Em comemoração ao aniversário de 50 anos, o Coral da UFJF apresentará o espetáculo “Brasis em Cena: Paisagens”, nos próximos dias 17 e 22, às 20h30, no Cine-Theatro Central. Este é o primeiro musical da atual formação do grupo, um dos poucos do país que está em atividade ininterrupta desde a sua fundação, em 1966. A direção musical é da maestrina do coro, Hellem Pimentel, a direção cênica é de Marcos Marinho e os cenários e figurinos de Fernanda Cruzick. A entrada é franca. Os ingressos gratuitos estão sendo distribuídos no saguão do Cine-Theatro Central, de terça a sexta-feira, das 9h às 12h e das 14h às 17h.
Tendo como tema a riqueza e a diversidade musical do país, o grupo elegeu cinco paisagens para representar: floresta; litoral; montanha; sertão; e cidade. O espetáculo é uma criação coletiva, que será entremeado de textos de autores brasileiros, como Guimarães Rosa, Ariano Suassuna, Raul Bopp, João Cabral de Melo Neto e Rubem Fonseca, além de uma narrativa dos povos Kaxinawá, da Amazônia.
A primeira paisagem é a floresta, com seus rios, fauna, flora e os povos primitivos, remontando o período anterior ao descobrimento do Brasil. Assim, as canções indígenas “Kworo Kango” e “Araruna”, adaptadas por Marlui Miranda, abrem o musical, seguidas de “Ao Chico“, de Tião Natureza, feita em homenagem ao seringueiro Chico Mendes e sua intensa luta pela preservação da Amazônia, que o tornou conhecido internacionalmente e foi a causa de seu assassinato.
A próxima paisagem são as montanhas, tão comuns em diversas partes do território brasileiro, em especial, na região das Minas Gerais com suas serras e formas arredondadas que ora sufocam, ora protegem do mundo quem nelas vive. Não se pode cantar as montanhas de Minas sem pensar em Milton Nascimento. A escolha foi, então, “Itamarandiba“, dele e de Fernando Brandt. E, a partir de uma quase obrigatória associação de imagens, montanha acaba acompanhada de trilhos. “Trem de Ferro“, de Tom Jobim e Manuel Bandeira, completa esse cenário.
Depois das montanhas, o sertão. A dureza da vida do sertanejo, que luta contra a seca que não deixa o mato crescer e mata de fome e de sede o seu gado. Misturando esperança e fé, ele se apega ao divino para pedir água. É o que será cantado em “Procissão da Chuva“, composição de Cacilda Barbosa e Wilson Rodrigues, escrita para ser cantada a quatro vozes, e em “Lamento sertanejo“, de Gilberto Gil e Dominguinhos. Completando a paisagem, “A vida no meu sertão”, do juizforano Fabrício Conde.
Do desejo pela água, chegam ao litoral, que banha todo o leste do território brasileiro e representa, assim, uma de suas mais importantes e belas paisagens. A opção foi mostrar um pouco da riqueza da Bahia, com sua gente, seus ritmos e temperos, presentes em “Vatapá“, de Dorival Caymmi, carregada de sensualidade e alegria. E a leveza de “Surfboard”, de Antônio Carlos Jobim, misturada à poesia de “O mar serenou”, de Antônio Candeia Filho, imortalizada na voz de Clara Nunes.
Assim, chega-se ao litoral para encontrar a quinta paisagem: a cidade, com suas paredes de concreto e a luta urbana que se trava no dia a dia da selva de pedra. Carros, barulho, correria, o dinheiro que domina as relações entre as pessoas, o preconceito, a vida vivida de aparência, o individualismo. Caem como luva a incisiva “Classe Média“, de Max Gonzaga, e “Olhos Coloridos“, de Macau. Ambas denunciam a ilusão caótica da troca de valores. Em essência, somos todos iguais. Todos temos sangue crioulo correndo nas veias e só nos importamos com uma tragédia urbana quando ela bate à nossa porta.
