1 – Águas do São Francisco na Paraíba em 2010: Pura ilusão
2 – Cientista mapeia DNA de pelos dos cães
1 – Águas do São Francisco na Paraíba em 2010: Pura ilusão
No início do mês de agosto, em visita à Paraíba, nos deparamos com a notícia que circulava na imprensa local, de que as águas do rio São Francisco iriam chegar ao estado, via transposição, já em 2010.
Esforçamo-nos no entanto por entender melhor aquela estultice proveniente da Secretaria de Infraestrutura paraibana, pois temos acompanhado de perto as obras do projeto da transposição e sabemos que o seu cronograma de execução está com certo atraso (apenas com cerca de 14% em andamento), sendo improvável o cumprimento, pelas autoridades da Paraíba, do prazo que havia sido estabelecido para as águas do rio chegarem àquela região já no ano que vem.
A notícia, do jeito que foi divulgada, deu-nos a entender que a população paraibana está sendo iludida e, o que é mais grave, com probabilidade de voltar a cair nas armadilhas e espertezas políticas, já que 2010 será um ano eleitoral. Ficou muito claro para todos nós, que os políticos deram os seus primeiros passos visando à campanha presidencial.
Nesse sentido, ficou evidente a má fé das autoridades, ao não informar o povo paraibano das dificuldades de se realizar um projeto dessa magnitude em uma região com características ambientais tão diversas.
Para se ter uma idéia dessa problemática, as águas do São Francisco, para chegarem, via Eixo Leste, na represa de Boqueirão e abastecerem Campina Grande, por exemplo, terão que vencer um divisor de águas, próximo ao município de Arcoverde, em Pernambuco, de cerca de 304 metros. Os pernambucanos bem sabem da existência da serra do Mimoso, com sua topografia acidentada, localizada entre os municípios de Pesqueira e Arcoverde, sendo naquelas imediações o local em que as águas do Velho Chico serão elevadas para atingirem o território paraibano. Aquelas formações rochosas do Mimoso, que nada mais são do que os contrafortes da Borborema, fazem a divisa entre os dois estados. Portanto, para as águas vencerem aquele divisor, será necessário proceder-se a potentes bombeamentos, com uso de sistemas elevatórios extremamente sofisticados, obra que, embora prevista no projeto, sequer foi iniciada no local.
Outra questão diz respeito à dificuldade de se construir, naquela região, um canal nas dimensões previstas no projeto (25 m de largura, 5 m de profundidade e 622 km de extensão, quando somados os dois eixos), dadas as peculiaridades do seu subsolo, denominada de escudo cristalino. Nesse tipo geológico, as rochas que dão origem aos solos estão praticamente à superfície, chegando a aflorar em alguns lugares. A dureza da rocha que constitui o escudo cristalino pernambucano e a necessidade do uso de explosivos para se proceder à abertura dos canais são, para nós, os obstáculos que têm dificultado o bom andamento das obras, sendo, portanto, os principais causadores dos atrasos verificados.
O Eixo Leste terá aproximadamente 220 km de extensão. Já o Eixo Norte, cerca de 402 km. Caso as autoridades consigam construir no Eixo Leste, que irá destinar as águas para a Paraíba, uma média de cerca de 100 metros do canal por dia (média verificada em obras dessa envergadura em todo mundo), teremos um tempo estimado em cerca de 2.200 dias, o equivalente a aproximadamente 6 anos, para execução da obra. Diante dessa constatação, como é que as autoridades paraibanas dão como certa a chegada das águas do São Francisco no estado, já no ano vindouro?
Além do mais, as autoridades não estão interessadas em discutir as questões técnicas do projeto. A prova disso se deu recentemente com o convite que recebemos da TV Brasil – órgão governamental pertencente ao antigo sistema Radiobrás – para participação em um debate técnico, ao vivo, sobre o projeto da Transposição, na capital federal. Pegos de surpresa, dias após o recebimento do convite e de maneira pouco compreensível, fomos informados pela referida emissora de que a pauta dos debates havia sido modificada, sob a alegação de que as obras já haviam sido iniciadas e iria transcorrer sob outros aspectos, notadamente aqueles referentes às gestões dos eixos, à dimensão da obra, onde as águas iriam chegar e para quem e como esses recursos seriam aproveitados. Evidentemente, foi uma forma educada encontrada pela emissora para nos “desconvidar” do debate.
