1 – Idéias mirabolantes para salvar o planeta podem virar mico
2 – Idéias de Darwin ainda ”assustam”
3 – Teoria de Darwin teve teste inaugural em Florianópolis
4 – Por que o cérebro natural não acredita em Darwin
5 – Ranking de universidades: impactos, pressões e melhorias
6 – Brasil tem avançado muito na pesquisa de células-tronco
7 – Biblioteca Virtual da América Latina
8 – No ar novo número da revista mensal eletrônica ComCiência
9 – Equipe divulga rascunho do genoma do neandertal
10 – Genoma do resfriado é seqüenciado
11 – Genomas protegidos
12 – Nova proteção solar
1 -Ideías mirabolantes para salvar o planeta podem virar mico
Cientistas pensaram em produzir energia pela atividade física das pessoas, plantar árvores falsas e até domar tornados como forma de tentar barrar a destruição da Terra. Apesar de grandiosas e criativas, na prática, elas podem ser perigosas, inviáveis ou, na melhor das hipóteses, inócuas
O site WebEcoist listou as piores ideias já desenvolvidas para salvar o planeta. São invenções tecnológicas e soluções criativas que no papel podem até soar como uma boa solução, mas que, na prática, mostram -se ingênuas, impossíveis, perigosas ou simplesmente ridículas.
Diante de tantos avisos de alerta sobre os riscos que corremos com as mudanças climáticas e o fim dos recursos naturais, é compreensível que muitos pesquisadores tenham novas ideias para tentar conter a destruição da Terra. Mas, ao que parece, há uma grande distância entre o papel e a vida real e o que parece uma solução milagrosa pode se tornar um verdadeiro mico.
1 – Barco movido a energia humana
Uma alternativa aos navios abastecidos com combustíveis fósseis, causadores do aquecimento global, é usar uma espécie de barco em formato de concha que deslizaria sobre as águas do rio movido com a energia do exercício humano. Dentro do “ecobarco” haveria uma academia de ginástica e a energia das pessoas nas esteiras e bicicletas seria usada para impulsionar o meio de transporte. Mas será que essas academias flutuantes seriam uma solução para o trânsito das grandes cidades? A praticidade da ideia é discutível. Será que as pessoas iriam mesmo suar no caminho de encontros e entrevistas de emprego? Os recursos usados para construir a academia valeriam a economia de energia depois? Talvez seja mais fácil ir de bicicleta ou a pé mesmo.
2- Árvores falsas
Wallace Broecker é um cientista apaixonado – e também um pouco maluco. Ele tem um plano desesperado para salvar o planeta: plantar milhões de árvores falsas pela Terra a um custo de 600 bilhões de dólares por ano. As “árvores sintéticas” seriam capazes de absorver o gás carbônico e ajudariam a deter o aquecimento global, assim como as árvores naturais. Apesar de ser respeitado no meio por ser o cientista que cunhou o termo “aquecimento global”, seu plano de fixar árvores falsas não está pegando.
3 – A compensação do “pum” das vacas
Quando soltam “puns”, as vacas liberam grandes quantidades de gás metano, que é 23 vezes mais poluente do que o gás carbônico. Pesquisadores descobriram, recentemente, que os cangurus, ao contrário, têm “puns” livres de metano devido a uma bactéria ainda não identificada. Eles acreditam que, se os rebanhos recebessem essa bactéria, grande parte da poluição por metano seria evitada. Mas são necessários três anos para isolar a bactéria e ainda não se sabe que impacto que elas causariam na saúde das vacas.
4 – Explodir vulcões
A geo-engenharia já foi considerada coisa de lunático pela ciência, mas não é mais. Agora, os cientistas querem saber o potencial de refrigeração da Terra devido a uma explosão vulcânica proposital. Quando o Monte Pinatabuto, nas Filipinas, explodiu, em 1991, milhões de toneladas de ácido sulfúrico foram liberadas e a atmosfera resfriou. O problema é que os cientistas ainda sabem pouco sobre o mecanismo exato do aquecimento global e criar de propósito catástrofes da natureza pode resultar mais em problemas do que em benefícios. A geo-engenharia não está fora de jogada, mas tem um percurso longo até ser de fato viável.
5 – Usinas de tornados
Desde que ficaram frequentes os tornados com mais de 180 Km/h de velocidade, os cientistas estão trabalhando numa máquina para aproveitar essa energia , que pode chegar a 1 mega-Watt por hora. Um deles já disse saber como criar uma armadilha para captar e manter um tornado ativo, gerando toda a energia de que precisamos. A máquina comercial deve ser viável daqui a cinco anos, mas os riscos de uma invenção como essa são sérios. O tornado “aprisionado” pode sair do controle, destruindo seu “receptáculo” e causando uma grande devastação. O pesquisador considera essa uma preocupação “ridícula” e diz que é preciso apenas dar uma espécie de chicotada com um instrumento próprio para que o tornado volte ao seu espaço definido.
Fonte: Thais Ferreira, Revista Época (Eletrônica) de 10.02.2009
No bicentenário do naturalista, muitos ainda têm dúvidas sobre sua teoria, apesar das comprovações científicas
Herton Escobar escreve para “O Estado de SP”:
Se Charles Darwin estivesse vivo para comemorar seu aniversário de 200 anos, hoje, é provável que haveria protestos diante de sua casa. Pesquisas mostram que, mesmo com todas as evidências científicas acumuladas nos últimos 150 anos, desde a publicação de A Origem das Espécies, a aceitação de sua teoria da evolução por seleção natural ainda enfrenta dúvidas e angústias entre o grande público – principalmente no que diz respeito à evolução dos seres humanos.
“Para muitas pessoas, a ideia da seleção natural é simplesmente repugnante, ameaçadora, assustadora”, disse ao Estado o filósofo americano Daniel Dennett, da Universidade Tufts, em Massachusetts. “Sem falar, é claro, que ela derruba qualquer argumento razoável que alguém já teve para a existência de Deus. Não surpreende que tanta gente esteja sedenta por evidências que questionem a teoria.”
Dennett é, ao lado do britânico Richard Dawkins, um dos defensores mais ferrenhos do darwinismo e do ateísmo. Em 1995 ele publicou o livro A Perigosa Ideia de Darwin: a Evolução e os Significados da Vida. Agora, em 2009, diz ele, a teoria darwiniana – de que todos os seres vivos, incluindo o homem, evoluíram de um ancestral comum por mecanismos puramente biológicos de mutação e seleção – continua tão “perigosa” quanto em 1859.
“Além das motivações religiosas, há pessoas que interpretam a ideia de que somos “máquinas” biológicas projetadas pela seleção natural para propagar genes como uma ameaça ao seu ego e à sua autonomia moral”, diz Dennett.
