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Informativo 140 – Antártica marinha, Ferramentas moleculares e Gene

1 – Antártica marinha

2 – Ferramentas moleculares

3 – Gene “ensinou” fala a cérebro

 

1 – Antártica marinha

 

Pesquisadores brasileiros e espanhóis pesquisam biodiversidade no continente gelado

Alex Sander Alcântara escreve para a “Agência Fapesp”:

Existem muitos estudos sobre a Antártica que investigam a biodiversidade de espécies continentais, mas são poucos os que levantam hipóteses biogeográficas sobre a evolução no ambiente marinho.

Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade de Valencia, na Espanha, conseguiram mapear quatro áreas de endemismo no continente ao estudar a distribuição geográfica de 31 espécies do gênero Oswaldella, um invertebrado aquático que vive fixo, aderido ao fundo do oceano.

O estudo, que será publicado em breve no Journal of Biogeography, busca entender a história evolutiva dessas espécies e sua biogeografia (área das ciências biológicas que estuda a distribuição dos seres vivos no espaço e no tempo), isto é, como e por que os organismos estão distribuídos em determinadas áreas.

De acordo com Antonio Carlos Marques, professor do Instituto de Biociências da USP e coautor do artigo, as duas principais hipóteses anteriores para a delimitação de áreas de endemismo antárticas não se baseavam em métodos analíticos formais.

“Para cada uma dessas áreas, além da abordagem metodológica inédita para o ambiente antártico, nossa contribuição é importante porque confrontamos resultados com dados paleoceanográficos, o que é muito pouco usual nesse tipo de abordagem”, disse à Agência Fapesp.

O pesquisador coordena o Projeto Temático “Biodiversidade, evolução, endemismo e conservação dos Medusozoa do Atlântico Sul Ocidental”, apoiado pela Fapesp, além de ser coordenador de projetos relacionados ao Programa Sul-Americano de Apoio às Atividades de Cooperação em Ciência e Tecnologia (Prosul) e ao Programa Antártico Brasileiro (Proantar). O outro autor do artigo é Alvaro Peña Cantero, do Instituto Cavanilles de Biodiversidade e Biologia Evolutiva da Universidade de Valencia.

“Como trabalho com esses organismos do Atlântico Sul Ocidental e do Pacífico Sul Oriental (a costa chilena), decidimos tentar inferir essas áreas de endemismo a partir de uma análise formal, com métodos que podem ser reproduzidos”, explicou Marques.

Para inferir as regiões de endemismo, os pesquisadores empregaram uma técnica de biogeografia conhecida como análise de parcimônia de endemicidade, por meio da qual dividiram a Antártica em quadrículas e buscaram a afinidade dessas usando algoritmos matemáticos.

Na delimitação dos autores, a primeira seria a área conhecida como Magalhânica, que está fora da área delimitada pela Frente Polar do Oceano Austral e corresponde ao sul do continente americano. A segunda corresponderia à Península Antártica, compreendendo uma extensão que engloba também ilhas do Oceano Sul.

A terceira região corresponde à Antártica Ocidental, que inclui o mar de Weddell/Bellingshausen até o mar de Ross. Por fim, a quarta área é a Antártica Oriental, que vai desde a parte marginal do mar de Ross até o mar de Davis.

“Nossa hipótese está ligada a fatores históricos e procura propor detalhamentos que melhor expliquem a evolução da biota no ambiente antártico. Por isso, o padrão que encontramos apresenta maior detalhe na divisão do Oceano Austral, por exemplo, e para todas essas divisões encontramos um padrão de distribuição atual que se sustenta por eventos paleoceanográficos”, disse Marques.

As duas hipóteses anteriores propunham modelos biogeográficos importantes para a Antártica. Mas as análises dos autores, segundo o pesquisador, não foram baseadas em metodologias formais. Uma das propostas é a do norte-americano Joel W. Hedgpeth (1911-2006) que dividiu o Oceano Austral em uma “sub-região Antártica Continental” e outra “sub-região Scotia” (que incluía a Península Antártica).

A outra hipótese, do neozelandês Richard Kenneth Dell (1920-2002), também dividiu a Antártica em duas áreas: uma que incluiria a Península Antártica e os mares de Bellingshausen e Weddell e a outra que compreenderia o Arco Scotia.

