1 – Nova técnica permite desvendar cor de penas dos dinossauros
2 – Cientista propõe criar “galinhassauro”
1 – Nova técnica permite desvendar cor de penas dos dinossauros
Trabalho de grupo americano pode desencadear “corrida paleontológica”
Uma nova técnica para examinar fósseis deve colocar a comunidade de paleontólogos em uma corrida para identificar quais eram as cores dos dinossauros que exibiam penas e estruturas precursoras dos pelos.
O método surgiu de uma descoberta feita por cientistas do Museu Peabody de História Natural, de Connecticut (EUA). Os pesquisadores notaram que uma estrutura achada em alguns fósseis e antes tida como remanescente de bactérias era na verdade composta de vestígios de melanossomos – uma organela celular que armazena pigmentos.
Até agora, cientistas conseguiam apenas detectar a ausência ou presença de pigmentação, para saber se um animal é listrado, por exemplo. O novo trabalho, porém, permitirá investigar também o brilho e a cor dos animais. Um estudo sobre a descoberta foi publicado na revista “Biology Letters”.
As penas usadas no trabalho eram de um fóssil encontrado na Alemanha, um animal do período jurássico ou cretáceo. A criatura tinha uma coloração preta, mas com lustruosidade azul, verde e cobre.
“As características das estruturas nos deixam confiantes em dizer que essas penas eram iridescentes [tinham reflexo multicolorido]”, diz Derek Briggs, líder do estudo. “Não sabemos porém, a qual animal pertenciam as penas, porque seu esqueleto não foi achado.”
(Andrew Johnson, do Independent)
(Folha de SP, 31/8)
2 – Cientista propõe criar “galinhassauro”
Paleontólogo quer despertar genes de dinossauro ainda presentes no DNA de frangos, gerando patas da frente e cauda. Experimento ajudaria a elucidar detalhes da origem do corpo dos vertebrados e seria demonstração “em carne e osso” da evolução
Reinaldo José Lopes escreve para a “Folha de SP”:
No fundo de toda galinha existe um dinossauro. Debaixo do bico e das asinhas atrofiadas, no núcleo de cada célula, estão relíquias de DNA que funcionaram pela última vez em tempos jurássicos. Jack Horner quer ir além: dá para trazer ao menos parte do monstro pré-histórico de volta para valer, afirma.
Horner, paleontólogo da Universidade do Estado de Montana (EUA), detalha o plano no livro “How to Build a Dinosaur” (“Como Construir um Dinossauro”), publicado neste ano nos Estados Unidos.
Não vai ser preciso obter o genoma dos répteis extintos, porque esse material já está à mão, nos milhões de embriões de galinha gerados mundo afora. Elas, e todas as aves modernas, não passam de uma linhagem de dinossauros bípedes que resistiram à extinção.
“Os genes envolvidos na formação de dentes, na construção dos dedos e em outros detalhes da anatomia dos dinossauros ainda existem no genoma das aves, mas foram silenciados”, explica a paleontóloga Mary Higby Schweitzer, colaboradora de Horner que trabalha na Universidade do Estado da Carolina do Norte. “É possível identificar esses genes em galinhas e “ligar” alguns dos que foram silenciados? Sim.”
Da asa ao rabo
Com base nesse raciocínio, Horner propõe duas modificações-chave para fazer um “galinhassauro” caminhar sobre a Terra. Basta transformar os ossos que hoje formam as asas em membros anteriores e fazer com que o bicho volte a ter uma cauda (de ossos e músculos, não de penas) para que o parentesco ancestral entre dinos e aves fique muito mais evidente.
A possibilidade é real porque o esqueleto de todos os vertebrados foi “construído” pela evolução com a ajuda de uma longa sucessão de gambiarras. As asas de uma ave, as patas de um dinossauro e as mãos de uma pessoa usam a mesma matéria-prima para desempenhar funções diferentes.
“Dá para ver que algo muito parecido com uma cauda de dinossauro cresce bastante no embrião de galinha, até que ela se detém. O que sobra é um toquinho de cauda, o pigostilo, que não passa de um amontoado de ossos cujo desenvolvimento foi redirecionado”, exemplifica Horner no livro.