Segundo ele, porém, o fato de sermos produtos dos genes não significa que estejamos subordinados a eles. “Nossa autonomia é real, mas não é absoluta – nem tão misteriosa nem miraculosa. Ela evoluiu da mesma forma que nossos olhos e nossa memória. Nossa liberdade é um produto da evolução. Se as pessoas entendessem isso – algo que, admito, está longe de ser óbvio – elas não se sentiriam tão ameaçadas pela ideia de uma ciência materialista que explique a existência humana. Essa ciência não substituiria a ética, as artes ou as humanidades; ela seria sua fundação.”
Mesmo na Inglaterra, o país de Darwin, uma pesquisa divulgada na semana passada mostra que metade das pessoas não acredita na teoria da evolução – ou, pelo menos, tem sérias dúvidas sobre ela. Os resultados incluem um gradiente de opiniões, polarizadas por aqueles que descartam completamente a evolução até aqueles que descartam completamente a existência de Deus.
O professor de sociologia Antônio Pierucci, da Universidade de São Paulo, diz que a rejeição a Darwin é compreensível e que a aceitação da origem evolutiva do homem deverá aumentar com o tempo. “Imagine como foi difícil para as pessoas, nos séculos 16 e 17, aceitarem que a Terra girava em torno do Sol”, compara.
(O Estado de SP, 12/2)
Estudo do alemão Fritz Müller com crustáceos “salvou” a evolução, diz biólogo. Troca de cartas com inglês durou 17 anos; naturalista atestou seleção natural e ancestralidade comum em animais de ilha catarinense
Eduardo Geraque escreve para a “Folha de SP”:
Se Charles Darwin pudesse dar uma festa hoje, por ocasião de seus 200 anos, o nome do alemão Fritz Müller (1822-1897) certamente estaria entre os convidados. O naturalista, que vivia em Santa Catarina, foi o primeiro a testar em campo, e aprovar, as ideias lançadas por Darwin sobre a evolução dos seres vivos em 1859, história que começou a ficar mais clara na última década.
“Müller, pode-se dizer tranquilamente, foi o primeiro a criar uma filogenia [história evolutiva das espécies] séria, com base no estudo exaustivo de material vivo, ao contrário das especulações meramente teóricas e fantasiosas, como as feitas por [Ernest] Haeckel”, escreve o zoólogo Nelson Papavero em seu livro “A Recepção do Darwinismo no Brasil”.
À Folha, o pesquisador do Museu de Zoologia da USP foi categórico. “Müller salvou a teoria do Darwin, que tinha acabado de surgir e vinha sendo muito atacada.” Papavero lamenta o fato de Müller ser um tanto desconhecido, até entre cientistas brasileiros.
A amizade entre Darwin e Müller, que nunca se viram pessoalmente, surgiu a partir da leitura que o naturalista inglês fez da obra de Müller intitulada “Para Darwin”, em 1865. O livro fora escrito dois anos antes em Desterro, atual Florianópolis. O “Origem das Espécies” é de 1859. A troca de cartas entre ambos durou até 1882, quando Darwin morreu.
Garras da evolução
Para testar em campo a evolução, Müller escolheu o grupo dos crustáceos. Afinal, eles eram abundantes na região de Florianópolis, onde ele trabalhava como professor. Além disso, eram bem conhecidos e fáceis de criar em aquários.
O último parágrafo da obra, escrita originalmente em alemão, é simbólico: “Espero ter conseguido convencer os leitores de que realmente a teoria de Darwin tem, como para tantos outros fatos sem ela não explicados, também a chave da interpretação para o desenvolvimento dos crustáceos”.
O autor continua: “Que as falhas dessa tentativa não sejam jogadas sobre o plano pré-construído pela mão segura do mestre, que sejam jogadas unicamente sobre a incapacidade do operador, que não encontrou o local exato de cada ferramenta”. Para Papavero, foram muitas as contribuições de Müller à teoria darwinista.
Seu único livro publicado em vida (outros foram editados após sua morte), “desenvolvido em ambiente primitivo, sem biblioteca adequada, equipamentos e recursos, tornou-se um marco para a consolidação da teoria de Darwin”.
Para Müller, por exemplo, a seleção natural explica o fato de os machos do gênero Tanais (crustáceo que vive sob a areia) terem duas formas anatômicas. Um grupo de machos apresentava pinças grandes e um certo número de filamentos olfativos. No outro grupo, as patas eram pequenas, mas o número de filamentos para o olfato aparecia em quantidade enorme.
Segundo Müller, a variação dos machos privilegiou os grupos dos preensores e o conjunto dos animais com olfato mais desenvolvido. Mas ele foi além.
A luta pela sobrevivência entre os dois grupos estava sendo muito mais fácil para o grupo dos que tinham as pinças grandes. Na contabilidade de Müller, ao contar os crustáceos de Florianópolis, havia cerca de cem indivíduos do grupo dos preensores para apenas um representante do grupo de olfato aguçado e patas pequenas.
E Müller observou outra evidência da evolução. Descobriu que os chamados crustáceos superiores, como o camarão, também possuem uma fase embrionária chamada náupilus. Cientistas a conheciam apenas em crustáceos inferiores, e isso era problema para a teoria de Darwin. Se todo o grupo evoluiu desde um mesmo ancestral comum, todos os crustáceos deveriam passar ter as mesmas fases embrionárias -assim como Müller atestou.
Pai da evolução diz que Müller prestou “admirável serviço”
Logo após ler o livro de Fritz Müller sobre os experimentos feitos em Santa Catarina, Charles Darwin escreveu ao amigo. A carta é de 10 de agosto de 1865.
“Meu caro senhor, estive por um longo período tão doente, que somente agora acabo de ter ouvido as leituras de sua obra sobre espécies, que me foi feita em voz alta. Agora, o senhor me permita lhe agradecer cordialmente pelo grande interesse com o qual eu a li. O senhor fez um admirável serviço pela causa em que ambos acreditamos. Muitos de seus argumentos me parecem excelentes, e muitos de seus fatos, maravilhosos (…).”
As 39 cartas escritas por Darwin a Müller e as 34 que fizeram o sentido contrário estão publicada na obra “Dear Mr. Darwin”, escrita em português, na cidade de Blumenau, pelo neurocirurgião Cezar Zillig. O livro está esgotado. O próprio pesquisador, na obra, relata que nem todas as cartas trocadas entre ambos foram encontradas até hoje.
É interessante notar na correspondência, como apontou Zillig em entrevista à Folha, que os dois se tornaram grandes amigos e conversaram sobre tudo. Pouco, até, sobre a evolução dos crustáceos propriamente dita. O lado botânico de Darwin e de Müller emerge claramente dos textos.