“Boa parte dessas hipóteses são corroboradas por nossos dados. Isso também é um aspecto interessante. No caso da hipótese de Hedgpeth, ‘refinamos’ a proposta. A partir de agora, pode-se agregar mais dados. Vamos colocar mais grupos, não só as espécies de Oswaldella e, com a adição de novos dados, ver se essas regiões se mantêm ou se teremos que reinterpretar essas quatro áreas”, salientou.

Para cada área, os cientistas encontraram uma explicação paleoceanográfica. Na Península Antártica, por exemplo, que é a região mais estudada, as espécies ocupam o outro lado da península, no mar de Weddel.

“A explicação paleoceanográfica mostra que havia uma passagem que depois foi fechada, ocupada por um corredor de oceanos que permitia que a espécie que estava nessa área no passado passasse pelo meio desse corredor. Quando essa passagem foi fechada, as espécies foram isoladas em áreas diferentes”, disse.

Fase de colônia 

As espécies de Oswaldella pertencem ao grupo dos cnidários que engloba os animais aquáticos de que fazem parte as hidras de água doce, medusas, águas-vivas, corais, anêmonas-do-mar, entre outras. São animais que vivem de forma fixa sobre o fundo do mar, em profundidades que podem chegar a milhares de metros. É um dos grupos de cnidários com maior número de espécies no ambiente antártico.

Os cnidários podem ter as fases de medusa (que nada, mas não tem capacidade natatória suficiente para passar as correntes oceânicas) e a de pólipo (que geralmente vive fixo no fundo do mar). No caso de Oswaldella, o grupo não produz uma medusa livre, e sua mobilidade é, portanto, muito baixa.

“Os pólipos, por reprodução assexuada, formam colônias e inclusive brotam as medusas, que são os adultos, porque têm as gônadas. Entretanto, em algumas linhagens, como em Oswaldella, sua biologia se restringe à primeira fase”, disse Marques.

“A pesquisa é importante porque só podemos pensar em conservar áreas, em criar sistemas de conservação que sejam eficientes, se compreendermos por que essas áreas existem. Elas não existem de maneira aleatória”, disse.

O pesquisador lembra que a Antártica chama muito a atenção por conta do aquecimento global, que tem provocado a perda acelerada de gelo nos polos do planeta. Segundo ele, todo o panorama atual de distribuição dos organismos antárticos poderá ser afetado pelas mudanças climáticas.

“O aquecimento global poderá mudar correntes e limites de temperatura que uma espécie poderia aguentar. Espécies mais tropicais podem ir mais ao sul, ocupar latitudes mais altas. E o delineamento dessas áreas é o primeiro passo para qualquer política de conservação. Não podemos pensar em conservação de uma maneira intuitiva. Ela tem que ter um alicerce científico que a sustente”, defendeu.

O artigo “Areas of endemism in the Antarctic – a case study of the benthic hydrozoan genus Oswaldella (Cnidaria, Kirchenpaueriidae)”, de Antonio Carlos Marques e Alvaro L. Peña Cantero, poderá ser lido em breve no Journal of Biogeography em www.wiley.com/bw/journal.asp?ref=0305-0270&site=1 (Agência Fapesp, 12/11)

 

2 – Ferramentas moleculares

 

Novas técnicas de pesquisa genética ganham cada vez mais importância para abordar também questões em ecologia e demografia

Fábio de Castro escreve para a “Agência Fapesp”:

A aplicação de ferramentas moleculares baseadas em DNA não se limita às pesquisas genéticas: essas novas técnicas ganham cada vez mais importância para abordar também questões em ecologia e demografia, de acordo com Eduardo Eizirik, professor do Centro de Biologia Genômica e Molecular da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).

Eizirik apresentou a palestra “O uso de ferramentas moleculares em estudos ecológicos”, durante o Workshop Internacional em Ecologia Aplicada e Dimensões Humanas em Conservação Biológica, que foi encerrado nesta terça-feira, dia 10, na sede da Fapesp.

O cientista relatou diversos casos em que novas ferramentas moleculares foram utilizadas para inventariar e reconhecer a distribuição geográfica e a composição genética de uma comunidade de animais, por exemplo.

“Sem necessidade de capturar espécimes, os estudos feitos com essas técnicas permitiram levantar dados detalhados sobre a história das espécies, sua filogeografia, a estrutura populacional e a história demográfica das populações”, disse à Agência Fapesp após a palestra.