As dificuldades técnicas ainda são muitas, mas o paleontólogo aposta que não se trata mais de uma questão de “se”, mas de “quando” o bicho vai se tornar real.
Fazer a cauda é o maior obstáculo, afirma biólogo
Hans Larsson, paleontólogo da Universidade McGill (Canadá) que também é biólogo molecular, está dando os primeiros passos para realizar o sonho de Horner ao manipular embriões de galinha, e descobriu que fabricar um galináceo com cauda não é brincadeira.
Mexer na ponta do órgão embrionário, por exemplo, faz com que o crescimento dele só estacione. Já o emprego de ácido retinoico, substância que pode favorecer o crescimento em certos contextos, ajudou um pouco, mas o resultado foi só um pigostilo maiorzinho.
A dificuldade é esperada no caso da cauda, diz o embriologista brasileiro Igor Schneider, pós-doutorando da Universidade de Chicago. “Existe muito menos informação sobre o desenvolvimento caudal do que a respeito dos membros”, afirma.
O que se sabe, explica Schneider, é que o rabo depende do ritmo de surgimento dos somitos, estruturas do embrião que são precursoras das vértebras, sejam elas do pescoço ou da cauda. Há estudos sobre os detalhes do processo em serpentes embrionárias, lembra ele. Já a formação dos membros e dos dedos é uma área bem mais ativa de pesquisa.
“Esse tipo de proposta é interessante como um exercício intelectual, mas não a vejo como possibilidade real”, diz Schneider. Mesmo considerando a hipótese de que dá para tentar gerar um galinhossauro viável, o pesquisador vê outros problemas na proposta de Horner.
A ideia do americano envolve evitar manipulações diretas do DNA, lidando só com a adição de substâncias que controlam o grau de “atividade” dos genes. “Não há como fazer essas mudanças sem alterar ao menos algumas regiões reguladoras do DNA”, avalia Schneider. Essas parecem ser “áreas mestras” do genoma, que coordenam o papel de muitos genes no desenvolvimento.
Impacto da ideia vai além de dinossauro
O que a ciência tem a ganhar com a gênese do frango jurássico? Em primeiro lugar, argumenta Jack Horner, seria o golpe de relações públicas definitivo em favor da evolução.
Se for possível convencer o público de que o bicho não é mera aberração genética, mas o fruto de um potencial presente nas células de qualquer galináceo, o elo evolutivo entre dinos e aves, e o existente entre os demais seres vivos, seria ilustrado de uma forma que nenhum museu conseguiria igualar. Horner diz que seu sonho é participar do programa de TV de Oprah Winfrey levando o bicho na coleira.
O paleontólogo Max Langer, da USP de Ribeirão Preto, diz que não se pode restringir o potencial científico da ideia ao estudo dos dinossauros. “O projeto pode ajudar a esclarecer a influência da genética no desenvolvimento, e a do desenvolvimento na forma final dos seres vivos. São perguntas mais amplas e importantes.”
Sem o fascínio
Langer, no entanto, não se identifica com outra motivação de Horner: a de ver seu objeto de estudo enfim “ressuscitar”. “É óbvio que seria divertido ver um bicho desses, mas eu não ficaria comovido. Além de ter algo de show de horrores, seria como um filme mesmo. Ele seria tão dinossauro quanto o T. rex do Spielberg. Ou seja, não seria!”
Langer argumenta que, na verdade, a criatura seria um olhar para o futuro, e não para o passado. Por isso mesmo pareceria menos atraente para muitos especialistas em dinos.
“Eu sou um paleontólogo, eu olho para o passado. Minha identificação é mais com a história do que com qualquer outro ramo da biologia”, diz ele. “Seguindo a analogia histórica, os galinhossauros seriam como aqueles experimentos que tentam criar regimes totalitários em pequenos grupos sociais parcialmente isolados. Isso, claro, pode gerar dados para entender como surgiram os governos fascistas. Mas eu quero mesmo é saber quantas pessoas morreram na Guerra Civil Espanhola, e isso a gente só descobre mexendo nos arquivos, no nosso caso, os enterrados há milhões de anos.”
(Folha de SP, 30/8)