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Informativo 177 – Aquecimento, chuvas, vertebrados e besouro

1 – Frio intenso não contradiz o aquecimento no planeta

2 – Mais chuvas pesadas

3 – Pegada faz recuar origem de vertebrados terrestres

4 – Como um besouro do Alasca evita o seu congelamento

 

1 – Frio intenso não contradiz o aquecimento no planeta

 

Temperaturas negativas na Europa são causadas por fenômenos naturais

Nas últimas semanas as temperaturas estão acima ou abaixo da média em diversos lugares do mundo. As atuais condições climáticas em boa parte do Hemisfério Norte são quase siberianas.

O período mais prolongado de frio congelante no Reino Unido, desde 1981, e as intensas nevascas ocorridas em vários outros países da Europa estão sendo causados por uma grande massa de ar frio sobre o nordeste da Rússia, com ventos de leste arrastando suas temperaturas glaciais por todo o norte da Europa e através do Reino Unido.

E como aconteceu no inverno mais intenso a atingir o Reino Unido no século passado, aquele de 1962/1963, o frio está sendo mantido pelo que é conhecido como um “bloqueio anticiclone”, uma área estática de alta pressão sobre a Groenlândia, que está impedindo que os ventos de oeste, normalmente mais quentes, nos atinjam pelo Atlântico.

Anomalias derrubam médias entre 1961 e 1990 A atual situação é conhecida também como “bloqueio Ômega”, que consiste de dois sistemas de alta pressão, que, num mapa do tempo, lembram dois braços da letra grega Ômega – o da Groenlândia e o próprio anticiclone siberiano, cuja imobilidade e céus claros têm causado frio intenso, chegando a menos 48 graus Celsius em alguns lugares.

A mais prolongada onda de frio em 29 anos, provaria que a ideia do aquecimento global é um equívoco? Curiosamente, não. Um olhar mais amplo às atuais condições meteorológicas em todo o mundo revela um quadro muito diferente.

O mapa do Met Office aponta uma série de anomalias globais nas temperaturas nas últimas semanas. Isso significa temperaturas acima ou abaixo da média das atuais estações do ano.

Em alguns lugares, as temperaturas estão abaixo das médias de 1961 a 1990; em outros, estão acima. Eventos climáticos extremos são característicos do aquecimento global. Vale lembrar que a tendência de aquecimento é estimada pela média das temperaturas globais.

No mesmo mapa, está bem destacado o intenso frio siberiano, com registros atingindo menos 10 graus Celsius em relação à média. Em direção ao oeste, dos países escandinavos ao Reino Unido, diversas regiões estão com temperaturas em torno de 3 graus Celsius abaixo do normal.

Mas, no resto do mundo, no nordeste dos EUA e do Canadá, no norte da África, no Mediterrâneo, em direção ao sudeste asiático, as temperaturas estão bem acima do normal em inúmeros lugares; em alguns, há registros de temperaturas 5 graus Celsius acima da média.

Enquanto o frio glacial castiga o Reino Unido, em Madri as temperaturas estão um grau acima da média, de 9 graus Celsius. Em Roma, dois graus acima da média, de 11 graus Celsius. A natural variação das temperaturas significa que é impossível tirar conclusões de longo prazo a partir de um único episódio. (O Globo, 8/1).

 

2 – Mais chuvas pesadas

 

Fenômeno El Niño provocará aumento de tempestades e desastres ambientais

Um em cada quatro municípios brasileiros decretou situação de emergência em 2009, segundo a Secretaria Nacional de Defesa Civil. E, considerando que a influência do El Niño será sentida no país até maio, a tendência é que os desastres ambientais sejam ainda mais numerosos em 2010.

As chuvas intensas, um dos principais fatores para as prefeituras correrem atrás de ajuda, já causaram tragédias em Angra dos Reis, no Rio; em São Luiz do Paraitinga, em São Paulo; e em Agudo, no Rio Grande do Sul. Para o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), essas podem ser as primeiras cidades de uma série afetadas por desastres climáticos.

O verão, segundo o Inpe, terá pequenos períodos de muito calor, os veranicos, seguidos por dias de chuva contínua. A pluviosidade será maior do que a média da estação, assim como as temperaturas máximas. A influência do El Niño sobre estes índices seria moderada.

– O El Niño reforça a umidade que se origina na Amazônia e provoca chuvas nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste – explica o meteorologista Lincoln Alves, do Inpe. – O verão, por isso, será marcado por temporais, como os registrados na semana passada no Rio, em São Paulo e no Rio Grande do Sul.