Com o uso de ferramentas moleculares, as amostras de DNA estudadas podem ser extraídas das fezes dos animais. “É uma abordagem não-invasiva que pode ser aplicada em muitos casos para os quais seria demasiadamente difícil obter amostras de outra forma”, afirmou.

As técnicas possibilitam também trabalhar com ecologia comportamental, estruturas sociais, padrões de dispersão e análises forenses – isto é, identificar a procedência geográfica de um animal, por exemplo, para fins de controle de caça. Os marcadores genéticos permitem determinar se um animal descende de um grupo de animais em cativeiro ou não.

“Alguns cientistas estão começando a trabalhar melhor com essas ferramentas moleculares para estudar adaptação e seleção natural. A partir de sequências genômicas de populações naturais é possível estudar os efeitos de diferentes processos evolutivos e como eles afetam a adaptação fenotípica das espécies ao longo do tempo”, apontou.

As técnicas moleculares iniciais, com base em proteínas, tiveram origem na década de 1960. Mas essas ferramentas ganharam impulso de fato com o advento das técnicas baseadas em DNA, nos anos 1980. “A maior parte dessas técnicas que utilizamos, portanto, foram inventadas a partir das décadas de 1980 e 1990, mas agora elas estão se tornando muito mais exequíveis e baratas”, contou.

Apesar da diminuição do custo – com empresas produzindo kits e reagentes em maior escala -, ainda é preciso fazer investimentos elevados para trabalhar com tais técnicas.

“A perspectiva é que esses valores caiam bastante. Com isso, teremos acesso a informações em nível genômico, com técnicas disponíveis mas ainda muito caras para uso em animais. Essas técnicas levarão à geração de dados em escala genômica de indivíduos, comunidades inteiras ou populações”, explicou.

 

Segundo Eizirik, além do custo, um dos principais obstáculos para o uso das ferramentas moleculares é a qualidade das amostragens. “A maioria das espécies do mundo precisa de amostragens melhores. Por outro lado, é muito mais fácil conseguir amostras para esse tipo de técnica do que capturar ou observar diretamente todos os animais. Essas ferramentas permitem que se obtenha informações que até agora eram inacessíveis”, disse.

Seleção randômica

As técnicas moleculares, segundo o professor da PUC-RS, trarão uma compreensão muito melhor da biodiversidade, revelando quais espécies estão presentes em cada ambiente, qual a dinâmica desses organismos nos ambientes ao longo do tempo e do espaço e qual a história evolutiva dos organismos.

Um dos estudos apresentados por ele mostra a aplicação das ferramentas moleculares em três diferentes populações de onças-pintadas fixadas em diferentes fragmentos florestais. Os fragmentos eram isolados por matrizes antropizadas – áreas com alto impacto de atividades humanas. A hipótese dos pesquisadores era de que essas matrizes eram impermeáveis para as onças.

“A aplicação das ferramentas moleculares ajudou a reforçar a hipótese de que as onças, ao contrário de outros animais, não conseguem atravessar a matriz antropizada. O estudo evidenciou que as populações em cada fragmento estão ficando geneticamente distintas, possivelmente em consequência da ação humana”, disse.

Segundo Eizirik, a distinção encontrada entre as populações de cada fragmento ocorre, possivelmente, por deriva genética. “Isso é uma inferência – não podemos demonstrar esse fato experimentalmente -, mas os dados genéticos e os dados de campo dos nossos colaboradores sugerem que é o que está acontecendo. Essas populações eram contínuas no passado e, atualmente, o que temos é uma separação geográfica e demográfica que leva a uma diferenciação genética”, indicou.

Com base no que se conhece de outras regiões e populações de cativeiro, populações isoladas em fragmentos de pequenas dimensões estão sujeitas à perda de variabilidade genética por conta do endocruzamento (reprodução com parentes), da perda de várias características adaptativas (como fecundidade e sobrevivência infantil) e da diminuição da capacidade a responder a mudanças ambientais.

“Se tiverem menos variabilidade genética e menos contato com outras populações, provavelmente essas onças vão responder menos a mudanças ambientais. Isso é uma hipótese. Mas se o processo de diferenciação por deriva genética estiver realmente ocorrendo, temos um cenário grave”, disse.