“Há poucos dias recebi sua dissertação sobre plantas trepadeiras, e me apresso em lhe expressar minha gratidão por esta valiosa dádiva. Eu a li com o maior interesse e estou muito feliz que minha atenção foi dirigida para estas notáveis plantas, que são extraordinariamente frequentes em nossa flora (…)”, escreveu Müller ao amigo inglês no dia 12 de agosto de 1865.
É possível perceber nas cartas que ambos nem sempre tinham certezas definitivas sobre evolução. Porém, a dupla confiava em suas observações e na ciência que estavam fazendo. Nos textos, Müller demonstra ser um preocupado observador da natureza.
“A paisagem em nossa ilha é muito bonita. (…) Infelizmente, agora a vegetação perdeu muito de sua primitiva grandiosidade. (…) muitos de nossos morros são agora cobertos quase que exclusivamente por arbustos baixos de uma insignificante Dodonaea (vassoura-vermelha)”, disse Müller em carta de 1º de novembro de 1865.
Currículo
O alemão Müller nasceu em 1822 e chegou a Blumenau em 1852, já formado filósofo e médico. Em 1856, passou a ensinar matemática no Liceu Provincial da antiga Desterro. Ocupou também o cargo de naturalista do governo da província até 1891. Em 1884, passou a ser naturalista-viajante do Museu Nacional do Rio de Janeiro, posto que perdeu com a proclamação da República.
(Folha de SP, 12/2)
4 – Por que o cérebro natural não acredita em Darwin
Fernando Reinach é biólogo (fernando@reinach.com). Artigo publicado em “O Estado de SP”:
Cento e cinquenta anos após sua publicação, o Homo sapiens ainda tem dificuldade em acreditar nas descobertas de Darwin. As ideias de Darwin e Galileu sofrem da dificuldade do cérebro humano em aceitar conceitos abstratos que se chocam com observações diretas dos sentidos. Sabemos que a Terra gira ao redor do Sol e a cada dia observamos o Sol cruzar o céu.
Se tivéssemos incorporado a descoberta de Galileu, observaríamos que na madrugada o horizonte desce, expondo nossa casa à luz solar. Ao longo do dia, à medida que o horizonte continua a descer, nossa cabeça aponta em direção ao Sol. Quando a Terra completa meio giro e estamos de ponta-cabeça, o horizonte se eleva e cobre o Sol que permanece imóvel. Apesar de esta ser uma descrição mais precisa do que ocorre, nosso cérebro se recusa a “ver” o desenrolar do dia desta maneira.
O motivo desta dificuldade é bem compreendido pelos darwinistas. Os sistemas visuais surgiram faz centenas de milhões de anos. Eles foram selecionados porque melhoram a sobrevivência dos animais, permitindo a localização de alimentos e predadores.
Ao longo de milhões de anos esses sistemas se tornaram sofisticados e rápidos nas tarefas para as quais foram selecionados. Eles permitem que nosso cérebro, observando o movimento de uma presa (ou uma bola de futebol), seja capaz de ajustar nosso movimento de modo a interceptá-la no momento seguinte. Quando um jogador chuta a bola em direção à área, seu cérebro calculou que o atacante estará lá para recebê-la nos próximos segundos.
Ao fazer o passe, o jogador se beneficia de um sistema visual que não foi selecionado para jogar futebol. O sistema visual considera o corpo que habita como ponto de referência. Para essa parte de nosso cérebro, somos o centro do universo. Apesar de eficiente e rápido, nosso sistema visual é péssimo quando se trata de imaginar movimentos de um ponto de vista que não seja o nosso (por isso juízes de futebol têm dificuldade de identificar um impedimento e nos atrapalhamos ao explicar como a órbita da Lua e da Terra determinam as fases da Lua). Essa “deficiência” de nosso cérebro explica parcialmente porque grande parte da humanidade crê que o sol gira em torno da Terra.
Com o desenvolvimento do pensamento abstrato, nosso cérebro passou a dispor de dois mecanismos para compreender o mundo. Um, primitivo, baseado nas informações dos sentidos; outro, capaz de entender o mundo de forma analítica. Foi utilizando sua capacidade analítica e de abstração que Galileu descobriu que a imagem produzida por nosso sistema visual é parcial e distorcida.
A Terra não é plana, o Sol não gira em torno de nós e não somos o centro do Universo. Apesar de nossa mente racional “entender” as descobertas de Galileu, nosso cérebro insiste em nos informar que o Sol “sobe” detrás da montanha e “caminha” em direção ao céu. Algumas pessoas, tentadas por nosso cérebro animal, ainda suspeitam ser o centro do Universo.
Com a teoria da evolução de Darwin ocorre fenômeno semelhante. Desde que os cérebros e os sistemas visuais surgiram, eles têm observado outros seres vivos. E o que os olhos observam é que os seres vivos se comportam como se fossem guiados por uma vontade interna ou um plano de ação com objetivos definidos.
As plantas crescem em direção ao Sol, as raízes buscam água. Aves constroem ninhos e alimentam filhotes com sementes que amadurecem quando eclodem os ovos. Nosso sistema visual nos informa que todo ser vivo segue um plano e cada parte desse plano parece ser um dos elementos de um projeto maior. É fácil imaginar como nosso cérebro criou o conceito de um ser superior.
Mas nossa mente também é capaz de pensar de maneira abstrata e Darwin observou os seres vivos de outra perspectiva. A ênfase é a transmissão das características de uma geração para a próxima, a competição por alimentos e a diversidade de seres vivos associada a cada ambiente. Observado o mundo sob esta nova perspectiva, Darwin evolui na ausência de um plano mestre.
A transmissão das características herdadas, o acaso produzindo a diversidade e um processo de seleção que só permite a sobrevivência dos mais adaptados para cada ambiente é suficiente para explicar a evolução dos seres vivos. Por trás da ordem aparente está um processo randômico guiado pela seleção natural. Uma visão que contrasta com o que informa nossos sentidos.
Do mesmo modo como nosso cérebro animal se recusa a acreditar que o horizonte se abaixa todas as manhãs temos uma enorme dificuldade em aceitar a inexistência de um plano ou projeto que organize a vida no planeta. Vale o velho ditado, “o que os olhos não veem, o coração não sente” e a mente não aceita.
Este comportamento primitivo do nosso cérebro é semelhante a outras reações que herdamos de nossos ancestrais, como o medo hereditário do escuro e das cobras. Hoje sabemos que o cérebro que habita nosso crânio foi selecionado durante milhões de anos para garantir nossa sobrevivência nas florestas e, apesar de recentemente ter se tornado capaz de dominar a escrita, a fala, e o pensamento abstrato, nele ainda sobrevivem características que eram essenciais para nossos ancestrais.
A beleza da descoberta de Charles Darwin é que além de explicar a evolução da vida no planeta, ela permite que investiguemos nossa natureza animal. Isso significa aceitar que somos o produto de um processo evolutivo complexo e que ainda carregamos conosco grande parte do nosso passado.