As chuvas chegaram mesmo a regiões de maior altitude – que, no verão, registram baixa pluviosidade. Para o climatologista José Marengo, também do Inpe, o El Niño não é o único responsável pela temporada de chuvas. O encontro de massas úmidas do Sul e do Norte, tradicional durante a estação, têm assumido um comportamento diferente, cuja causa ainda não foi estudada.

– É preocupante ocorrer, como temos visto, 15 dias com excesso de chuva seguidos por 15 dias de estiagem – alerta. – Não sabemos por que este movimento tem ocorrido de forma tão extrema. Os impactos têm sido enormes em todo o país.

Este padrão, que, até agora, tem sido muito intenso, deve durar pelo menos dois meses, período de maior umidade.

O aquecimento global, de acordo com o climatologista, pode ser um dos responsáveis pelas catástrofes. É possível que, nos próximos anos, os índices de pluviosidade mantenhamse estáveis, mas a mudança na distribuição das chuvas ainda intriga os pesquisadores.

– É como se as estações estivessem misturadas – constata a secretária nacional de Defesa Civil, Ivone Valente. – Os desastres naturais não têm mais um período de prevalência. Agora eles ocorrem o ano inteiro.

Investimentos corretos não são feitos

A maioria dos municípios que procura auxílio da União perde de 5% a 30% do PIB em tragédias causadas pelo fator climático. A lista de cidades atingidas não costuma trazer surpresas.

No Nordeste, por exemplo, dezenas de municípios do semiárido baiano e cearense declaram estado de emergência anualmente por causa das estiagens. Esta repetição mostra que os recursos, quando liberados, não são usados como deveriam.

– Infelizmente o fator climático não é considerado prioritário pelo poder público – critica Marengo. – Todos os anos passamos por tragédias.

Desastres como o que atingiu Angra dos Reis podem ser explicados pela soma de dois fatores: um natural (a exposição a extremos climáticos) e outro provocado pelo homem.

– Planícies e encostas são áreas de risco para a ocupação humana – lembra o climatologista Carlos Nobre. – As mudanças climáticas aumentam a frequência de fenômenos extremos, como temporais. A Defesa Civil avançou nos últimos dez anos, mas seu comportamento ainda é reativo. Sem investimentos maiores, continuaremos tirando e colocando pessoas de locais condenados a um risco eterno.
(Renato Grandelle). (O Globo, 7/1)

 

3 – Pegada faz recuar origem de vertebrados terrestres

Rastros de animal de quatro patas achados na Polônia têm 18 milhões de anos
Os primeiros passos da linhagem evolutiva de animais que desembocou no homem e em todos os outros vertebrados terrestres acabam de sofrer uma reviravolta. Pegadas encontradas no sudeste da Polônia indicam que os peixes “criaram” pernas e conquistaram a terra quase 18 milhões de anos antes do que se acreditava.
Ou seja, há 395 milhões de anos, os tetrápodes -vertebrados com quatro patas- já caminhavam por aí. E com dedos, pés e mãos articulados.
A descoberta está descrita em um estudo na edição desta quinta-feira (7/1) da revista “Nature” liderado por Grzegorz Niedzwiedzki, da Universidade de Varsóvia. Seu grupo encontrou, entre 2002 e 2007, várias trilhas e pegadas fossilizadas em pedra que contrariam o cenário mais aceito hoje para o surgimento dos vertebrados terrestres.
Acredita-se que a transição da água para a terra aconteceu por meio de um grupo de animais com características adaptadas aos dois ambientes. Um deles era Tiktaalik roseae, um peixe com nadadeiras que parecem patas sem dedos.
Os vestígios encontrados, porém, são quase 10 milhões de anos mais velhos que os primeiros registros dessa transição. Segundo os autores, isso “força um revisão radical” de teorias sobre a transição.
Jennifer Clack, paleontóloga da Universidade de Cambridge que não participou do estudo, disse à Folha que ele “muda as ideias sobre quando, como e sob quais circunstâncias os tetrápodes evoluíram”.
Na lama
Os rastros do animal de 18 milhões de anos estavam numa região que provavelmente abrigou uma lagoa de águas salgadas e rasas, de leito lamacento. É um cenário diferente do que andava sendo proposto para a origem dos vertebrados terrestres. O Tiktaalik, por exemplo, tinha vivido no delta de um rio.
De qualquer maneira, no caso polonês, as condições marinhas favoreceram a preservação das marcas pré-históricas. Ainda assim, boa parte das pegadas está incompleta ou precisaria de mais exemplos para ser interpretada com precisão.
Apesar do material encontrado ter formas e características bem diversificadas, o tamanho médio das pegadas surpreendeu os cientistas. Com 15 cm, os vestígios sugerem animais de quase 2,5 metros de comprimento. Bem mais que o esperado. Uma pegada isolada com 26 cm sugere a existência de exemplares ainda maiores.
“O tamanho das pegadas isoladas é espantoso. Elas são maiores que qualquer fóssil documentado dos parentes dos tetrápodes da época”, considerou Clack. Ainda assim, afirma a pesquisadora, é preciso cautela. “São marcas isoladas. Pessoalmente, acredito que algumas delas possam ter sido deixadas por animais diferentes.”
Como não existem fósseis dos corpos dos animais, os resultados do estudo dependem da interpretação das marcas. E isso ainda está longe de ser consenso entre paleontólogos.
“É muito difícil distinguir esses grupos de “peixes” dos tetrápodes primitivos, mesmo com base em ossos. Imagine com pegadas”, diz Rafael da Costa Sillva, do Serviço Geológico do Brasil. Embora acredite que o trabalho ajude a desvendar a evolução desses animais, o pesquisador considera que “os dados não são assim tão conclusivos quanto acham os autores”. (Giuliana Miranda). (Folha de SP, 7/1)