A deriva genética, segundo Eizirik, é desvantajosa por não ser um processo adaptativo, mas um processo randômico: os alelos que vão sendo perdidos e fixados não são necessariamente os melhores para os indivíduos, mas são alelos que vão ficando fixados ao acaso nas populações.

“Isso é grave, porque a seleção natural, que deveria favorecer a fixação de alelos melhores, está perdendo terreno para uma força randômica que é a deriva genética”, afirmou. (Agência Fapesp, 11/11)

 

3 – Gene “ensinou” fala a cérebro

 

Experimento americano mostrou pela 1ª vez como a versão humana desse gene altera a maneira como os neurônios funcionam

Reinaldo José Lopes escreve para a “Folha de SP”:

 

Modificações sutis num único gene podem estar por trás da grande reorganização do cérebro que deu aos ancestrais das pessoas de hoje a capacidade de falar. A conclusão vem de experimentos feitos nos EUA, indicando que o trecho de DNA conhecido como FOXP2 realmente mereceu ganhar o apelido de “gene da linguagem”.

Não é que, sozinho, o FOXP2 tenha “ensinado” hominídeos antes mudos a tagarelar, mas a versão tipicamente humana dele ajudou a alterar toda uma rede de genes importantes para o funcionamento dos neurônios, diz Daniel Geschwind, pesquisador da Universidade da Califórnia em Los Angeles que coordenou o estudo.

“Podemos pensar no FOXP2 como uma janela para a linguagem, e para as vias moleculares que estão por trás dela. É claramente uma janela importante, mas não a única”, afirmou Geschwind à Folha.

Em estudo na edição desta semana da revista científica “Nature”, o pesquisador e seus colegas foram os primeiros a comparar os efeitos da versão humana e da forma considerada “ancestral” do gene (presente em chimpanzés) sobre células cultivadas em laboratório.

As suspeitas originais sobre a importância do FOXP2 para a evolução derivam de dois fatos. Primeiro, pessoas com mutações nesse gene, embora tenham inteligência normal, sofrem com dificuldades de fala: não conseguem controlar direito os músculos da garganta ligados à pronúncia precisa de palavras e, de quebra, também têm problemas para entender como a gramática funciona.

Em segundo lugar, há só duas diferenças pequenas entre a forma humana e a de chimpanzés da proteína cuja “receita” está contida no FOXP2. Há indícios de que a versão humana passou por uma fase de evolução acelerada, que casa com a ideia da origem relativamente recente, e de grande impacto evolutivo, da linguagem.

Elucidar o que o FOXP2 faz daria mais pistas para entender por que humanos e chimpanzés são tão diferentes em comportamento e capacidade mental, apesar de compartilharem cerca de 99% do DNA. Ao que tudo indica, diferenças pequenas conduzem a grandes mudanças.

Tubo de ensaio

O que os pesquisadores fizeram foi acompanhar o que acontecia com dois grupos diferentes de neurônios de laboratório. Um dos grupos recebeu a versão humana do FOXP2, enquanto noutro foi inserida a forma do gene em chimpanzés.

Como a proteína derivada do FOXP2 é uma espécie de gerenciador do DNA, ajudando a coordenar ativação ou desligamento de outros genes, nada mais natural do que comparar o que acontecia com outros genes nos dois grupos de células.

“Eles mostraram que as vias de ativação de genes são bem diferentes entre humanos e chimpanzés, mostrando que as alterações na estrutura da versão humana têm consequências dramáticas para a atividade celular”, explica o biólogo brasileiro Alysson Muotri, da Universidade da Califórnia em San Diego, que comentou a pesquisa a pedido da Folha.

Para ser mais exato, a versão humana intensificou a ativação de 61 genes e diminuiu a de outros 56. Muitos deles, mostra a análise, têm ligação direta com o desenvolvimento do cérebro ou com a formação dos ossos e das cartilagens do crânio.

É como se o FOXP2, portanto, estivesse ligado tanto ao “software” da fala (as áreas do cérebro que permitem a emissão e compreensão de linguagem) quando ao “hardware” -o formato correto da anatomia humana que conduz à capacidade de falar. “De qualquer forma, é surpreendente que eles detectem diferenças mesmo em células”, diz Muotri.

“Esse tipo de trabalho, espero, é só o começo do esforço para entender o surgimento das funções cognitivas superiores, como a linguagem, em humanos”, afirma Geschwind. (Folha de SP, 12/11)