Aos poucos, ao longo das últimas décadas, estamos identificando essas características primitivas. Talvez, gradualmente, sejamos capazes de aprender a conviver e desfrutar dessas habilidades do mesmo modo como um jogador de futebol se aproveita do sistema visual desenvolvido quando habitávamos as planícies africanas. Este autoconhecimento biológico talvez seja nossa única chance de controlar nosso instinto predador e postergar a extinção do Homo sapiens.
(O Estado de SP, 12/2)
5 – Ranking de universidades: impactos, pressões e melhorias
“Os impactos dos rankings não se restringem somente aos negócios das IES. Toda a sociedade pode sofrer as suas consequências. Isto porque, caso não sejam bem feitos, o resultado pode ser uma alocação ineficiente de recursos na economia”
Eduardo de Carvalho Andrade, PhD em Economia pela Universidade de Chicago e professor do Ibmec São Paulo. Artigo publicado no “Valor Econômico”:
A divulgação de rankings da qualidade acadêmica de instituições de ensino superior (IES) sempre causa uma celeuma. Na década de 90, o presidente da Universidade de Stanford, uma das mais prestigiosas dos Estados Unidos, escreveu uma carta de protesto contra a revista “US News and World Report” (USNWR), que publica o mais tradicional ranking americano. Ele criticava a metodologia utilizada.
No Brasil, um grupo de IES privadas está articulando a proibição da divulgação de dados das suas avaliações feita pelo Ministério da Educação (MEC). Essas pressões não deveriam surpreender e o MEC não deveria ceder a elas. Ao mesmo tempo, conviria que ele atentasse para algumas questões.
É inegável que os membros da sociedade tomam as suas decisões baseados nos rankings. Empresas disputam os profissionais formados nas escolas líderes. Estudantes querem obter o diploma das mais prestigiosas escolas. E as consequências da posição no ranking são sentidas pelas IES.
Nos Estados Unidos, a evidência indica que uma pior posição no ranking da USNWR é prejudicial para a universidade: uma menor parcela dos alunos aceitos pela universidade decide se matricular; a qualidade das novas turmas, mensurada pela média no teste exigido para admissão, cai; o preço líquido pago pelo aluno é menor porque a universidade tem de ser mais generosa na concessão de ajuda financeira para atrair alunos dentro do menor grupo de candidatos que deseja lá estudar.
No Brasil, num estudo preliminar, os professores Carlos Eduardo Lobo, da PUC do Rio Grande do Sul, Rodrigo Moita, do Ibmec São Paulo, e eu, examinamos os fatores que afetam o market share das IES de administração no Estado de São Paulo. O resultado encontrado sugere que a posição da IES no mais tradicional ranking do país, o Guia do Estudante, afeta significativamente a sua fatia do mercado.
Em particular, este impacto é aproximadamente duas vezes maior, caso a IES receba o conceito cinco estrelas (pontuação máxima no ranking) vis-à-vis outra com quatro estrelas. Diante destes resultados, não é surpreendente que as IES, preocupadas com a viabilidade dos seus negócios, busquem defender os seus interesses. Quando o fazem, questionam com veemência, com bons ou maus argumentos, o aparecimento de rankings que coloquem suas instituições em posição desvantajosa.
No entanto, os impactos dos rankings não se restringem somente aos negócios das IES. Toda a sociedade pode sofrer as suas consequências. Isto porque, caso eles não sejam bem feitos, o resultado pode ser uma alocação ineficiente de recursos na economia.
Uma IES bem posicionada, num ranking que não reflete a realidade, por exemplo, atrairia mais alunos do que deveria, em detrimento de outra de melhor qualidade, mas com pior posição. Assim, a formação média dos novos profissionais seria inferior àquela possível, com impactos negativos sobre a produtividade e o crescimento econômico.
Em vista do exposto, fica evidente a relevância da qualidade de um ranking oficial. O MEC vem realizando um excelente trabalho na coleta de informações sobre as IES e na divulgação, da forma mais transparente possível, do processo de avaliação das mesmas. No entanto, algumas questões deveriam ser foco da sua atenção.
A primeira está relacionada com a aparente preocupação do MEC, por meio do seu ranking, de compilar todas as informações numa só, de forma a chegar às IES campeãs, com as melhores avaliações.
O ranking atual compila três informações: a média das notas dos alunos ingressantes e concluintes no Exame Nacional do Desempenho do Estudante (Enade), a estimativa de quanto a IES agregou ao aprendizado do aluno (o valor adicionado) e a qualidade dos insumos considerados relevantes para o bom funcionamento de uma IES (infraestrutura, recursos pedagógicos, etc).
Na verdade, públicos diferentes desejam informações distintas. Por exemplo, os empregadores estão interessados em saber de quais IES saem os melhores profissionais. Não importa para eles se o aprendizado ocorreu nos bancos escolares, universitários ou nos sofás das casas. Para eles, o relevante é a nota no Enade dos concluintes do curso. Portanto, não faz sentido misturar esta informação com as notas dos ingressantes e nem com as demais.
Já os estudantes podem decidir focar suas decisões no quanto a IES agrega para a sua formação. Desta forma, um ranking baseado somente no valor adicionado é o essencial. Neste caso, no entanto, como este valor adicionado é estimado, é importante deixar claro que as diferenças nos conceitos dados para as IES podem não ser de fato estatisticamente significativos e elas, apesar de receberem notas diferentes, podem na verdade ter a mesma qualidade de ensino.
Por fim, o uso da qualidade dos insumos no ranking é questionável. O importante é o resultado alcançado pelas IES em termos de aperfeiçoamento profissional dos seus alunos, independentemente dos insumos utilizados.
Ao agregar informações, o MEC acaba por misturar “alhos com bugalhos”, estipula pesos ad-hoc para cada uma das informações e fica mais vulnerável às criticas. O fundamental é fornecer um leque amplo de diferentes tipos de informações para a sociedade e deixar que ela o utilize da melhor maneira.
A segunda questão a ser levada em consideração pelo MEC é não incorrer na tentação de alterar constantemente a metodologia do ranking. Um ranking oficial funciona como um marco regulatório do governo. Como em outros setores da economia, as IES necessitam de estabilidade das regras do jogo. Isto não impede que, de tempos em tempos, aperfeiçoamentos da metodologia possam ser feitos.
Por fim, o ranking do MEC é baseado na premissa de que notas maiores dos alunos no Enade geram, de alguma maneira, beneficio para a sociedade. No entanto, não existe evidência de que estas se traduzam ou em profissionais mais produtivos, ou com maiores salários, ou qualquer outro indicador definido por sucesso pela sociedade. A busca dessa comprovação é fundamental. Sem ela, corre-se o risco de se focar num alvo diferente da qualidade da educação.