Concepção do espetáculo
A escolha de montar um musical se deu pela interdisciplinaridade que sempre norteou o coro, que junta elementos cênicos e teatrais para fazer música. Essa proposta híbrida começa na diversidade das pessoas que integram grupo. Desde suas primeiras formações é composto por estudantes, ex-alunos, professores e funcionários da UFJF, além de membros da comunidade não acadêmica. Esta configuração é mantida até hoje, apesar de o número de integrantes, no decorrer destes 50 anos, ter variado bastante. Além da regente, o coro hoje é formado por 18 cantores.
Recém-chegada à direção do Coral da UFJF, cargo que ocupa desde junho deste ano, a maestrina capixaba Hellem Pimentel começou bem afinada com a ousadia e a busca pelo novo, características intrínsecas ao trabalho musical e cênico desenvolvido pelo grupo ao longo da sua trajetória. Logo no início, lançou proposta de fazer um musical, gênero nunca apresentado pelo coro, com prazo de pouco mais de quatro meses para levá-lo ao palco.
Desde o primeiro contato, “houve uma identificação imediata entre o trabalho que eu já fazia como regente e a sonoridade do grupo que encontrei aqui em Juiz de Fora, com disposição e coragem para fazer algo inédito, diferente”. Assim, a semente do musical estava lançada. Após muita conversa e ideias concebidas em conjunto, “faltava apenas nos associarmos a pessoas dispostas a trabalhar de forma compartilhada, o que é muito melhor e mais divertido, para construir um espetáculo que já começava a tomar forma na cabeça do grupo”. Foi aí que entraram em cena Marcos Marinho e Fernanda Cruzick.
Direção cênica
O diretor Marcos Marinho se emociona ao falar sobre o momento em que recebeu o convite para fazer a direção cênica do espetáculo. “Senti uma grande alegria e logo percebi que se tratava de um honroso desafio. Comecei então a fazer algumas perguntas, que poderiam me aproximar o mais honestamente possível deste trabalho: O que mais me interessa como espectador de canto coral? O que mais me incomoda nessas ocasiões? O que realmente me emociona? O que aprendo?”
A partir daí, ele foi construindo a concepção deste “Brasis em Cena: Paisagens” junto com os demais artistas, inspirado em duas manifestações cênicas: a Ópera e o Coro Trágico. Assim, “toda a preparação dos cantores-atores e mesmo minhas contribuições na concepção visual e no repertório, tiveram como finalidade levar em conta alguns conceitos presentes tanto na ópera quanto no coro: a teatralidade não naturalista, a narrativa, a música como texto, a gestualidade como texto e a encenação em grupo”.
A artista plástica Fernanda Cruzick atuou por 13 anos como soprano no Coral da UFJF. Além disso, de 1996 a 2009, foi responsável por toda a parte referente aos aspectos visuais, indumentárias, adereços, iluminação, cenários e direção cênica do grupo. Conta que recebeu com surpresa o chamado para fazer a idealização do figurino para o musical, em parceria com Marcos Marinho e Hellem Pimentel. “Um convite inesperado para mais que um trabalho: um desafio que possibilitou a ‘costura’ de todas as ideias traduzidas desde o cenário às informações reveladas pelas roupas”.
A construção dos elementos cênicos foi desenhada apoiada pelo repertório escolhido, impregnado de influências culturais e regionais do país. No processo de criação, Fernanda buscou “padronagens que fazem parte da nossa memorialística cultural, inclusive trazendo imagens de xilogravuras do artista plástico Arlindo Daibert, que são reveladas num figurino que propõe uma dinâmica por seu caráter lúdico”. O cenário, configurado como instalação, traz um aspecto interativo, “manuseado e transformado pelo próprio corpo de cantores e que cria uma interdisciplinaridade de expressões artísticas, numa comunhão única”, completa.