(Foto: Divulgação)

Banda A Pá é remanescente do Som Aberto de quase quatro décadas atrás (Foto: Divulgação)

Com um formato renovado, o Som Aberto, considerado o maior movimento artístico e cultural da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) nos anos 1970, volta à cena neste sábado, 25, das 14h às 21h, numa iniciativa da Pró-reitoria de Cultura, com o apoio da Diretoria de Imagem Institucional da Universidade. Em sua nova versão, o projeto propõe misturar diferentes atividades, partindo da música para chegar às artes plásticas, à dança, à moda e à literatura. O espaço para a criatividade e a inspiração é a Praça Cívica, no Campus, aproximando a sociedade da comunidade acadêmica com opções para todos os gostos e idades, sem perder de vista a qualidade.

Esta edição piloto terá a presença, como convidada, da banda A Pá, remanescente do Som Aberto de quase quatro décadas atrás, que fará o último show da noite.  Antes o público terá a oportunidade de conhecer as duas primeiras bandas selecionadas no edital que a Pró-reitoria de Cultura lançou para estudantes, professores e técnico-administrativos em educação que participam de alguma formação musical: Cangaia Blues e Capivaras de Netuno. Ainda integrando as atrações musicais, o evento contará com o DJ Pedro Paiva.

A pró-reitora de Cultura, Valéria Faria, planejava a retomada do Som Aberto desde que assumiu o cargo, em abril de 2015, investindo na ideia de trazer para as tardes de sábado um caldeirão cultural repleto de opções, incluindo, além dos shows, performances, discotecagem e bazar vintage. A proposta é que o Som Aberto tenha uma edição mensal. Nesta estreia do projeto, atrações circenses e de dança urbana, capoeira, varal de poesia, e quase 40 estandes de moda, culinária, artesanato, ilustração e tatuagem ocuparão a Praça Cívica a partir das 14h. A apresentação das bandas acontecerá das 17h às 21h.

Blues, rock e outros sons

Primeira banda a subir à Concha Acústica no sábado, a Capivaras de Netuno traz seu rock n’ roll para o Campus. Com uma pegada mais clássica, a banda procura apresentar em seus shows releituras de músicas dos anos 1950, 1960 e 1970. O vocalista Brunno Esteves diz que a proposta é atingir variados públicos. “Acreditamos que nosso trabalho se baseia muito no pop comercial, passando pelo experimental, que pode ser vendável e audível para um público cult ou um público povão. Acho que nossa ideia é atingir o máximo de ouvintes. Não importa a idade.Tocar no Som Aberto será uma experiência muito legal. Fazer um som em um espaço democrático e aberto como a UFJF é incrível e gostaríamos muito de retribuir isso com um belo show para o público em agradecimento à instituição, que nos abriu as portas e as janelas com essa oportunidade de ouro”.

Capivaras de Netuno traz seu rock n’ roll para o Campus. Com uma pegada mais clássica, a banda procura apresentar em seus shows releituras de músicas dos anos 1950, 1960 e 1970 (Foto: Divulgação)

Capivaras de Netuno se apresenta com uma pegada mais clássica, com releituras de músicas dos anos 1950, 1960 e 1970 (Foto: Divulgação)

Já a Cangaia Blues retrata um estilo musical que nasceu através da luta dos negros do sul dos Estados Unidos: o blues. A banda apresenta tanto canções mais antigas quanto atuais. Dentre as versões, nomes como B.B. King, Stevie Ray Vaughan e Jimi Hendrix aparecem com frequência. Parados desde outubro do ano passado, os três integrantes resolveram se unir recentemente a fim de lançar novas músicas autorais ainda para este ano seguindo a linha do que é tocado atualmente. Cangaia Blues é formada por Raony Amorim (guitarra e vocais), João Lusardo (baixo) e Lucas Carvalho (bateria).

O DJ Pedro Paiva, do grupo Vinil é Arte, afirma que será uma grande honra trabalhar no evento e antecipa o que trará em sua discotecagem. “Quero alinhar o som do Vinil é Arte ao conceito do evento, dialogando com as diferentes manifestações artísticas. Minha praia é música brasileira dos anos 60/70, em estilos como sambarock, soul e brasilidades em geral. Acredito que vai ser um set bem introspectivo durante a tarde, uma coisa bem livre.”

Criatividade e sustentabilidade

Em sintonia com a proposta de dar oportunidade a novos músicos, privilegiando a produção de bandas iniciantes e alternativas, a abertura de espaço no Som Aberto para estandes de artigos de moda, acessórios, artesanato, decoração, e mesmo de gastronomia, buscou a parceria com produtores criativos e diferenciados. Entre os participantes desta edição, a maioria oferece peças originais, exclusivas e customizadas, produzidas com técnicas artesanais ou rústicas e alinhadas com os princípios da reciclagem e da sustentabilidade.

Um exemplo é a marca de vestuário e acessórios A Lada, de Juliana Furtado e Hanna Coura, que buscam contribuir para uma produção consciente. “A Lada é uma marca de roupas que desenvolve peças diferenciadas para o público feminino, utilizando do tricô para reaproveitar roupas que seriam descartadas de maneira indevida, mostrando que é possível conseguir roupar de qualidade a preços acessíveis”, explicam as responsáveis. “É uma iniciativa bacana e a cidade precisa de eventos como este, em que os artistas possam expor seus trabalhos. Estamos bem empolgadas”, afirmam sobre a participação no Som Aberto.