O MEC deu um passo importante com o ranking. Convém continuar nesta trilha e aperfeiçoá-la. A sociedade só tem a ganhar com a melhoria da qualidade das informações sobre as IES.
(Valor Econômico, 12/2)
6 – Brasil tem avançado muito na pesquisa de células-tronco, diz Mayana Zatz
Para a pesquisadora da USP, novos recursos que vêm sendo aprovados pelo Ministério de C&T são a chance de dar um salto qualitativo na área
O Brasil tem tido vários avanços no campo das pesquisas sobre células-tronco e conseguido publicar suas descobertas em revistas de impacto, afirmou Mayana Zatz, responsável pelo Centro de Estudos sobre o Genoma Humano da Universidade de São Paulo (USP), que participou nesta quinta-feira (11) do Encontro Nacional sobre Células-Tronco, na capital paulista.
Segundo ela, novos recursos que vêm sendo aprovados pelo Ministério de Ciência e Tecnologia são a chance de o país dar um salto qualitativo muito importante na área.
“Entre nossos projetos para 2009 temos um novo centro de células-tronco ligado às doenças genéticas. Nós temos o maior centro de doenças genéticas da América Latina e, a partir desse centro, vamos poder estudar como os genes causam essas doenças, testar novas drogas, comparar pacientes com a mesma mutação e que, muitas vezes um deles não tem nada e um deles tem uma forma grave da doença. Nós vamos poder responder inúmeras perguntas visando futuras terapias”, garantiu Mayana Katz.
Segundo um dos organizadores do encontro, José Xavier Neto, pesquisador do Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular do Instituto do Coração da USP, o potencial das células-tronco é incrível e, no futuro, sem dúvida haverá diversas terapias utilizando esse recurso.
“O que está claro para nós agora é que os benefícios das terapias de células-tronco são limitados hoje e transitórios para a maioria delas. O tratamento é bom apenas no transplante de medula, pele e córnea. Nesse caso, está se usando as células desses tecidos para reproduzir células iguais”.
O que os pesquisadores perseguem agora é o resultado favorável para a transformação de células-tronco em tecidos diferentes. Nesse caso, esse tipo de tratamento está associado a benefícios pequenos e transitórios, sem muitas evidências de que as células estejam adquirindo a identidade que os pesquisadores desejam.
“Isso nos leva a concluir que, hoje, terapia com célula-tronco é experimental. Não necessariamente os tipos de células-tronco que estão sendo utilizadas hoje serão os que vão dar sucesso alguns anos na frente”.
Por conta da necessidade de estudos mais profundos e dos diferentes estágios, que diversas comunidades cientificas estão fazendo nesse sentido, o encontro tem o objetivo de reunir os pesquisadores para um intercâmbio de experiências.
“Por isso elaboramos o projeto de um curso para jovens cientistas, que estão começando suas carreiras agora. Colocamos juntos aqueles, que desenvolvem pesquisas básicas, com aqueles que tentam desenvolver terapias, para que os dois se complementem, troquem informações e façam convênios bilaterais”. No curso, os jovens cientistas da América Latina e do Reino Unido ficarão 16 dias no programa.
Para Xavier Neto, o Brasil está em um caminho bastante interessante nos estudos sobre as células-tronco, mas ainda não lidera esses estudos. “Na minha avaliação, isso acontece porque não temos ainda uma tradição forte em biologia de desenvolvimento, que é uma ciência relativamente nova. Estamos tentando com todos esses programas estimular o aparecimento de grupos”.
Por outro lado, ele destaca grupos muito bons, que trabalham em outras áreas, e que dão vantagem competitiva por sua criatividade e interesse em terapias.
Xavier Neto destacou que muitas pessoas esperam o tratamento com células-tronco e esses tratamentos ainda demorarão muito. “Às vezes achamos que uma coisa vai demorar muito e surge alguém com uma abordagem brilhante e demora menos. O que podemos dizer com segurança é que tem muito chão pela frente, muita pesquisa. O certo é que o potencial existe, mas quando chegaremos lá, é difícil dizer”.
(Agência Brasil)
7 – Biblioteca Virtual da América Latina
Fundação Memorial lançará na sexta-feira, dia 13, a BV@L, que disponibilizará informações do acervo da Biblioteca Latino-Americana Victor Civita
Fábio de Castro escreve para a “Agência Fapesp”:
A Fundação Memorial da América Latina lançará na próxima sexta-feira (13/2) a Biblioteca Virtual da América Latina (BV@L). O projeto, que conta com apoio da Fapesp, traz já no início informações da coleção de vídeos e do acervo bibliográfico da Biblioteca Latino-Americana Victor Civita, cujo acervo especializado em artes e humanidades tem mais de 25 mil registros.
Assim como a Biblioteca Virtual do Centro de Documentação e Informação da Fapesp (BV-CDi), , a BV@L utiliza a tecnologia BVS (Biblioteca Virtual em Saúde), desenvolvida pelo Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Bireme).
De acordo com a coordenadora operacional do CDi da Fapesp, Rosaly Favero Krzyzanowski – que integrou a comissão consultiva responsável pela implantação do projeto -, a BV@L era há anos uma aspiração da Fundação Memorial, mas a instituição ainda não tinha à disposição a tecnologia de informação necessária para a implementação.
“Em 2007 foi estabelecida uma parceria com a Fapesp, com a finalidade de transferir à equipe do Memorial a experiência acumulada pela equipe da BV-CDi”, disse Rosaly.
Segundo ela, o sistema BVS é voltado para a área médica, mas foi adaptado para o uso em ciência e tecnologia na ocasião da implantação da BV-CDi, permitindo a montagem de indexadores e planilhas capazes de incluir os dados necessários para a Fapesp.
“Essa experiência de customização permitiu que apoiássemos o Memorial na construção de sua biblioteca virtual. A função da BV@L será a promoção da integração dos países latino-americanos por meio da reflexão sobre a informação cultural disponível nos países do continente”, afirmou.
Com a conclusão da fase de desenvolvimento, o Memorial assumiu a gestão da biblioteca virtual. “A instituição tem uma equipe técnica que está fazendo a indexação dos conteúdos”, disse Rosaly. A coordenação técnica do projeto é de Marcia Rosetto, especialista em sistemas automatizados e responsável pelo Sistema Integrado de Bibliotecas da Universidade de São Paulo (USP).
A BV@L está sendo lançada com algumas bases bibliográficas, sendo que todo o acervo da Biblioteca Victor Civita já está indexado. Uma série de diretórios indica o que está ocorrendo atualmente no continente na área cultural.
“O portal seguiu o conceito da BV-CDi: não é preciso que absolutamente todos os conteúdos informados estejam disponíveis e digitalizados. O ponto central é informar onde está o material e descrever seu conteúdo. Nossa intenção não é montar um acervo próprio, mas facilitar o acesso aos acervos institucionais”, explicou Rosaly.
