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Informativo 125 – Gene, Don Juan e elo perdido

1 – “Ciência Hoje”: Um passo além na biologia

2 – O Don Juan dos artrópodes

3 – Novo fóssil põe “elo perdido” sob suspeita

 

1 – “Ciência Hoje”: Um passo além na biologia

Há 100 anos, o botânico e geneticista Wilhelm Ludvig Johannsen propôs o conceito de gene
A importância do trabalho de Johannsen, que também foi autor dos termos genótipo e fenótipo, é abordada na seção Memória, da Ciência Hoje 264, por João Carlos M. Magalhães, do Departamento de Genética da Universidade Federal do Paraná, e Leyla Mariane Joaquim, do Programa de Pós-graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências da Universidade Federal da Bahia.

 

2 – O Don Juan dos artrópodes

Pesquisa detalha ritual de acasalamento do escorpião-marrom e descobre que macho passa um longo tempo cortejando a fêmea antes da cópula
Gisela Cabral escreve para o “Correio Braziliense”
Durante o dia, ele costuma se esconder debaixo de pedras, cascas de árvores, lixo e entulhos acumulados em terrenos baldios. No entanto, quando anoitece, o escorpião sai do abrigo para buscar alimentos e também para namorar, transformando-se em um verdadeiro Don Juan.
Uma pesquisa do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) mostrou que o processo de acasalamento do escorpião-marrom (Tityus bahiensis) apresenta características nunca antes imaginadas pela maioria das pessoas, sendo repleto de sedução. A partir das imagens obtidas durante o estudo, os cientistas concluíram que o macho da espécie dedica um longo tempo do processo para cortejar a fêmea, tirando-a para “dançar” e massageando-a antes da cópula.
A pesquisa analisou o modo de agir de casais devidamente acondicionados num recipiente de vidro contendo pedra e areia, materiais aos quais os escorpiões já estão acostumados em seu habitat natural. A observação da cientista Sabrina Outeda mostrou que todo o processo se inicia com o reconhecimento mútuo, seguido de indicações de receptividade que a fêmea dá ao macho. Esse sinal verde, porém, não significa que o ato sexual esteja perto de ser realizado. Trata-se, na verdade, apenas do início da segunda fase, que dura em média 30 minutos.
Nessa etapa, os artrópodes realizam um tipo de dança nupcial na qual um animal conduz o outro para frente, para trás e para os lados. “O macho reconhece e explora o ambiente à procura da superfície ideal para depositar o espermatóforo, uma haste rígida onde fica o esperma”, explica Sabrina.
De acordo com ela, os escorpiões também conseguem identificar quando o local em questão está inapropriado para o depósito do espermatóforo. Durante a “dança”, há também uma sessão de massagem nas quelíceras (apêndices que ficam próximos à boca, como se fossem garras), caso a fêmea esteja muito arredia. O ato também serve como estímulo sexual à fêmea.
Somente depois de a fêmea ter sido seduzida, ocorre a transferência dos espermatozoides. De acordo com Sabrina, o macho abaixa a parte central do corpo e expele o espermatóforo, que gruda no solo. “O macho, então, puxa a fêmea para cima do espermatóforo, que se abaixa e tem seu orifício genital aberto, permitindo a fecundação”, afirma.
Logo depois da transferência de espermatozoides, o casal se separa. A pesquisadora percebeu que enquanto a fêmea caminha ativamente, o macho encolhe o corpo e os pedipalpos, com movimentos rápidos do primeiro par de pernas, como se estivesse se higienizando. No entanto, a função desse comportamento ainda não é clara. Segundo Sabrina, o macho também pode ou não comer seu próprio espermatóforo.
O tempo de gestação varia de uma espécie para outra, levando de três meses a um ano e meio, dependendo de fatores como o tamanho e modo de desenvolvimento embrionário. “Os escorpiões são vivíparos, não depositam ovos. Os filhotes saem da abertura genital, mesmo orifício por onde entram os espermatozoides. Os filhotes nascem com diferenciação incompleta e concluem o seu desenvolvimento no dorso da mãe, onde fazem a primeira troca de pele. Isso mostra que a mãe tem um grande cuidado com a prole”, diz Sabrina.
Cada espécie de escorpião adota uma conduta diferente. Algumas chegam a injetar veneno para acalmar o parceiro. “Porém, o comportamento cortês acaba seguindo o mesmo roteiro, que vai desde o reconhecimento até a fecundação propriamente dita. O que diferencia é a complexidade, a quantidade, o tempo, assim como a sequência também”, afirma a cientista. Até hoje, a ciência já observou esse comportamento em aproximadamente 40 espécies de escorpiões, das 1.600 catalogadas.
Perigo
A pesquisa ajuda a compreender melhor o comportamento desses aracnídeos, que, por serem venenosos, podem colocar a saúde humana em risco. O dados mais recentes do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), divulgados em junho, mostram que dos cerca de 21 mil envenenamentos por animais peçonhentos registrados em 2007 no Brasil, os escorpiões, das mais variadas espécies, contribuíram com cerca de 6 mil.
“O veneno do escorpião pode ser letal em crianças e idosos. Em pessoas jovens e de boa saúde, ele normalmente causa dor, mas não leva a óbito. Mesmo assim, é importante procurar auxílio médico”, diz o orientador da pesquisa na USP, professor Ricardo da Rocha.
A prevenção é a melhor opção para quem não quer se deparar com nenhuma dessas espécies por aí. Medidas simples como examinar e sacudir sapatos e roupas antes de vesti-los, não acumular lixo orgânico, entulhos e materiais de construção em casa, e combater a proliferação de insetos, como baratas, podem evitar o aparecimento desse visitante indesejado.
A espécie mais comum no Distrito Federal não é a Tityus bahiensis, mas a Tityus serrulatus, mais conhecida como escorpião-amarelo. Segundo o biólogo e professor da Universidade de Brasília (UnB) Paulo César Motta, a instituição está desenvolvendo pesquisas sobre a espécie, mas todas elas em estágios iniciais. (Correio Braziliense, 21/10)

