Ansiedade e comida são dois lados de uma balança por vezes difícil de equilibrar. Controlar o lado emocional para, então, pensar no que comer e quais excessos evitar é essencial para manter a saúde em dia. Em entrevista ao Portal da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), o professor do curso de Nutrição da UFJF Renato Nunes dá dicas de como enfrentar o período do isolamento social sem devorar a geladeira. Na conversa, ele também alerta para os cuidados com a alimentação infantil e com os produtos que chegam dos mercados.
Confira a entrevista na íntegra:
Portal da UFJF – O que devemos fazer para evitar que a ansiedade nos faça comer desregradamente e em quantidades anormais?
Renato Nunes – É normal neste período de estresse no isolamento, com mais ansiedade e com menos tarefas, que busquemos no alimento um conforto. Isso nos remete à proteção das comidas dadas pelos nossos pais e avós quando estávamos doentes. É uma forma de resgatar essa sensação de proteção. Entretanto, devemos ser mais proativos para minimizar essa vontade de comer tudo de uma vez.
Separe os doces e biscoitos por quantidade, dia da semana e por pessoa. Sente com todos, veja quanto cada um gostaria de comer – de forma racional – e coloque em caixas ou locais por semana, isso ajuda a manter o controle.
Planeje suas refeições, assim você sabe que terá horários e isso não vai te deixar ansioso. Faça um pequeno cardápio antes de ir ao supermercado, sabendo o que você vai comprar, evite itens fora desse cardápio.
Se você notar que ainda está compulsivo, coma uma fruta antes. Tente colocar o que você quer comer na mesma quantidade de frutas e verduras. Coma primeiro as frutas, legumes e depois o que você está com vontade, isso vai fazer seu cérebro, com o tempo, entender que você tem vontade de comer coisas saudáveis.
Mastigue bem os alimentos, e bem devagar. Parta as guloseimas em pedaços menores e conte até 30 antes de colocar um novo pedaço na boca, isso vai fazer com que você coma menos quantidade. Quando começar a perceber que está querendo comer algo fora do planejamento, levante e tome um copo de água, isso ajuda a te hidratar e a controlar um pouco a fome compulsiva.
Ocupe-se. E, se nada disso der certo, simplesmente não compre as coisas que você sabe que podem acionar um gatilho de compulsão alimentar.
Portal da UFJF – Qual a importância de manter uma dieta balanceada no período de quarentena?
Renato Nunes – A alimentação é a forma como o nosso organismo consegue os nutrientes necessários para manter todos os nossos órgãos e sistemas funcionando em harmonia. Entre eles o sistema imunológico, que precisa de uma série de vitaminas, minerais, proteínas, gorduras e o carboidrato, que nos dá a energia para realizarmos todas as tarefas internas do nosso corpo, principalmente as desse sistema.
Outro ponto importante é que vegetais e frutas possuem outros compostos, chamados bioativos que ajudam a controlar a expressão do nosso DNA e dos nossos genes para que eles produzam substâncias que nos protegem e evitam produzir outras que podem nos atrapalhar nesse momento.
Portal da UFJF – Como deve ser uma dieta nesse período? Além das frutas e vegetais, que outros alimentos devem ser consumidos?
Renato Nunes – Devemos manter uma rotina alimentar planejando quantas refeições iremos fazer durante o dia e realizar estas refeições sempre próximas dos mesmos horários dos dias anteriores. Isso ajuda o organismo a se preparar melhor para o processo digestivo.
É necessário manter uma rotina diária de sono, evitando descontrolar estes horários para não alterar o cortisol e promover um estado inflamatório que pode fragilizar o sistema imunológico.
Consumir alimentos que reforcem, com o tempo, nosso sistema imune, pois ele precisa de uma boa estrutura nutricional para isso. Os alimentos ricos em vitamina C, como frutas cítricas, goiaba, kiwi, morango, caju, pimentão e brócolis devem ser consumidos pelo menos três vezes ao dia. Eles atuam auxiliando o sistema imunológico e são antioxidantes importantes para os períodos de estresse, combatendo os radicais livres. Os alimentos que possuem vitaminas A, D, E, Selênio e Zinco também são importantes para o tratamento de infecções e para a imunidade.
A hidratação é aliada no combate das infecções virais e ajuda o trabalho das células de defesa da saliva. Beba de 30 ml a 40 ml de água por quilo de peso por dia.
O uso de probióticos, que são bactérias boas que ajudam o seu intestino a funcionar bem, é muito importante. Aumente o consumo de fibras da dieta (frutas, legumes, verduras, aveia). Probióticos isolados devem ser recomendados apenas por nutricionistas para não prejudicar sua saúde neste momento. Ômega 3 e outros suplementos podem ser coadjuvantes da melhora do organismo nos processos inflamatórios e auxiliar indiretamente na imunidade, mas não devem ser usados sem um acompanhamento ou indicação de um nutricionista.
As proteínas são fundamentais para fortalecer a imunidade. Consuma, ao longo do dia, pelo menos três porções (carnes, ovos, queijos, leguminosas). Já os carboidratos são fonte de energia para a realização de todos os processos do nosso organismo, além de atuarem na modulação imunológica e da tireoide.
Portal da UFJF – Que alimentos devemos evitar?
Renato Nunes – Devemos evitar alimentos que causam ou agravam o processo inflamatório, como: excesso de açúcar, frituras, produtos ricos em óleos vegetais – como o óleo de soja -, alimentos ricos em gordura hidrogenada e farinhas de trigo. Prefira o azeite.