Diretórios
Os mais de 25 mil registros do acervo bibliográfico da Biblioteca do Memorial consistem em livros, periódicos, folhetos de arte, catálogos e recortes de jornais. Há também mais 10 mil itens pertencentes à coleção André Franco Montoro, do Instituto Latino-Americano (Ilam), doada ao Memorial. Todo esse conteúdo pode ser consultado no local.
Além do acervo bibliográfico, a Biblioteca Victor Civita reúne mais de 2 mil registros de vídeos de ficção e documentários da produção cinematográfica mundial e, principalmente, latino-americana.
A Biblioteca Victor Civita possui ainda a Coleção Produção Científica – composta por cerca de 200 registros das publicações editadas pelo Memorial -, a Coleção Biblioteca Ayacucho – uma das principais coleções sobre a cultura latino-americana, editada na Venezuela desde 1974 – e a Coleção Brasiliana, série da Biblioteca Pedagógica publicada pela Editora Nacional e iniciada em 1931, que contempla ensaios sobre a formação histórica e social do Brasil.
De acordo com Rosaly, além do acesso a todo o acervo da Biblioteca Victor Civita, o portal BV@L também oferece os diretórios de países, de sites e de eventos, bem como as seções “Memorial na mídia”, “Acervos especializados”, “Bases de dados”, “Feiras de livros”, “Jornais eletrônicos” e “Revistas eletrônicas”.
O diretório de países contempla uma breve descrição sobre cada país integrante da biblioteca virtual, com suas listas de sites selecionados sobre Artes, Arquivos, Bibliotecas, Fundações, Governo, Instituições, Literatura, Museus, Publicações, Turismo e Universidades. Esses temas também correspondem à indexação do diretório de sites.
Já o diretório de eventos apresenta informações sobre os eventos do Memorial da América Latina desde a sua fundação, há 20 anos, em 1989, propiciando uma visualização geral das atividades realizadas sobre exposições, concertos, shows, mostras de filmes, lançamentos de publicações, cursos, oficinas, congressos, seminários, palestras, entre outros tipos de eventos e atividades.
Mais informações: http://www.bvmemorial.fapesp.br
(Agência Fapesp, 11/2)
Publicada pelo Labjor/Unicamp e pela SBPC, a revista traz como tema para este mês o “Cerrado”
Conheça os textos deste novo número:
Editorial
– O Cerrado e os frutos da infância, por Carlos Vogt
Artigos
– Cerrado no contexto das transformações socioambientais, de Laurindo Elias Pedrosa
– Novas tecnologias podem auxiliar na conservação e uso sustentável do Cerrado, de Anderson Cleiton José
– Evolução histórica do conceito de savana e a sua relação com o Cerrado brasileiro, de Fabiana de Gois Aquino, José Roberto Rodrigues Pinto e José Felipe Ribeiro
– Os cerrados e o fogo, de Vânia R. Pivello
– Tópicos para construção da ocupação pré-histórica do Cerrado, de Altair Sales Barbosa
Reportagens
– No coração do gigante
– Megadiversidade corroída em ritmo acelerado
– A busca por números da devastação
– Do ouro à soja: riquezas do Brasil Central
– Cultura, resistência, memória e identidade
Entrevista
– Leopoldo Magno Coutinho, por Flavia Natércia
Viste os sites:
ComCiência – http://www.comciencia.br
Labjor – http://www.labjor.unicamp.br
9 – Equipe divulga rascunho do genoma do neandertal
Separação entre hominídeo extinto e homem moderno ocorreu há 500 mil anos. Soletração de 63% do DNA de espécie-irmã da humana afasta possibilidade de cruzamentos e sugere que neandertal não digeria leite
Eduardo Geraque escreve para a “Folha de SP”:
É apenas um rascunho, mas o anúncio de 63% do genoma do neandertal, hominídeo que sumiu da face da Terra há 30 mil anos, já é suficiente para saber algo sobre essa espécie e, por tabela, ter algumas pistas sobre o motivo de os humanos serem realmente humanos.
A primeira questão respondida, segundo Jean-Jacques Hublin, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, da Alemanha, é a da separação entre os neandertais -que viveram na Europa e em parte da Ásia- e os seres humanos considerados modernos.
“Essa divergência ocorreu há 500 mil anos aproximadamente”, disse o pesquisador ontem, desde Leipizig, em uma videoconferência para jornalistas que marcou a abertura do encontro anual da AAAS (Associação Americana para o Avanço da Ciência), na cidade de Chicago, com seu famoso vento gelado soprando forte.
Outra sutil diferença, segundo Steve Pääbo, um dos líderes da pesquisa, que também trabalha no Max Planck, é em relação à mutação de um gene do cromossomo número 2, que regula a resposta à lactose, um açúcar presente no leite.
“Os neandertais [adultos] não eram capazes de processar a lactose. Isso também ocorre com parte dos humanos”, disse o cientista, que estará pessoalmente em Chicago no domingo para apresentar seus dados, que ainda não foram publicados em revistas científicas.
A falta de publicação oficial levou Pääbo a esconder algumas informações do seu estudo ontem. “Posso dizer apenas que provavelmente não houve cruzamento entre os neandertais e os seres humanos”, afirmou. Além do gene da lactose, os cientistas estudam com mais detalhe o gene FOXP2, ligado à linguagem, e um outro que pode explicar a microcefalia.
“De forma geral, podemos dizer que houve uma pequena contribuição dos neandertais para a variação encontrada na espécie humana”, limitou-se a dizer o cientista. Para chegar ao rascunho do genoma do neandertal, o consórcio europeu, liderado pela Alemanha, determinou a sequência de mais de 3 bilhões de pares de bases.
Contaminação
Um dos grandes desafios da produção do primeiro genoma de um hominídeo extinto foi eliminar a contaminação do material analisado. A maioria dos pares de bases saíram de um fóssil encontrado na caverna de Vindija, na Croácia. Para se certificar de que o material era mesmo de um neandertal, e não de um micróbio qualquer que estivesse presente sobre o osso, por exemplo, o grupo usou várias outras amostras de localidades da Europa.
Foram usados fósseis encontrados em Sidrón (Espanha), na caverna Mezmaiskaya, que fica na cordilheira do Cáucaso, e no Vale de Neander, em 1856. Esta amostra alemã, de 40 mil anos, foi a que definiu o nome da espécie. O osso estudado mais antigo, de mais de 60 mil anos, saiu do Cáucaso.
O cuidado com a tecnologia empregada no método teve de ser redobrado depois da contaminação detectada numa análise feita pelo grupo em 2006. Segundo Pääbo, foram desenhadas etiquetas de DNA com identificadores únicos. E cada uma dessas marcas foi ligada ao DNA ancestral dentro da chamada “sala limpa”, um laboratório especial.