 

3 – Novo fóssil põe “elo perdido” sob suspeita

Comparação indica que Ida, esqueleto de 47 milhões de anos que virou fenômeno de mídia, não é ancestral do homem. Para grupo de americanos, semelhanças com macacos resultam de evolução em paralelo; autor da pesquisa original contesta conclusões
Reinaldo José Lopes escreve para a “Folha de SP”:
Um grupo independente de cientistas analisou o fóssil de primata propagandeado em maio deste ano como “o elo perdido” da evolução humana e chegou a uma conclusão não muito empolgante: o bicho é provavelmente só um primo antigo e esquisito dos lêmures.
Se eles estiverem corretos, o alarde midiático organizado em torno de “Ida, o elo perdido”, ou Darwinius masillae, como o animal foi batizado oficialmente, pode se tornar um dos casos clássicos em que a vontade de chamar a atenção do público atropelou a ciência.
Afinal, a descrição científica de Ida foi coreografada com o lançamento de documentários, sites, livros e de um evento para a imprensa no qual os pesquisadores responsáveis por estudá-la compararam o fóssil com a Mona Lisa e com o Santo Graal, afirmando que ele mudava tudo o que se sabia sobre a evolução humana.
Devagar com o andor
À época, boa parte da comunidade científica concordou que se tratava de um exemplar belíssimo. Diferentemente dos outros primatas antigos, Ida, com quase 50 milhões de anos de idade, teve seu esqueleto completo preservado -sem falar na presença de pêlos e até do conteúdo digestivo do animal. Mas poucos concordaram com a sugestão de que o fóssil representava um ancestral direto dos antropoides, a linhagem de macacos que acabou desembocando no homem.
No novo estudo, que está na revista científica “Nature” desta semana, a equipe coordenada por Erik Seiffert, da Universidade de Stony Brook (EUA), compara Ida a uma nova espécie de primata extinto descoberta por eles no Egito.
Trata-se do Afradapis longicristatus, que é 10 milhões de anos mais novo que o suposto elo perdido, mas, ao que tudo indica, é um parente próximo de Ida, a julgar pela análise detalhada da mandíbula e dos dentes da espécie africana (aliás, esses são os únicos materiais preservados do bicho).
Seiffert e companhia também compararam Ida, o novo primata e outras 117 espécies vivas e extintas de primatas, levando em conta uma lista de 360 características do esqueleto. Essa comparação extensa, que não foi feita na descrição original de Ida, ajuda a estimar quais traços dos bichos realmente se devem ao parentesco e permite montar uma árvore genealógica dessas espécies.
O veredicto: Ida seria apenas uma prima muito distante do grupo que inclui o homem, estando bem mais perto dos lêmures atuais. As semelhanças superficiais dela com o grupo dos antropoides seriam explicadas por evolução convergente -ou seja, porque ambos os grupos adotaram estilos de sobrevivência parecidos.
Comedora de folhas
“São características relacionadas ao encurtamento do focinho e ao processamento de alimentos relativamente duros, como folhas”, explica Seiffert. O pesquisador aponta o que, para ele, foi o principal erro da equipe que descreveu Ida.
“Acho que eles deveriam ter feito comparações mais detalhadas com os mais antigos antropoides indiscutíveis. Eles teriam visto que traços como a fusão das duas metades da mandíbula, que não aparecem nesses antropoides [mas aparecem em Ida], não poderiam ser um elo entre Ida e eles.”
Philip Gingerich, paleontólogo da Universidade de Michigan e um dos “pais” de Ida, não concorda. “Acho esquisito que o Afradapis seja muito parecido com os antropoides mas acabe classificado em outro grupo. A ideia de convergência parece implausível”, diz ele.
Aliás, argumenta Gingerich, “o Darwinius [Ida] conta com um esqueleto muito mais completo que o do Afradapis, e ele apresenta características adicionais de primatas avançados que não aparecem na análise”.
Ciência vira espetáculo na TV paga
Embora os autores do estudo original sobre Ida estejam entre os mais exagerados ao ressaltar a importância de seu achado, a ideia de casar a descoberta de fósseis relevantes com um espetáculo midiático virou lugar-comum.
Se Ida foi ao ar num documentário no History Channel, outra fêmea, o hominídeo de 4,4 milhões de anos conhecido como Ardi, virou a estrela do canal Discovery. A diferença é que poucos contestaram a importância de Ardi.
Um dos pesquisadores que assinam a descrição de Ida, Jorn Hurum, da Universidade de Oslo (Noruega), já era conhecido por tentar atrair a atenção do público para seus achados antes de publicá-los num periódico científico. No ano passado, com pouca verba, Hurum divulgou o achado de um réptil marinho gigante para tentar levantar fundos. Ele não respondeu as mensagens enviadas pela Folha sobre o novo estudo.
(Folha de SP, 22/10)