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Informativo 190 – Onça-pintada, Oceania e rainha da floresta

1 – Onça-pintada é ameaçada na Caatinga

2 – Humanos aniquilaram animais gigantes da Oceania

3 – Rainha da floresta

 

1 – Onça-pintada é ameaçada na Caatinga

Há 356 animais no bioma, mas só metade em idade reprodutiva; Mata Atlântica também tem situação crítica.

A região da Chapada Diamantina, Bahia, pode ficar sem onças-pintadas em um prazo de nove anos e meio. Já para a área de Bom Jesus da Lapa, no mesmo Estado, o prognóstico é ainda pior: a extinção da espécie pode ocorrer em aproximadamente três anos. Para evitar um destino trágico, é preciso proteger mais áreas e tentar conectar, por meio de corredores ecológicos (ligação entre áreas de uso menos intensivo para garantir a sobrevivência da espécie), os grupos que hoje estão isolados.

Os dados são do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (Cenap), órgão ligado ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente. O Cenap avalia que a onça-pintada (Panthera onca) está criticamente ameaçada na Caatinga.

A estimativa, segundo o analista ambiental do Cenap Rogerio Cunha de Paula, é que existam no bioma 356 animais, divididos em cinco áreas. Desse total, apenas cerca da metade está em idade reprodutiva (descontam-se os animais mais jovens e os muito velhos). Dessa forma, o número restante, 178, deixa a espécie em situação crítica – um dos critérios da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, sigla em inglês) para a classificação é haver menos de 250 animais.

Outra analista ambiental do Cenap, Beatriz Beisiegel afirma que a situação na Mata Atlântica também é extremamente grave. De acordo com ela, uma estimativa preliminar, baseada em informações de diversos pesquisadores, indica a existência de “170 indivíduos maduros” no bioma.

Ela conta que é muito difícil encontrar vestígios do animal e mais raro ainda vê-lo.

Os estudos confirmam que a população de onças-pintadas vem caindo a cada ano. Entre as ameaças tanto na Caatinga quanto na Mata Atlântica estão a alteração e a perda de hábitat, provocadas pelo desmatamento, e a falta de alimento (as chamadas presas). Na Caatinga, diz de Paula, parte da população se alimenta de tatus e porcos-do-mato e acaba ocorrendo uma competição pelas presas. Também faltam matas contínuas para garantir a sobrevivência da onça-pintada. Outro conflito é que, ao matar rebanhos, elas podem incomodar fazendeiros e serem perseguidas.

Na lista vermelha da IUCN, a onça-pintada aparece como “quase ameaçada”. Pelo Ibama, ela é considerada “vulnerável”. Isso porque sua situação é melhor em outros biomas e regiões. Dentro do Brasil, o quadro está mais tranquilo no Pantanal e na Amazônia. É por isso que Leandro Silveira, presidente do Instituto Onça-Pintada, defende ações regionalizadas. “Cada bioma tem um problema diferente.”

A onça, explica, é uma espécie guarda-chuva. Ao fazer um esforço para sua preservação, várias outras espécies que estão no mesmo ecossistema se beneficiam. Ele acredita que o melhor é investir na Amazônia, que tem grandes áreas intocadas, para garantir a sobrevivência do animal.

De acordo com ele, o custo de tentar reestruturar a população na Mata Atlântica é proibitivo. “É caro e há o risco de não funcionar. O melhor é investir em ações onde é mais viável manter os animais”, afirma. Já a Caatinga, segundo ele, precisa de investimento imediato. “Ou se faz algo agora ou é melhor esquecer”, diz.

 

Ele cita a Serra Vermelha, no Piauí, área onde uma empresa pretende produzir carvão a partir da floresta. Uma onça já foi fotografada na área. “É o último grande pedaço de Caatinga intacto e deve mantido.”

Metas e ações

No fim do ano passado, o Cenap organizou um workshop em Atibaia, interior de São Paulo, sobre a conservação da onça-pintada, em parceria com o Instituto Pró-Carnívoros e a ONG americana Panthera.

Durante o encontro foram definidas metas e modo de atuação para o Plano de Ação Nacional da Onça-Pintada. Também foi produzido um mapa das áreas prioritárias para a conservação. O material deverá ser editado até o meio deste ano.

“Uma solução para proteger a onça-pintada é trabalhar na criação de novas unidades de conservação (como parques) e de corredores de conexão entre as já existentes para permitir a comunicação entre as populações isoladas”, afirma de Paula.

O Cenap luta pela criação do Parque Nacional Boqueirão da Onça, na Bahia. A área é a segunda em maior número de animais na Caatinga. E os corredores entre os parques da região são importantes para facilitar o fluxo genético entre populações, aumentando assim a chance de sobrevivência da espécie no longo prazo.