A potência dos sequenciadores usados também reduziu a quantidade de osso que teve de ser analisada. Menos de meio grama de osso foi necessário para produzir as bilhões de sequências geradas na pesquisa.
Segundo Pääbo, os próximos dois ou três anos serão fundamentais para que a relação entre neandertais e seres humanos fique ainda mais clara.
Competição: Americano estuda trechos específicos do genoma
O pesquisador Edward Rubin, do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley (no Estado americano da Califórnia), conduz um projeto para sequenciar trechos específicos do genoma do neandertal. Seu trabalho tem mostrado que o genoma desse hominídeo é 99,5% semelhante ao dos humanos modernos.
“Iremos analisar atentamente os dados que eles geraram, e isso nos irá dizer que áreas realmente queremos olhar”, afirmou Rubin sobre o trabalho de Pääbo.
(Folha de SP, 13/2)
10 – Genoma do resfriado é seqüenciado
Pesquisadores nos Estados Unidos completam mapeamento genético de todas as 99 linhagens conhecidas dos vírus causadores do resfriado. Artigo é destaque na Science
De todos os problema de saúde comuns, talvez nenhum seja tão familiar quanto o resfriado. A inflamação das vias aéreas superiores tem origem viral, mas como existem muitos tipos de rinovírus, é comum que a cada vez seja um novo que causa a infecção.
Não há vacina contra o resfriado e o tratamento se resume a lidar com os sintomas – como coriza e tosse, dores musculares, na cabeça e garganta e indisposição – que não são causados pelos vírus, mas pela reação do organismo à invasão. A infecção por rinovírus é responsável pela metade dos ataques de asma e é um fator importante em casos de bronquite, sinusite, infecções de ouvido e pneumonia.
Um grande passo para aumentar o conhecimento sobre o importante problema acaba de ser dado por pesquisadores nos Estados Unidos. Em artigo publicado nesta sexta-feira (13/2) no site da revista Science, o grupo descreve ter completado as sequências genômicas de todas as 99 linhagens conhecidas dos vírus causadores do resfriado comum.
As sequências foram organizadas em uma espécie de árvore genealógica, que mostra como os vírus estão relacionados uns com os outros, com suas semelhanças e diferenças. Os autores apontam que o trabalho fornece uma ferramenta poderosa que poderá levar ao desenvolvimento dos primeiros tratamentos efetivos para o resfriado.
“Até hoje não temos tido sucesso no desenvolvimento de drogas eficientes para curar o resfriado comum, que talvez se deva à falta de informações a respeito da composição genética de todas as linhagens”, disse Stephen Liggett, professor da Escola de Medicina e diretor do Programa de Genômica Cardiopulmonar da Universidade de Maryland, principal autor do estudo.
“Geralmente pensamos em resfriados como um mero inconveniente, mas eles podem ser debilitantes em crianças pequenas ou em idosos. Também podem levar a ataques de asma em qualquer idade. Além disso, estudos recentes indicam que infecções por rinovírus em crianças pequenas podem programar seus sistemas imunológicos a desenvolver asma na adolescência”, disse Liggett.
Os cientistas verificaram que os rinovírus humanos estão organizados em 15 pequenos grupos herdados de ancestrais distantes. A descoberta desses múltiplos grupos explica por que a abordagem de “um remédio para todos os resfriados” não funciona.
Também observaram que os vírus pulam uma etapa na hora de produzir proteínas, um atalho que provavelmente aumenta a velocidade do microrganismo em fazer com que a pessoa sinta os sintomas logo após a infecção.
“Essa é uma nova percepção, que não seria possível sem ter sido revelada por meio da análise genômica. Informações resultantes dessa descoberta poderão representar uma abordagem completamente diferente em termos de terapia”, disse Claire Fraser-Liggett, diretora do Instituto de Ciências Genômicas da Universidade de Maryland, outra autora do estudo.
O estudo apontou que alguns dos rinovírus humanos resultam da troca de material genético entre duas linhagens distintas do vírus que infectam o mesmo indivíduo. Não se achava que tal recombinação fosse possível em rinovírus humanos. Durante os meses mais frios, quando muitas linhagens de vírus causam infecções, a recombinação pode produzir rapidamente novas linhagens.
Múltiplas mutações (cerca de 800) se mostraram evidentes em amostras de vírus obtidas pelos pesquisadores de pacientes com resfriado, em comparação com linhagens de referência de rinovírus mais velhos. Alguns vírus se modificam por meio de pequenas alterações em certas proteínas de modo a evitar que sejam destruídos por anticorpos do sistema imunológico humano. “Mutações foram encontradas em cada área do genoma”, disse Claire.
“Os dados acumulados dessas sequências genômicas completas dão uma oportunidade de reconsiderar vacinas [contra resfriado] como uma possibilidade, especialmente à medida que reunimos amostras de muitos pacientes e sequenciamos os genomas inteiros, de modo a verificar com que frequência eles experimentam mutações durante os meses mais frios”, disse Stephen Liggett. Essa continuação do estudo agora publicado já está em andamento.
O artigo Sequencing and analyses of all known human rhinovirus genomes reveals structure and evolution, de Stephen Liggett e outros, pode ser lido por assinantes da Science em http://www.sciencemag.org.
(Agência Fapesp, 13/2)
“Na atual carência de “modelos” ou “heróis” nacionais que não joguem futebol ou apareçam nem programas de TV, não podemos nos dar ao luxo de deixar histórias como a desses dois brasileiros passarem desapercebidas”
Alysson Muotri é doutor em Genética pela USP e pesquisador do Instituto Salk para Estudos Biológicos, em San Diego, EUA. Artigo publicado no portal “G1”:
O feito que relato a seguir foi publicado na prestigiosa revista “Science”, teve participação essencial de dois brasileiros e causou alvoroço na mídia internacional (Teixeira e colaboradores, 2009). Infelizmente nada (ou muito pouco) foi comentado a respeito no Brasil.
O que a dupla Felipe Teixeira e Fabiana Heredia descobriu é algo inovador. Às vezes, quando as células duplicam, parte das chamadas marcações epigenéticas não são reproduzidas com fidelidade. Essas marcações na molécula de DNA possuem diversas funções, entre elas a regulação do silenciamento (“desligamento”) de certos genes ou de elementos transponíveis (que saltam de um ponto para outro) no genoma.
Esses elementos móveis funcionam como parasitas genômicos, procurando garantir sua existência nas próximas gerações através do aumento do número de cópias. Às vezes, as novas cópias acabam se inserindo em regiões importantes do genoma hospedeiro, atrapalhando sua adaptação.
A perpetuação correta dessas marcações epigenéticas evita o surgimento de erros ou alterações na leitura do DNA que podem levar a um processo cancerígeno, por exemplo. Por causa disso, suspeitava-se de um mecanismo molecular responsável pela supervisão e reparo de eventuais alterações epigenéticas no genoma.