Heliana Queiroz, com sua confecção familiar As Garimpeiras (Foto: Divulgação)

Heliana Queiroz leva para a Praça Cívica peças da sua confecção familiar As Garimpeiras (Foto: Divulgação)

Outra expositora que participará desta edição é Heliana Queiroz, com sua confecção familiar As Garimpeiras. “Vai ser sensacional, porque só temos um ano de loja, então será bom para a nossa divulgação trabalhar em um evento como este na universidade. A minha loja é virtual e nós trabalhamos com tecidos diferenciados de maneira bem caseira, visando principalmente o público feminino.”

A Praça Cívica também será uma oportunidade para a ilustradora Bruna Bridi apresentar seu trabalho no Som Aberto. “Participar deste evento vai ser superinteressante, porque vai ser um espaço para a gente expor nosso trabalho pro pessoal da UFJF conhecer. Meu coletivo se chama Prometeus e nós trabalhamos com ilustração, tatuagem e artesanato. Vamos vender os desenhos e marcar sessões para fazer a tatuagem posteriormente em nosso estúdio, na Bioma”, explica a artista.

Túnel do tempo

Para entender a importância do Som Aberto e seus reflexos na cultura local até os dias de hoje, é preciso conhecer sua origem. Liberdade, criatividade e contestação são palavras-chave para definir o projeto informal dos estudantes da UFJF que transformou a vida cultural do Campus e da cidade nos anos 1970, evoluindo pela década como uma inspirada alternativa para a revelação de talentos musicais, sem esquecer outras áreas como literatura, dança, teatro e pintura.

Idealizada por um grupo de universitários liderados pelo então presidente do DCE, Ivan Barbosa, a primeira edição aconteceu em uma manhã de outubro de 1974, com apresentação da banda A Pá no anfiteatro do antigo Instituto de Ciências Biológicas e Geociências (ICBG). O sucesso foi tanto, que os eventos seguintes reuniram não apenas os alunos da UFJF, mas secundaristas que queriam participar de um movimento cultural promissor em um tempo de opções limitadas pela força da ditadura na cidade-sede da 4ª Região Militar.

Então estudante de Medicina, hoje médico perito da UFJF, Márcio Itaboray acabou se transformando na alma do Som Aberto, cuja pretensão era dialogar com o público a partir da música. Nesse primeiro momento, todos podiam subir ao palco e mostrar seu talento. A ideia era dar visibilidade aos anônimos. A fórmula evoluiu e convidados especiais foram incluídos na pauta. Assim, de repente, sem cachê ou tratamento VIP, estavam no pequeno palco do anfiteatro personalidades como João Bosco, João do Vale, Roberto de Regina, Leci Brandão, Sérgio Cabral e, claro, a juiz-forana Sueli Costa.

Reflexos positivos

A importância do projeto foi tal que alcançou a Praça Cívica e, de repende, extrapolou as fronteiras do Campus, percorreu o circuito de várias universidades brasileiras, para, finalmente, inspirar eventos de peso, que trouxeram aos palcos convencionais da cidade, principalmente o Cine-Theatro Central, astros como Gonzaguinha, em 1975, para a Calourada dos aprovados no vestibular.

Ao abrir a oportunidade para aqueles que queriam se manifestar pela música, o Som Aberto inspirou carreiras e solidificou promessas culturais, que atearam fogo à caldeira cultural dos anos 1980. Godô e Estevão Teixeira, Mário Nalon, Domício, Duty Botti, Luisinho Lopes, Guaçuí, Cezar Itaboray, Serjão Evangelista, Ademar Salomão, Carlos Carreira e os grupos Coisa & Tal, Guela Seca, Vértice e Gardênia Dourada fizeram história nas edições que se intensificaram até 1978.

Tempos difíceis

Em tempos de opressão, o Som Aberto era um momento de expressão pela liberdade através da arte, mas era acompanhado de perto pela censura. Márcio Itaboray, que chegou a escrever sobre o Som Aberto no livro Assuntos de vento – Breves histórias da MPB em Juiz de Fora, publicado em 2001, conta que depois de uma das apresentações foi convidado, junto com outros integrantes de A Pá, a visitar a sede da 4ª Região Militar. Lá, foram aconselhados a escolher um repertório menos focado na contestação e mais concentrado na diversão. Para ele, a Música Popular Brasileira, como a conhecemos hoje, começou com eventos semelhantes ao Som Aberto em diferentes locais do país. “Por isso é tão importante recuperar suas raízes”.

O jornalista Xico Teixeira, integrante do grupo A Pá, era o responsável por anunciar os músicos que subiam ao palco, além de buscar os convidados em sua lambreta Xispa. Ele ressalta que o evento enfrentava particularidades, como o fato de a Reitoria de então, pressionada pela ditadura, enxergar toda essa movimentação cultural como uma ameaça à paz acadêmica.

“A Universidade teve o mérito de respeitar o evento, mas o grande nome e o nosso padrinho político dentro da UFJF foi o Dr. Paulo Torres, médico, professor e diretor do ICBG durante os primeiros anos de existência do Som Aberto”, diz, acrescentando que o diretor enfrentou todas as oposições para que o evento acontecesse nas manhãs de sábado. “Ele deixava comigo as chaves do anfiteatro, tamanha a confiança que depositava naquele grupo de jovens artistas, intelectuais e com uma enorme chama libertária e democrática”, conta Xico Teixeira.

Márcio Itaboray destaca que outro grande incentivador do Som Aberto foi o médico e professor da UFJF Aloísio Ladeira, que interferiu junto à Reitoria para equipar o anfiteatro com uma aparelhagem de som adequada.     

SOM ABERTO

Dia 25, das 14h às 21h, na Praça Cívica (Campus da UFJF)

Estandes e atrações culturais: a partir das 14h.

Shows com as bandas Cangaia Blues, Capivaras de Netuno e A Pá: a partir das 17h

Entrada franca

Outras informações: (32) 2102-3964 (Pró-reitoria de Cultura)