Um dos insumos indispensáveis para a síntese do remdesivir – medicamento aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para tratar complicações provenientes da Covid-19 – foi produzido por pesquisadores do Grupo de Pesquisas em Metodologias Sintéticas (GPMS) do Departamento de Química do Instituto de Ciências Exatas (ICE) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) de forma mais econômica. O estudo foi publicado no Journal of the Brazilian Chemical Society.

O insumo produzido – uma base nitrogenada – é parte indispensável da molécula do remdesivir. “É um insumo de certo modo elaborado, de maior valor agregado e de difícil acesso hoje. Nós fizemos algumas alterações no protocolo original e conseguimos alguns ganhos experimentais”, afirma Giovanni Amarante, idealizador e coordenador da pesquisa. “Não podemos produzir e vender no Brasil esse novo composto, porque a empresa tem a patente. Mas, em tempos de crise, podemos contribuir cientificamente apresentando alternativas de síntese”, completa.

De acordo com o artigo publicado, a técnica clássica utilizada para a síntese desse composto – de Klein – é feita em duas etapas e obtém rendimento de 28% da base nitrogenada. A técnica utilizada atualmente na produção do remdesivir – a da Bayer – precisa de 4 etapas para chegar em um rendimento de 31%. O caminho encontrado pelos pesquisadores do GPMS, a partir de alterações experimentais da técnica de Klein, chega a um rendimento de 39%. 

O medicamento é administrado de forma intravenosa e foi liberado apenas para uso hospitalar.

“Fomos construindo o esqueleto da estrutura. Popularmente como legos, em cada etapa, fazemos uma montagem molecular. Uma das etapas que já era feita antes na literatura não tinha quimiosseletividade. E no nosso estudo conseguimos fazê-la de forma quimiosseletiva”, explica Amarante. O processo de quimiosseletividade permite que em uma mistura de dois compostos orgânicos, apenas um seja formado preferencialmente. Além disso, uma etapa de separação dessa mistura foi minimizada, viabilizando ainda mais a técnica desenvolvida. 

Para o processo de quimiosseletividade, é necessário um reagente chamado monocloramina. “Para a produção desse reagente nós utilizamos hipoclorito de sódio. Em um momento em que o composto se mostra importante, o uso de um produto com baixo custo e comercial traz vantagens para a produção em larga escala”, destaca Amarante. 

De acordo com estudo publicado no New England Journal of Medicine, o uso do medicamento em pacientes com dificuldade para respirar reduz o tempo necessário de uso de oxigênio, diminuindo o tempo de recuperação.

O Remdesivir

O Remdesivir, antiviral utilizado no tratamento do ebola, foi aprovado pela Anvisa no dia 12 de março deste ano para o tratamento de pneumonia causada por complicações da Covid-19. De acordo com estudo publicado no New England Journal of Medicine, o uso do medicamento em pacientes com dificuldade para respirar reduz o tempo necessário de uso de oxigênio, diminuindo o tempo de recuperação. O fármaco já havia sido aprovado pela agência regulatória norte-americana Food and Drug Administration (FDA) no final de outubro de 2020. “O medicamento é administrado de forma intravenosa e foi liberado apenas para uso hospitalar. Não é comercializado em farmácias e não substitui a vacinação e medidas como distanciamento social e uso de máscaras. É utilizado apenas em casos graves que evoluem para pneumonia.

Apesar de ser o único medicamento dentre todos outros sendo citados (cloroquina, ivermectina, etc) que demonstrou eficácia moderada para o tratamento de complicações da Covid-19, em novembro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) aconselhou que “mais pesquisas são necessárias, especialmente para fornecer maior certeza de evidências para grupos específicos de pacientes”.

Caráter pioneiro da pesquisa

“Ainda no primeiro semestre de 2020, submeti uma proposta de projeto à Fapemig para um trabalho de pesquisas na síntese do remdesivir. Ressalto que foi o único projeto aprovado pela Fapemig, tendo como coordenador, um professor da UFJF”, aponta Amarante. Além disso, o pesquisador destaca que é o primeiro estudo realizado no Brasil que trata do remdesivir no campo da química orgânica sintética. O estudo foi realizado por uma equipe do Departamento de Química da UFJF, com destaque para a pesquisadora Juliana Alves dos Santos sob orientação de Giovanni Amarante.