Obviamente, tais justificativas vieram desagradar não apenas a nós, que havíamos aquiescido ao convite, mas, também, a maioria dos movimentos sociais envolvidos com as questões sanfranciscanas, os quais apostavam na força dos debates para a elucidação de aspectos técnicos pendentes, que fatalmente iriam ser evidenciados no programa da TV Brasil. Portanto, se houve alguém que “amarelou” perante o debate, esse alguém não fomos nós.
Diante de tudo isso, o que lamentamos é a total ausência do diálogo com as autoridades, fato que tornará difícil a apuração, tanto de denúncias de aspectos técnicos que porventura mereçam ser considerados, como da mal versação dos recursos públicos que surjam na implantação do projeto. As autoridades, nesse aspecto, costumam invariavelmente agir de forma unilateral, sem receio de que possa haver comprometimento futuro em suas prestações de contas. Não é bem assim. É preciso que as autoridades fiquem cientes, dos frequentes processos de auditorias internas realizados pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Para se ter uma idéia dessa sistemática, recentemente o TCU suspendeu a contratação de empresas para a realização e acompanhamento dos projetos ambientais referentes à transposição. Segundo o Tribunal, o edital para contratar a empresa tinha uma norma que permitia a variação de preços fora do limite legal. Os preços que constavam no orçamento em questão não eram compatíveis com os praticados no mercado. Isso terá que ser muito bem apurado e explicado a sociedade, sendo mais um complicador de atraso para a execução das obras.
Finalmente, gostaríamos de deixar claro que o nosso trabalho anteriormente vinha sendo pautado, prioritariamente, na análise dos riscos que porventura pudessem ocorrer com a implantação do projeto. Atualmente, com as obras em fase de implantação, nos limitaremos a divulgar as conseqüências que elas certamente trarão ao ambiente natural do Semiárido.
Recife 26 de agosto de 2009.
Fonte: João Suassuna (*)
(*) João Suassuna – Engº Agrônomo e Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, colaborador e articulista do EcoDebate
2 – Cientista mapeia DNA de pelos dos cães
Combinação de mutações em apenas três genes explica grande parte das diferenças de pelagem entre raças domésticas. Estudo revela mecanismo genético de características complexas e pode ajudar em pesquisas sobre doenças humanas, dizem cientistas
Ricardo Bonalume Neto escreve para a “Folha de SP”:
O pelo curto do buldogue, o pelo encaracolado do poodle e a pelagem comprida do cocker spaniel podem ser bem diferentes, mas cientistas nos EUA e França descobriram agora que a combinação de apenas três genes é responsável pela variação. Não se trata de mera curiosidade científica. Trabalhos como este dão pistas para o conhecimento de doenças hereditárias no cão e no homem.
Foi um trabalho em larga escala. A equipe de vinte pesquisadores coordenados por Elaine Ostrander, do Instituto Nacional de Pesquisa do Genoma Humano, de Bethesda, EUA, recolheu amostras de DNA de mais de mil cães de 80 raças e examinou milhares de sequências do material genético.
“Este tipo de estudo não consegue dar informações práticas para donos de cães sobre uma doença, mas ele ajuda muito a avançar o conhecimento científico sobre como estudar características complexas, uma categoria na qual as doenças geralmente se enquadram”, disse Ostrander à Folha.
“Nós sabemos que seres humanos e cães têm um grande número de doenças em comum, como epilepsia, doença cardíaca, cegueira, surdez, artrite, lúpus etc. E sabemos que os mesmos genes subjacentes estão envolvidos nelas”, afirma a pesquisadora. “Por isso, entender como lidar com o problema de características complexas no sistema canino com certeza vai nos dar lições que podemos aplicar à doença.”