Pois bem, o que a equipe de Felipe acabou descobrindo, estudando a reativação de elementos transponíveis no genoma de uma planta modelo, foi que o mecanismo envolvido no processo de restauração de marcas epigenéticas perdidas era o mesmo que produz pequenos RNAs de interferência, ou RNAi. A maquinaria de RNAi era conhecida por gerar pequenos RNAs capazes de alterar a atividade de certos genes e prevenir infecções virais. A descoberta de que plantas usam o mesmo mecanismo para corrigir alterações epigenéticas sugere uma economia evolutiva. Diversas vezes observamos a mesma via molecular sendo utilizada em dois processos distintos.
Nada parecido foi visto em mamíferos até agora, talvez devido a outros mecanismos responsáveis pela manutenção epigenética que ainda não conhecemos ou mesmo devido ao elevado número de sequências repetitivas de elementos transponíveis. Com tanto parasita semelhante, fica difícil para o sistema buscar especificidade. Assim, a questão em mamíferos permanece em aberto.
A descoberta de que o RNAi funciona como um reparador desses erros epigéneticos sugere que, na maioria das vezes, o defeito pode ser deletério ao indivíduo, atrapalhando sua sobrevivência. No entanto, as escapadelas do parasita genético aumentam as chances de variabilidade genética onde a seleção poderia atuar. É o velho esquema da Rainha Vermelha que não pára de correr, uma hipótese sobre a constante luta pela sobrevivência – um clássico da biologia darwiniana – nesse caso aplicada ao parasita genético e à célula hospedeira.
O trabalho foi feito em Paris, no grupo do pesquisador Vincent Colot. Vale lembrar que o Felipe é bolsista de doutoramento da Capes e, apesar de ter toda a chance de poder continuar com o excelente nível de produtividade obtido no exterior, é obrigado a voltar ao país. Essa volta pode custar caro tanto para a carreira do Felipe quanto ao Brasil, que perde a chance de ter um brasileiro líder numa área de ponta e pouco explorada.
Também aproveito pra ressaltar que a Fabiana contribuiu para o trabalho durante dois períodos de gravidez, o que demonstra que não é impossível para as mulheres terem uma carreira de sucesso na ciência e filhos ao mesmo tempo.
Na atual carência de “modelos” ou “heróis” nacionais que não joguem futebol ou apareçam nem programas de TV, não podemos nos dar ao luxo de deixar histórias como a desses dois brasileiros passarem desapercebidas. Mandaram muito bem!
(G1, 13/2)
Cientistas brasileiros descobrem uso de composto capaz de absorver luz ultravioleta sem provocar efeitos colaterais lesivos nas células. Princípio ativo, cuja patente já foi depositada, poderá ser aplicado no desenvolvimento de protetores solares mais eficazes
Fábio de Castro escreve para a “Agência Fapesp”:
Ao estudar as propriedades fotoquímicas e antioxidantes das fenotiazinas, um grupo de pesquisadores da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC) descobriu que esses compostos orgânicos são capazes de absorver a luz ultravioleta, mantendo-se estáveis e sem atacar as células.
Os cientistas já depositaram a patente do princípio ativo, que poderá ser usado no desenvolvimento de protetores solares mais seguros.
A pesquisa foi coordenada por Iseli Lourenço Nantes e Tiago Rodrigues, ambos professores do Centro Interdisciplinar de Investigação Bioquímica da UMC. De acordo com Iseli, o princípio ativo patenteado tem vantagens em relação aos mais utilizados nos protetores solares atuais, como o dióxido de titânio e a banzofenona.
“Pouca gente sabe, mas esses compostos, embora absorvam bem a luz ultravioleta, bloqueando seus efeitos nocivos, energizam o oxigênio do meio, provocando uma ação lesiva colateral. A molécula que utilizamos nas pesquisas não apresenta esse efeito”, disse Iseli.
Segundo ela, quando absorvem os raios ultravioleta, os compostos convencionais ficam em estado energizado por alguns bilionésimos de segundo e, em seguida, transmitem essa energia para o tecido, causando uma ação oxidante. “O nosso composto absorve a luz, mas tem baixa capacidade de transferir a energia ao oxigênio”, explicou.
A descoberta teve origem com o pós-doutorado de Rodrigues, em 2003, realizado com apoio da Fapesp. A partir de então, o grupo começou a investigar as propriedades fotoquímicas das fenotiazinas, dando início, em 2005, a um projeto de pesquisa sobre o tema, apoiado pela Fapesp na modalidade Auxílio a Pesquisa – Regular.
“Não conhecíamos essa propriedade fotoprotetora da molécula. O objetivo era investigar os efeitos das fenotiazinas fotoexcitadas sobre uma proteína. Esperávamos que a fotoexcitação causasse dano na proteína”, disse Iseli.
Os cientistas submeteram a proteína à fenotiazina e à irradiação luminosa. Como controle, a proteína foi irradiada também sem a droga. “Constatamos que, conforme o esperado, havia dano à proteína na ausência da droga. Mas imaginávamos que, com a droga, o dano seria exacerbado e ficamos surpresos quando vimos que, ao contrário, ele era amenizado”, explicou.
Patentes
Durante o processo de registro nacional da patente do princípio ativo, os pesquisadores continuaram trabalhando no projeto e, segundo eles, conseguiram um composto derivado ainda mais eficiente do que o da proposta inicial.
“Conseguimos fazer a tempo a modificação no texto do projeto de patente e recebemos o registro no fim de 2008. Até maio, teremos iniciado o processo de pedido de patente internacional”, contou a pesquisadora. O processo de registro de patentes tem apoio do Programa de Apoio à Propriedade Intelectual (PAPI) da Fapesp.
O próximo passo é aprofundar os estudos sobre os efeitos do composto nas células, a fim de comprovar a ausência de efeitos lesivos colaterais. “Estamos trabalhando com esses efeitos atualmente e, para nossa surpresa, os estudos estão mostrando que a substância apresenta, em paralelo, uma ação protetora antioxidante”, disse Iseli.
Quando todos os estudos in vitro forem concluídos, os cientistas darão início aos testes biológicos, em frações celulares. Em uma etapa posterior, serão conduzidos testes em animais de pequeno porte e, posteriormente, em seres humanos.
“Esse processo deverá levar entre cinco e dez anos. Quando todos os testes clínicos forem feitos, vamos buscar uma empresa farmacêutica interessada em comercializar o produto”, apontou.
A pesquisadora destaca que o estudo teve uma importante participação de pós-graduandos e estudantes bolsistas do Programa de Iniciação Científica da UMC, em especial da mestranda em biotecnologia Carolina Gregorutti dos Santos, que divide a titularidade da patente com Iseli e Rodrigues.
(Agência Fapesp, 13/2)