Já o presidente do Instituto Onça-Pintada tem uma ideia alternativa: pagar uma compensação para fazendeiros que perdem gado para as onças. Assim, eles deixariam de matá-las. Silveira estima que pelo menos 200 onças sejam mortas ao ano por conta desse conflito. Já foi feito um projeto-piloto de compensação por dois anos, entre 2004 e 2006, e o resultado foi positivo. “Temos de ser realistas. É uma questão prática.”

(Afra Balazina). (O Estado de SP, 24/1).

 

2 – Humanos aniquilaram animais gigantes da Oceania

 

Megafauna só conviveu com homens por 5.000 anos, indica nova datação

Um novo estudo reforça a teoria de que a convivência com os humanos acabou aniquilando a fauna de animais gigantes que habitou a Austrália -a chamada megafauna, com répteis, aves e marsupiais pesando até 2.000 kg. Usando uma nova técnica de datação de ossos, cientistas mostraram que esses bichos se extinguiram 40 mil anos atrás, cerca de cinco milênios depois de o Homo sapiens chegar à Oceania.

O estudo, publicado sexta-feira (22/1) na revista “Science” deve ter impacto significativo no debate acadêmico sobre a questão. Cientistas que relutam em culpar humanos pelo evento ainda tentam provar que a megafauna entrou em extinção pressionada por mudanças climáticas ocorridas na época.

Os grupos teóricos rivais concordam que a megafauna não sumiu de uma só vez. Aconteceu aos poucos, em datas diferentes em cada parte da Oceania. Richard Roberts, da Universidade de Wollongong (Austrália), coautor do estudo na “Science”, diz que os bichos sempre sumiam após aborígenes chegarem a uma nova área.

“Os últimos animais sobreviventes estavam na Tasmânia”, afirmou. “Isso aconteceu porque aquele lugar só foi ocupado pelas pessoas depois, quando uma ponte de terra conectou a ilha à Austrália, e as pessoas puderam atravessar.”

Mauro Galetti, biólogo da Unesp, lembra que animais gigantes são realmente uma tentação para caçadores. “É uma fartura de alimento gigantesca”, diz. Ele explica que essas espécies são particularmente vulneráveis à caça, porque se reproduzem muito devagar. “Bicho grande é impossível de caçar de maneira sustentável.”

O que Roberts oferece em seu último estudo, em resumo, é uma interpretação nova para dados sobre o sítio paleontológico de Cuddie Springs, onde fósseis da megafauna foram encontrados nas mesmas camadas sedimentares que artefatos de pedra feitos por humanos. Isso havia levado outros cientistas a acreditarem que os animais sobreviveram desde os aborígenes dominarem a Oceania, há cerca de 45 mil anos, até um período 30 mil anos atrás.

A datação extraída diretamente dos ossos dos animais, porém, concluiu que sua idade é de 40 mil anos. Segundo Roberts, camadas geológicas se misturaram depois, possivelmente devido a enchentes. Sua configuração em Cuddie Springs, portanto, não reflete bem a sequência de eventos.

Arqueólogos como Judith Field, da Universidade de Sydney, contudo, discordam. “Esses estudos [do grupo de Roberts] deixam de lado tudo o que sabemos sobre o sítio e ignoram evidências que contradizem suas conclusões”, diz, sinalizando que o debate sobre a questão não está encerrado.

(Ricardo Mioto). (Folha de SP, 25/1).

 

3 – Rainha da floresta

 

Obra do fundador do Jardim Botânico de São Paulo, publicada em 1949, é reeditada

Em 1949, o naturalista mineiro Frederico Carlos Hoehne (1882-1959), fundador do Jardim Botânico de São Paulo, publicava o livro Iconografia de “Orchidaceas do Brasil”, que viria a ser um dos maiores clássicos da botânica no país. Mais de seis décadas depois, a obra de 640 páginas acaba de ser relançada pelo Instituto de Botânica de São Paulo (IBt).

De acordo com Fábio de Barros, pesquisador do IBt que atua na Seção de Orquidário do Jardim Botânico desde 1981, a nova edição é praticamente uma reimpressão do original, com o acréscimo de apenas um prefácio. Se o livro não recebeu uma atualização, do ponto de vista taxonômico, por outro lado manteve integralmente seu valor histórico.

“Trata-se de um livro que marcou época. Foi o primeiro livro abrangente sobre o tema a ser de fato publicado no país. A ideia de Hoehne era fazer um apanhado sobre as orquídeas do Brasil, com uma organização sistemática, ilustrando pelo menos uma espécie de cada um dos gêneros. Foi um trabalho de extrema importância”, disse Barros à Agência Fapesp.

Segundo Barros, a edição original está fora de catálogo desde o início da década de 1980. Em sebos de São Paulo ou em sites de vendas de objetos usados na internet, a rara obra pode ser adquirida por valores que vão de R$ 900 a R$ 1.700 reais. A nova impressão custa R$ 200 e pode ser adquirida pelo correio, ou diretamente no IBt.

