ciências Naturais Pablo Tubaro, o feito se torna possível com o uso da tecnologia de códigos de barra de DNA dos animais.

A identificação das espécies encontradas no país de Tubaro é uma das mais adiantadas. Segundo ele, já foi detectado o código genético de 70% das aves argentinas, o que representa cerca de 700 espécies. O levantamento – feito com a ajuda de um centro de estudos no Canadá – acaba ajudando no reconhecimento dos pássaros de outros países.

O especialista explica que aproximadamente 94% das aves encontradas na Argentina também estão presentes no Sul do Brasil. O país compartilha também 52% de suas espécies com a Bolívia. Da mesma forma, 99% das aves presentes no Uruguai também se encontram na Argentina.

“Os códigos de barra são importantes, pois permitem identificar espécies com rapidez e a custos mais baixos. São eficazes em determinadas situações, quando os tradicionais métodos de taxonomia não são suficientes”, destaca Tubaro em entrevista ao Correio. Ele ressalta ainda que a boa qualidade das identificações também permite que os dados tenham aplicações que vão desde as investigações forenses até estudos da biologia evolucionista.

A ideia do código de barras de DNA foi proposta em 2003 pelo cientista Paul Hebert, da Universidade de Guelph, no Canadá. “Um ano mais tarde, ele criou o consórcio para o Código de Barras da Vida, uma maneira de reunir museus, institutos, universidades e laboratórios com o objetivo de promover a técnica e estabelecer seus padrões”, diz.

O especialista conta que atualmente está sendo implementado o mesmo consórcio, porém em todo o mundo. “Além da Argentina, participam dessa empreitada países como Brasil, Colômbia, México e Panamá”, esclarece.

Peixes

A técnica empregada com sucesso no mapeamento de aves também se mostrou eficaz no caso dos peixes. Ao todo, já foram codificados 904 tipos de peixe na América Latina. Por meio desse método, segundo especialistas que participam do projeto, foi possível analisar as toxinas presentes na espécie mais conhecida como baiacu, pertencente à ordem dos tetraodontiformes.

Tubarões encontrados no território australiano também foram identificados por intermédio das características obtidas a partir das barbatanas. Conforme o especialista canadense Robert Hanner, o Canadian Centre for DNA Barcoding (CCDB) foi criado para ser uma referência de quantidade e qualidade desse sequenciamento.

Metodologias e critérios padronizados de coleta de informações e produção de dados, conforme Hanner, devem ser sempre levados em consideração. “Realizamos o sequenciamento de 95% dos peixes de água doce do Canadá e 98% dos peixes ornamentais comercializados para aquários”, destaca.

De acordo com o responsável pelo estudo, também foram detectadas espécies idênticas que haviam recebido nomes diferentes quando foram registradas anteriormente. Na opinião dele, o Brasil oferece uma enorme riqueza de espécies para a realização desse tipo de mapeamento. (Gisela Cabral). (Correio Braziliense, 26/1).