 

4 – Como um besouro do Alasca evita o seu congelamento

“Quem diria que estudar um besouro do Alasca pudesse melhorar as chances de sucesso dos transplantes de órgãos?”
Fernando Reinach é biólogo. Artigo publicado em “O Estado de SP”:
A água é o componente mais abundante nos seres vivos, respondendo por mais de 75% da massa dos animais e vegetais. Como ferve a 100°C e se solidifica a 0°C, até a metade do século 20 se acreditava que o intervalo entre essas temperaturas definia o ambiente em que se encontraria seres vivos.
O limite superior ainda é válido, mas a barreira do inferior parece não ser problema para muitos. Peixes são encontrados sob geleiras onde a temperatura da água é pouco inferior ao ponto de congelamento do seu sangue. Insetos e plantas abundam no Alasca e nas estepes russas.
Para evitar a formação de gelo nos radiadores dos carros, é comum colocar anticongelantes, moléculas que, adicionadas à água, reduzem sua temperatura de congelamento em alguns graus. De início se imaginava que os animais usavam o mesmo truque, mas o isolamento da molécula responsável por evitar que os peixes congelassem na Antártida mostrou que a seleção natural é mais inteligente. Os anticongelantes químicos reduzem tanto o ponto de congelamento da água quanto o de fusão do gelo, mas, para isso, precisam ser adicionados em grandes quantidades.
As proteínas anticongelantes descobertas nos peixes em 1960 existem em pouca quantidade no sangue e seu modo de ação é diferente. Elas causam um fenômeno chamado de histerese térmica, diminuindo a temperatura em que o gelo se forma, mas não alterando a temperatura em que ele derrete. Na presença dessas proteínas, o gelo se forma, por exemplo, a -5°C e derrete a 0°C.
Esse efeito resulta do fato de essas proteínas se ligarem à superfície dos minúsculos cristais de gelo que se formam, impedindo que outras moléculas de água sejam adicionadas ao cristal. Isso impede seu crescimento no interior das células.
Ao longo das últimas décadas, proteínas capazes de evitar o congelamento usando esse mecanismo foram encontradas em dezenas de peixes, insetos e plantas, mas, em todos os casos, a molécula responsável era uma proteína.
Agora foi encontrado um besouro capaz de sobreviver em temperaturas de até -60°C. Qual não foi a surpresa dos cientistas ao descobrir que nesse besouro não existiam proteínas anticongelantes. Após muitas tentativas, os cientistas isolaram a molécula capaz de evitar o congelamento e provocar uma das maiores histereses térmicas já descritas (um descolamento de 3,7°C entre a temperatura de congelamento e descongelamento).
A molécula responsável não contém proteínas e é composta por um polímero de açúcar e lipídeos que parece existir somente nesse besouro. O fato de existir uma molécula não proteica capaz de inibir congelamento deve permitir o desenvolvimento de aplicações industriais inviabilizadas pelo alto custo de produção das proteínas anticongelantes.
Essa nova molécula deve permitir um aumento do tempo de vida de comidas congeladas, melhorar as técnicas de criocirurgia, aumentar o tempo de sobrevivência de órgãos para transplantes e permitir o desenvolvimento de plantas resistentes a baixas temperaturas. Quem diria que estudar um besouro do Alasca pudesse melhorar as chances de sucesso dos transplantes de órgãos?
Mais informações: A nonprotein thermal hysteresis-producing xylomannan antifreeze in the freeze-tolerant Alaskan beetle Upis ceramboides. PNAS, vol. 106. (O Estado de SP, 7/1)