Letras trocadas
O objetivo era fazer um estudo de associação envolvendo todo o genoma do cão, cujo sequenciamento foi publicado em 2005 (isto é, o ordenamento das “letras”, as bases químicas que compõem o material genético). O novo estudo está disponível no site do periódico científico americano “Science” – www.sciencemag.org
Nesse tipo de estudo, os cientistas fazem uma varredura da ordem das letras em busca de variações entre os genomas dos indivíduos, em geral de apenas uma letra trocada. A troca de uma letra pode ou não ser significativa para a função do gene, assim como acontece com as palavras. Ao mudar a palavra “contrate” para “contrata”, o significado continua similar. Trocar “refina” por “retina”, porém, muda muito o sentido.
A grande variedade de pelagens entre as diferentes raças e também em uma mesma raça permitiu um estudo capaz de associar os locais no genoma com letras trocadas com a característica exibida pelo cão -o seu “fenótipo”, como os biólogos costumam dizer.
A raça que primeiro deu pistas importantes foi o dach-shund, o pequeno cão “salsicha” que no Brasil costuma ser erradamente chamado de “bassê”. A equipe vasculhou o DNA de 96 cães da raça de três variedades de dachshund – pelo liso, pelo duro, e pelo duro com “acessórios” (bigode e sobrancelha peluda). Justamente por serem da mesma raça ficou mais fácil achar as diferenças.
O segundo conjunto de dados usou o genoma de 76 cães d’água portugueses, a mesma raça de Bo, a cadela presenteada pelo presidente dos EUA, Barack Obama, a suas filhas. E o terceiro conjunto de dados foi obtido com a busca dos genes da pelagem em 903 cães de 80 raças variadas.
Populações fechadas
“O aspecto único do modelo do cão é o grande número de raças, isolados genéticos, isto é, populações fechadas que não são permitidas cruzarem entre si. Cada uma dessas raças dá um retrato do genoma do cão, contendo diferentes combinações de genes que produzem animais saudáveis e reproduzindo”, disse à Folha outro autor do estudo, Karl Gordon Lark, da Universidade de Utah.
Lark tem uma fêmea, Mopsa (da mesma raça de Bo, a “primeira cachorra” americana), que também doou sua amostra de DNA para o estudo sobre a variação de pelagem.
“Cada combinação resulta em um diferente fenótipo selecionado para tamanho, morfologia [forma] e comportamento”, explica Lark. “Em um artigo no periódico “Genetics” nós mostramos como essas diferenças podem ser usadas para identificar locais genéticos para comportamento e longevidade, assim como morfologia.”
Estudo ajuda a explicar longevidade
O trabalho de Lark e Ostrander sobre pelos pode trazer também uma explicação sobre por que cães grandes geralmente vivem menos que os pequenos. Segundo os cientistas, há uma semelhança entre os mecanismos que determinam pelo e características ligadas à longevidade.
Os genes que explicam a maior parte da diversidade na pelagem canina são três, conforme mostra seu trabalho. O FGF5 determina se o pelo é curto ou comprido, o RSPO2 indica presença de “acessórios”, e o KRT71 dá o grau de “encaracolamento”.
Para todos há uma razão. O KRT71, por exemplo, atua na produção de uma proteína dos pelos, a queratina 71. A combinação dos três genes produz sete tipos básicos de pelagem.
O pelo curto de um boxer vem de ele ter versões ancestrais dos três genes. O pelo longo com bigode e sobrancelha peluda de um Lhasa Apso surge de seus FGF5 e RSPO2 mutantes, e do KRT71 na forma selvagem, ancestral. O pelo longo e não encaracolado do cocker spaniel surge do FGF5 mutante e dos outros dois ancestrais. Já um cão d’água português ou um poodle têm as três formas dos genes mutantes.
Acontece, porém, que o isolamento genético entre as raças acabou criando diferenças que vão além da aparência. “Ao desenvolver uma raça, os criadores selecionam certos genes, regulando tamanho ou pelagem, que também regulam muitas outras coisas no animal” afirma Lark.
São genes básicos. O gene ligado ao tamanho do pelo, IGF1, também está envolvido no metabolismo de insulina – e da longevidade – em muitos organismos. Os genes FGF5 e RSPO2 também regulam processos celulares que afetam a fisiologia e o crescimento do indivíduo.
Com isso, os cientistas ganham novas informações para estudar como importantes genes regulatórios interagem com outros para mudar o “funcionamento” do animal, afetando sua saúde e sua longevidade. (Folha de SP, 31/8)