Devemos consumir menos produtos industrializados por serem mais calóricos e menos nutritivos que os alimentos naturais.
Portal da UFJF – Com as idas ao mercado mais restritas, que alimentos saudáveis duram mais tempo em casa?
Renato Nunes – Alimentos saudáveis duram menos tempo, pois não possuem aditivos para conservá-los nas prateleiras. As folhas são as mais sensíveis. Colocadas em um recipiente com água – trocada todos os dias para evitar dengue – elas duram mais.
Frutas tem validade variável. A dica é comprar uma mescla de mais maduras para o consumo imediato e mais verdes para irem amadurecendo com o tempo. Corte as bananas do cacho deixando o cabinho, isso ajuda na conservação. Outras frutas que tem polpa podem ser congeladas para fazer sucos ou geleia e compotas e serem consumidas depois, não abusando do uso de açúcar para estas preparações.
Legumes costumam durar até duas semanas, se colocados em potes fechados. É possível fazer o branqueamento – picar e colocar em água fervendo por cerca de 20 segundos para inativar as enzimas – e congelar em porções do tamanho de cada refeição. Alguns, como a batata, vão mudar o aspecto depois que descongelar, o ideal é congelar em forma de purê.
Carnes, leites e queijos duram de um a três dias na geladeira, por isso devem ser armazenados na parte superior ou no congelador. Já os alimentos preparados em casa devem ser consumidos em no máximo dois dias ou congelados para uso posterior em até três meses.
Não esqueça de higienizar tudo que trouxer de fora antes de guardar nos armários. Faça isso em um local limpo, arejado, longe de animais, higienizando os locais que você usou para apoiar as compras posteriormente.
Portal da UFJF – Como evitar desperdícios de alimentos nesse período?
Renato Nunes – Não podemos desperdiçar alimentos de forma nenhuma neste momento, isso vai encarecer os preços e dificultar o acesso para todos. Faça uma listagem de tudo que já tem em casa, organize o que está por vencer e coloque na frente para consumir antes. Liste o que precisa ser comprado e a quantidade por semana, só depois vá às compras com uma lista na mão para não comprar nada desnecessário.
Guarde o que sobrar do almoço em potes e no fim do dia faça uma sopinha ou um mexidão acrescentando ovo e azeite ao arroz e às demais sobras. Faça torrada do pão que está sobrando e coma o bolo com uma mistura de frutas congeladas batidas com banana, fica parecendo bolo com sorvete.
Portal da UFJF – Como tornar os alimentos saudáveis mais interessantes para as crianças e como evitar o consumo excessivo de açúcar?
Renato Nunes – É natural que as crianças gostem de doces e guloseimas, o doce é o primeiro paladar na vida. Rejeitamos o azedo e o amargo como modo de proteger nosso corpo. Além disso, os pais e familiares, para agradar, muitas vezes incentivam dando este tipo de alimento na infância e depois acabamos nos acostumando. Esta é uma tarefa difícil de fazer, mas não impossível.
É necessário não ser radical: não tire tudo que a criança sempre comeu, comece misturando as coisas que ela gosta com coisas mais saudáveis. Se gosta de chocolate, misture derretido com morangos ou outras frutas. Gosta de biscoitos? Faça uma farofinha de biscoitos e coloque pra assar com uma compota de frutas.
Leve as crianças a para cozinha, façam biscoitos com castanhas e frutas secas. Cozinhar é um ato de amor, mas precisa ser divertido também. Explique a importância das frutas, verduras e dos vegetais para combater o “bichinho do mal” que está lá fora, e que quanto mais elas comerem isso, mais poderes terão para ajudar a cuidar de todos dentro de casa.
Tenha paciência, ninguém muda um hábito alimentar de forma bruta ou impositiva. Converse, chame para participar, explique, mas, principalmente, dê exemplos. As crianças repetem tudo o que os adultos fazem: se elas estão vendo os pais fazendo da forma correta, também farão isso com o tempo.
Portal da UFJF – Que dicas você dá para quem não está acostumado a cozinhar em casa todos os dias para regrar a quantidade de alimento a ser produzido?
Renato Nunes – No Brasil temos muitos descendentes de italianos, e famílias gostam de cozinhar, guardam a cultura da “mama” italiana. O mineiro gosta de mesa farta. Não tem uma dica infalível, haja com bom senso. Conte quantas pessoas vão comer e quanto você está cozinhando para cada uma delas. Divida os alimentos crus em porções, com medidas em xícaras ou colheres. No caso de uma pessoa comer três colheres de sopa de arroz, cozinhe para ela uma colher de arroz cru. O raciocínio é o mesmo para cada alimento.
A maioria das pessoas não come tanto, consumimos, de um modo geral, de 150 g a 300 g de alimentos e 150 ml a 200 ml de líquidos no café e lanches e entre 600 g a 900 g no almoço e jantar. Se fizer o almoço para três pessoas que comem bastante, no final tudo que você fizer vai pesar 2,7 kg. Use panelas menores do que habitual nos fins de semana, isso vai ajudar a diminuir a quantidade.
É hora de utilizar de forma racional a Economia Doméstica. Precisamos economizar prevendo tempos difíceis. Os alimentos precisam ser suficientes para todos, por isso é preciso conter o exagero no consumo, pensando assim, evitamos também um aumento no valor dos produtos.