No livro, Hoehne se dirige a colecionadores de orquídeas, explicando em detalhes como identificar, cultivar, colher, embalar e transportar as plantas. Segundo Barros, o botânico era fascinado pelas orquídeas, às quais se referia como “rainhas da floresta”.

“Ele procura traduzir para os orquidófilos – e não necessariamente para especialistas – múltiplos aspectos do conhecimento sobre as orquídeas. Por causa dessa abordagem, o livro se tornou uma referência para orquídeas no Brasil. Hoehne alcançou seu objetivo, que era facilitar o reconhecimento dos gêneros e popularizar as orquídeas”, declarou.

Antes da obra de Hoehne, o botânico João Barbosa Rodrigues (1848-1909) havia concebido uma iconografia das orquídeas, que seria editada em francês, de acordo com Barros. Mas Rodrigues nunca conseguiu publicar a obra, que foi lançada apenas em 1996, por iniciativa de uma editora da Suíça.

O livro de Hoehne, que segundo Barros tem um caráter mais técnico que propriamente científico, tem o diferencial de abordar o tema por vários aspectos. “Ele teve o cuidado de não se limitar à taxonomia vegetal e à identificação e descrição das plantas. Há um capítulo, por exemplo, sobre a distribuição das orquídeas no país. E ele faz isso em um tom interessante, descrevendo as espécies como se estivesse fazendo uma viagem por várias regiões”, disse Barros.

Outra característica especial do livro, segundo Barros, é que Hoehne procura popularizar o uso das orquídeas em esferas que fogem ao convencional. Um dos capítulos discorre sobre o uso das orquídeas em ornamentação. “Mas ele não trata do uso da planta em si como ornamento e sim das aplicações de seus formatos e cores em design de objetos. Ele faz, por exemplo, propostas de azulejos, pisos e enfeites com ornamentação inspirada nos padrões das orquídeas”, explicou.

Pioneirismo ambiental

De todos os aspectos inovadores da obra, um chama a atenção pela atualidade: em várias partes do livro, segundo Barros, o autor faz comentários sobre a destruição das matas e sobre a necessidade de preservação ambiental. “Isso não era algo trivial no meio do século 20. Hoehne foi verdadeiramente um pioneiro em relação à preocupação com a conservação do meio ambiente”, disse Barros.

Outra preocupação pioneira de Hoehne, segundo Barros, era a divulgação da ciência para o grande público. Isso fica evidente no livro, em várias referências feitas às excursões que o botânico organizava para atrair o público e transmitir conhecimento sobre as orquídeas. Hoehne também publicou um número imenso de artigos de divulgação em jornais.

“Quando foi convidado pelo governo paulista, em 1928, para implantar o horto botânico que viria a ser o embrião do atual Jardim Botânico, sua primeira iniciativa foi o estabelecimento de uma estrutura para um orquidário. Ele justificava isso dizendo que as orquídeas eram plantas que chamavam a atenção do público e que o orquidário atrairia pessoas para visitação – o que revela uma visão muito moderna”, declarou Barros.

De acordo com Barros, a Iconografia de Orchidaceas do Brasil é uma expansão do Álbum das Orchidaceas Brasileiras e o Orchidário do Estado de São Paulo, lançado em 1930, na ocasião da fundação oficial do orquidário paulistano, para ser distribuído entre os visitantes.

“Em grande parte, esses dois livros são responsáveis pela popularização das orquídeas. Hoje, só a cidade de São Paulo tem quatro associações de orquidófilos diferentes. Desenvolveu-se uma cultura em torno da planta, que é bastante atraente, pois a maioria das espécies cultivadas é muito extravagante”, afirmou.

Nascido em Juiz de Fora (MG) em 1882, Hoehne foi autodidata e começou a trabalhar no Rio de Janeiro como jardineiro. Profundamente dedicado a estudos de botânica, atuou no Museu Nacional, na capital fluminense, e na Comissão Rondon, com a qual excursionou pelo Brasil, responsabilizando-se pelas coleções de plantas.

Em 1917, Hoehne foi convidado pelo diretor do Instituto Butantan, Vital Brazil (1865-1950), para criar um horto botânico para estudos de plantas medicinais em São Paulo, onde se instalou. Em 1928 responsabilizou-se pela implantação de um novo horto botânico na Zona Sul da capital paulista. Ali nasceu o Jardim Botânico de São Paulo, fruto de um projeto de sua autoria.

Entre 1938 e 1941, Hoehne foi diretor-superintendente do Departamento de Botânica do Estado de São Paulo. Em 1942, tornou-se o primeiro diretor do Instituto de Botânica, cargo que manteve até 1952.

Em sua trajetória, Hoehne publicou cerca de 117 trabalhos científicos, 478 artigos em jornais e revistas e proferiu inúmeras palestras, conferências e cursos nas diversas áreas de botânica, além de editar quatro livros infantis. (Fábio de Castro, Agência Fapesp, 22/1).